Saneamento: obras estão paradas; situação brasileira é alarmante
2005-08-29
Uma radiografia do saneamento básico do país mostra que a situação do setor é alarmante. Dos 423 contratos assinados no atual governo para expansão da rede de água e tratamento de esgoto, 264 obras (62%) estão paradas por vários motivos, deixando de beneficiar cerca de 13 milhões de pessoas. Além disso, segundo cálculos do Ministério das Cidades, 480.407 empregos previstos não foram criados. Em mais de dois anos e meio de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram desembolsados apenas 17,7% do valor total contratado nesse período: R$ 3,67 bilhões de recursos do FGTS, a principal fonte de financiamento do setor.
Diante deste quadro, técnicos da área estão flexibilizando uma norma do Conselho Curador do FGTS, que suspende a liberação do dinheiro, se as melhorias não começarem num período máximo de dois anos. E decidiram prorrogar os prazos para duas empresas: a Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp), para ampliação da rede de tratamento de esgotos e de água em oito municípios (Juquitiba, Cubatão, Registro, Juquia, Pedro de Toledo, Guararema, Caraguatatuba e Guarujá); e a paranaense Sanepar, para aumentar a produção de água em um poço em Apucarana (PR).
Outros 81 contratos devem enfrentar o mesmo impasse dentro de quatro meses. Com exceção de Bahia, Paraíba e Minas Gerais, o quadro é preocupante nos demais estados, especialmente em São Paulo, Paraná, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal, além dos estados do Nordeste. Há ainda o caso das companhias estaduais que não se candidataram aos empréstimos, porque não têm capacidade de endividamento — este é o caso da Cedae, do Rio de Janeiro.
Setor se queixa de burocracia
De um lado, o governo culpa os tomadores (estados e municípios), que, por sua vez, criticam as autoridades federais. O setor reclama de entraves burocráticos e morosidade na obtenção de licenças ambientais, regularização fundiária e licitações, o que impede o repasse de recursos necessários para que as obras sejam realizadas.
— O governo federal não tem responsabilidade sobre isso (aplicação dos recursos). Isso é responsabilidade do tomador. Estamos assinando contratos — diz o secretário Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho.
— Há uma inércia do setor. O aumento da burocracia faz com que o ritmo de desembolso seja muito inferior ao que já foi no passado — diz o presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico (Aesb), Marcos Thadeu Abicalil.
Segundo ele, com a criação do Ministério das Cidades — que também faz análise técnica e autoriza os pedidos de empréstimos, papel da Caixa Econômica Federal — está havendo uma duplicidade de rotinas. Com isso, a aprovação de um projeto leva mais de seis meses. Abicalil também criticou o número excessivo de normas baixadas pelo Ministério das Cidades.
Uma delas, que acabou caindo, disse Abicalil, foi a exigência da declaração do prefeito de que a via, destinada à construção da obra, é pública. O ministério também passou a cobrar o registro imobiliário do terreno para liberar o financiamento, mesmo nos casos de desapropriação, o que pode levar anos na Justiça, queixou-se o presidente da Aesb.
— Antes, não havia regras e o governo repassava automaticamente. Agora, só vamos liberar o dinheiro se tivermos certeza de que ele vai retornar — retrucou o secretário, acrescentando que o governo está mais preocupado com a qualidade do gasto público, a fim de evitar desvio de recursos.
Sem poder fazer nada, Luzia Correia Santiago, moradora da Vila São José do Setor Habitacional Vicente Pires (região do entorno do Distrito Federal), reclama que mora no local há 15 anos e não sabe o que é ter acesso a água tratada e rede de esgoto. Com seis filhos e o marido desempregado, Luzia disse que não tem dinheiro para construir nem mesmo uma fossa, e o quintal serve de banheiro aos seis filhos.
Em Vicente Pires, onde moram cerca de 30 mil famílias, não existe rede de água. A Companhia de Saneamento do Distrito Federal (Caesb) tem contrato assinado com a Caixa para resolver o problema da população desde dezembro de 2003, mas alega que há um ano aguarda licença ambiental para iniciar as obras. A área tem problemas de regularização fundiária e depende de autorização do Ministério Público, esclareceu o Ibama/DF.
Os quase 200 mil habitantes de Águas Lindas de Goiás (GO), outra região do entorno de Brasília, também sofrem com a falta de água. Sem rede de abastecimento de água e de tratamento de esgoto, as alternativas são os poços artesianos e fossas. Mas toda a água servida (com restos de comida da lavagem de louças) vai para as ruas, o que atrai ratos e provoca doenças.
— Espero que tudo isso acabe um dia — disse Lucilene Duarte Lustosa, que tem dois filhos pequenos.
Só após um ano da assinatura do contrato, a Caesb e a Saneamento de Goiás S.A. (Saneago) conseguiram abrir, no mês passado, o processo de licitação para as obras na região.
Em São Paulo, o diretor da Sabesp Rui de Brito diz que os obstáculos estruturais e institucionais, como as brechas na lei de licitações e as exigências ambientais que emperram os projetos, além da burocracia e as “regras ambíguas” do Ministério das Cidades, aumentam os problemas das empresas para viabilizar a liberação dos recursos do FGTS.
— Estamos trabalhando para acelerar os processos e temos apresentado à Caixa sugestões para diminuir os problemas que atrasam a liberação dos recursos — afirma Brito, destacando que as conversas com o Ministério das Cidades têm sido “mais ideológicas e menos técnicas”. — Agora que há disponibilidade de recursos para o saneamento, criam enormes dificuldades para se tomar os recursos em tempo hábil. (O Globo, 28/08/2005)