Formigas são índices da riqueza da mata atlântica
2005-08-26
Quando se trata de descrever a biodiversidade da mata atlântica, poucas pessoas escolheriam uma formiga no lugar de uma onça-pintada ou de um mico-leão-dourado - duas grandes espécies-símbolo do bioma. Os pequenos insetos, no entanto, estão se mostrando ótimos organismos índices, usados para representar a diversidade biológica de um ecossistema. É o que demonstra um levantamento feito por pesquisadores do Programa Biota, que mapeou toda a imensa biodiversidade de formigas no pouco que resta da mata atlântica.
O resultado é uma lista de mais de 550 espécies - várias delas novas para a ciência -, com médias regionais que chegam a 30 espécies de formiga por metro quadrado de solo. — Isso sem contar as espécies que vivem enterradas, dentro de troncos ou na copa das árvores -, conta o pesquisador Carlos Roberto Brandão, coordenador do trabalho e diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). — Escolhemos o ambiente mais rico, que é o chão da mata.
O estudo foi feito em fragmentos de mata atlântica primária com área superior a 450 hectares. Ao todo, foram coletadas 1.400 amostras em 26 localidades, de norte a sul do bioma. Para se ter uma idéia de grandeza, as ilhas britânicas juntas possuem apenas 36 espécies de formiga.
— Temos quase isso em um metro quadrado de solo na mata atlântica -, compara Brandão.
O mapeamento das áreas de maior ou menor ocorrência, segundo ele, pode servir de guia para programas de conservação.
— Os insetos são excelentes indicadores de biodiversidade. Normalmente, se tem muita formiga, tem muito de tudo.
Os resultados, ainda parciais, também levantam uma série de questões sobre o passado biológico e geográfico da mata atlântica - bioma que originalmente cobria 15% do território nacional e hoje está reduzido a cerca de 1%.
— Uma das questões que queremos estudar é como os insetos se comportam nesse eixo norte-sul. Imaginávamos que o ambiente mais rico seria no Nordeste, mas é no norte do Rio – explica Brandão. Lá, o ponto que produziu o maior número de espécies foi o Parque Estadual do Desengano: quase 130 tipos de formiga.
A distribuição da biodiversidade dos insetos confirma a existência de três dos quatro sub-biomas da mata atlântica: 1) da Paraíba até o Recôncavo Baiano, 2) do Espírito Santo ao Rio de Janeiro e 3) de São Paulo até Santa Catarina. Faltou identificar uma quebra entre o Espírito Santo e a Bahia. As diferenças podem ser baseadas em formações atuais ou do passado, como antigas barreiras geográficas.
— À primeira vista parece tudo uniforme, mas, quando você olha a diversidade de espécies, percebe essas descontinuidades. Podemos inferir coisas do passado que não deixaram marcas geológicas, mas deixaram marcas sobre a biodiversidade – diz Brandão.
Coleção
Amostras de todas as espécies coletadas estão sendo adicionadas à coleção de formigas do Museu de Zoologia, que já soma cerca de 2 mil espécies, em quase 1 milhão de exemplares. Cuidadosamente catalogadas e presas a alfinetes, elas funcionam como uma biblioteca biológica da biodiversidade.
— Se eu quiser descrever a mata atlântica, tudo de que preciso está nessas gavetas. Elas expressam a biodiversidade tão bem quanto as árvores ou qualquer outro organismo – diz Brandão.
O projeto envolveu cerca de 30 cientistas de dez instituições ao longo de cinco anos. Também foram estudados vários grupos de vespas e cupins. O Programa Biota é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). (O Estado de S. Paulo, 25/08)