Terra do Meio (PA): Área grilada é decretada indisponível
2005-08-23
A subseção da Justiça Federal em Santarém concedeu liminar em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal decretando a indisponibilidade da fazenda Curuá, imóvel rural de quase 5 milhões de hectares na chamada Terra do Meio, que é considerado a maior área grilada do Brasil. Com isso, a Incenxil, empresa do grupo CR Almeida e pretensa proprietária, fica impedida de negociar as terras ou pleitear indenização por possíveis desapropriações.
A decisão, proferida pelo juiz Fabiano Verli determina também a retirada imediata dos prepostos do empresário paranaense Cecílio do Rego Almeida da região. Ele reivindica, através da Incenxil, a propriedade da fazenda. Mas, de acordo com dados do Incra e do MPF, é uma tentativa de grilar, com títulos fraudulentos, uma área do tamanho dos territórios somados de Bélgica e Holanda.
Os procuradores da República Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr devem solicitar o apoio da Polícia Federal e do Exército para cumprir a medida judicial, que representa a primeira grande derrota judicial do grupo CR Almeida no caso. Além da indisponibilidade, a liminar também ordena que a polícia militar se abstenha de tomar qualquer atitude em benefício da Incenxil, numa resposta direta à denúncia de que PM’s faziam segurança para os grileiros na região, amplamente divulgada pela imprensa no fim do ano passado.
A Incenxil usou vários argumentos processuais para tentar interromper a Ação, alegando a ilegitimidade do MPF para atuar no caso. Todas as alegações foram derrubadas pelo juiz, uma a uma.
— O pedido não é juridicamente impossível, por tudo que já disse. Há uma suspeita forte de que houve tentativa de grilagem. Há clara possibilidade de desapropriação envolvendo a área. A ACP serve para que se averigue a verdade -, finaliza o juiz, afastando todas as contestações da empresa.
Durante o processamento da ACP, o juiz federal realizou interrogatório de importantes personagens da história da fazenda Curuá. O depoimento de Roberto Beltrão, considerado um dos prepostos da Incenxil, é particularmente esclarecedor.
Ele declarou à Justiça que — não tem notícia de onde seria a sede da empresa, nunca viu seus sócios, não tem idéia de qual seria seu objeto social, não conhecia outros bens eventualmente de propriedade da Incenxil, nem tinha informações diretas sobre sua atuação, sobre seu funcionamento, sobre a idoneidade de seus sócios.
— Se a empresa é tão atuante como diz ser, não seria natural que Roberto Beltrão, um dos responsáveis por ela, soubesse disso? -, espanta-se o juiz Fabiano Verli com o teor do interrogatório.
A Ação foi ajuizada pelo MPF após a criação da Reserva Extrativista do riozinho do Anfrísio, em novembro do ano passado. Uma plotagem feita pela Procuradoria da República detectou que metade da área da Resex coincide com o perímetro da fazenda Curuá. Com isso, os grileiros poderiam acabar recebendo indenização por uma área que, no entendimento do MPF, pertence na sua totalidade ao Estado do Pará e à União.
Além de incidir sobre a área da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, a fazenda Curuá se encontra sobreposta a outras áreas da União: as Terras Indígenas Xypaia e Curuaya, a Floresta Nacional de Altamira, 82% da Terra Indígena Baú e a gleba onde estão os Projetos de Assentamento do Incra Nova Fronteira e Santa Júlia
— Em suma, em vista da histórica fraude, a União poderá ser obrigada a desapropriar imóvel que já lhe pertence. E, em se tratando de uma área de milhões de hectares, ocasionará um vultoso prejuízo para os cofres públicos -, resume a ACP.
Agora, com a resposta positiva da justiça ao pedido de tutela antecipada, a Incenxil é derrotada preliminarmente e o perigo de prejuízo aos cofres públicos afastado, faltando apenas o julgamento em definitivo do processo.
Os procuradores da República responsáveis pela ação pedem, em caráter definitivo, o cancelamento da matrícula, registro e averbações existentes no Cartório de Registro de Imóveis de Altamira referentes à Curuá, a indenização pela Incenxil dos danos morais causados à coletividade e a recomposição do meio ambiente degradado na área, também às custas da empresa.
Essa é a terceira ação judicial que trata do caso da Curuá. A primeira tramita na comarca de Altamira, e foi proposta pelo Instituto de Terras do Pará Iterpa, em 1996, pedindo a anulação do título da propriedade. Está parada por uma pendência a respeito da competência da justiça estadual.
A segunda ação, ajuizada em 2003 pelo MP Federal, também tramita na subseção da Justiça Federal em Santarém, e trata da responsabilidade criminal dos titulares da Incenxil e dos oficiais do Cartório de Altamira envolvidos nas falsificações. Na denúncia, a justiça é instada a condenar sete pessoas pela falsidade ideológica que deu origem à grilagem. (Gazeta de Santarém – PA, 22/08)