Ambientalistas voltam a sofrer agressões em todo país
2005-08-23
Meses depois dos assassinatos de Dorothy Stang no Pará e de Dionísio Júlio Ribeiro Júnior, o Seu Júlio, no Rio de Janeiro, uma nova onda de agressões e ameaças contra militantes ambientalistas começa a se alastrar em várias regiões do Brasil. Nos últimos dias, foram vítimas de agressões físicas e/ou ameaças de morte o secretário-geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), uma dirigente da Rede Brasileira de Educação Ambiental (Rebea) e os integrantes da caravana organizada pelo Greenpeace que percorreu a BR-163 (Cuiabá-Santarém).
As agressões dirigidas aos ambientalistas estão inseridas no contexto de crise política que atravessa o governo do PT e coincidem com os ataques sofridos recentemente pelos movimentos sociais. Nessa nova ofensiva dos setores mais à direita da sociedade contra as entidades e seus dirigentes, os ambientalistas temem que novos assassinatos acabem ocorrendo.
Secretário-geral do GTA, membro da coordenação nacional do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) e uma das figuras mais respeitadas do movimento ambientalista brasileiro, Adilson Vieira foi insultado, ameaçado de morte e agredido a pontapés na cidade de Humaitá (AM) durante um seminário sobre o desmatamento no Sul do Amazonas.
O pecado de Vieira, que suscitou a ira de dezenas de fazendeiros de soja presentes ao evento, foi ter manifestado o descontentamento dos ambientalistas com a falta de transparência e participação social no projeto de pavimentação da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), mais um empreendimento de grande impacto ambiental no coração da Amazônia.
No dia 11 de agosto, Adilson Vieira foi agredido pelas costas pelo secretário de Produção e Abastecimento de Humaitá, Sérgio Colares, que o atingiu com um chute após proferir diversas ameaças de morte e ofendê-lo com palavrões. Colares fazia parte de um grupo de cerca de dez fazendeiros que, momentos antes, cercaram e xingaram Vieira após a falação do ambientalista ao microfone.
O grupo estava acompanhado por outros fazendeiros e durante todo o seminário fez claque a favor da pavimentação da BR-319. O tamanho da ousadia dos agressores pode ser mesurado pelo fato de que, no seminário, estiveram presentes a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o governador do Amazonas, Eduardo Braga (PPS), e o prefeito de Manaus, Serafim Corrêa, entre outras autoridades.
Nenhuma delas foi testemunha das agressões a Vieira, que aconteceram na parte da tarde, quando as autoridades já haviam deixado o auditório da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) onde ocorreu o seminário. Segundo testemunhas, o clima de radicalização, no entanto, já era grande na parte da manhã, quando fazendeiros se revezaram ao microfone para defender o desenvolvimento e exigir a pavimentação da rodovia.
A fala da ministra, defendendo a realização de estudos prévios de impacto ambiental, foi recebida pelos fazendeiros com uma reação que variou do silêncio constrangedor às vaias discretas, passando por expressões de desdém. Aplausos mesmo, só durante o solidário discurso do governador Eduardo Braga, que definiu os produtores de soja do Sul do Amazonas como trinta e quatro famílias de brasileiros que apenas querem produzir e viver.
Adilson Vieira conta que, apesar de se destinar a discutir medidas para combater o desmatamento no estado, o seminário, na prática, tornou-se uma mera solenidade de assinatura de atos e decretos do governo estadual:
— A maioria desses decretos estava sendo assinado sem nenhuma discussão com a sociedade. Por isso, centrei minha intervenção nessa crítica -, disse.
O encontro, segundo Vieira, parecia feito para a aprovação de medidas de interesse dos fazendeiros: — Esse setor está querendo aproveitar a crise política e a inoperância do governo nos últimos meses para dar um passo largo na direção do aumento do desmatamento e da expansão da soja na Amazônia -, avaliou.
Sem encontrar resistência no governo, esse setor, segundo Vieira, se sente fortalecido para intimidar e agredir aqueles que, como os ambientalistas, colocam-se no caminho de seus interesses:
— A ofensiva já começou e é comum em vários pontos da floresta. O GTA tem recebido nas últimas semanas denúncias de comunidades no interior do estado do Amazonas que estão sendo ameaçadas e agredidas ou até mesmo já foram expulsas de suas terras -, conta.
Vieira teme que novas mortes aconteçam: — Se a ousadia deles permite que façam o que fizeram comigo em pleno auditório da UEA, imagine o que esse pessoal faz contra gente indefesa no interior da floresta. O ambientalista prestou queixa pela agressão na 4ª Delegacia de Polícia de Manaus e diversas entidades já enviaram cartas exigindo pedidos de desculpas de Eduardo Braga.
Ameaça de morte no Mato Grosso
A estratégia de madeireiros e produtores de soja de aproveitar o momento de crise política e de fragilidade do governo do PT para fazer avançar propostas de seu interesse também está na gênese da agressão sofrida pela professora Michèle Sato, que é dirigente da Rebea e consultora da Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso. Michèle sofreu ameaças de morte pelo telefone após ter criticado publicamente a metodologia utilizada durante as oito oficinas do I Fórum Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, promovido pela Secretaria de Meio Ambiente.
O evento, segundo ela, agregou em seu documento final toda e qualquer proposta, mesmo aquelas que agrediam o meio ambiente, sem discussão prévia: — O Fórum terá o respaldo de ter sido democrático quando, na verdade, a falácia metodológica revela um mar de incertezas, pois remete novamente às decisões da minoria poderosa -, disse a ambientalista ao boletim Olho Vivo, do FBOMS.
Os agressores de Michèle Sato identificaram-se como madeireiros e disseram não estar satisfeitos com a atuação da ambientalista: — Estamos prestando atenção às declarações da senhora-, disse um deles ao telefone, segundo ela.
Diversas entidades, entre elas a Rebea e o FBOMS, divulgaram notas repudiando as ameaças sofridas por Michèle. A Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental (Remtea), onde a ambientalista milita há vários anos enviou carta ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), onde repudia qualquer forma de violência, seja simbólica ou através de ameaças aos ambientalistas, e reafirma a luta no campo ambiental emancipatório e crítico, que possibilite a transformação das realidades oprimidas para a liberdade de expressão e de atuação, inerente a própria educação ambiental.
Perigo na BR-163
Quem também pôde ter uma idéia de a quantas andam as ameaças aos ambientalistas nos recantos mais remotos do país foram os integrantes da expedição promovida pelo Greenpeace que percorreu durante quinze dias toda a extensão da BR-163 (1.700 km) entre os estados do Pará e do Mato Grosso.
Segundo o diário da viagem, que pode ser consultado no site do Greenpeace na internet (www.greenpeace.org.br), a expedição foi vítima de abordagens pouco gentis, como questionamentos rudes, perseguições, depoimentos à polícia e ameaças veladas ou diretas.
Em 10 de agosto, na cidade de Sinop (MT), jornalistas que faziam parte da expedição testemunharam as palavras de um fazendeiro, muito nervoso, que disse: — Vocês não sabem o que está acontecendo. O Greenpeace está aqui. Ontem eles foram em Cláudia (nome de um município vizinho), invadiram uma área nossa lá. Nós precisamos descobrir onde eles estão e acabar com eles, tacar fogo nas coisas deles -, disse, segundo relatos.
No fim das contas, talvez até pela presença de diversos repórteres de jornais e tevês, nenhuma agressão física foi consumada. Os membros da expedição, no entanto, puderam sentir na pele os perigos que corre quem defende o meio ambiente no interior do Brasil. (Agência Carta Maior, 23/08)