Empresa tenta desvirtuar debate no caso da nova planta de celulose no Uruguai
2005-08-22
Um dos técnicos uruguaios contratados pela empresa finlandesa Botnia foi à imprensa para desqualificar, em grosso estilo, as críticas à instalação, no Uruguai, de duas plantas de celulose com tecnologia ECF (Elementar Chlorine Free, ou livre de cloro elementar). Pouco a pouco, mas sem hesitação, tem aumentado, no Uruguai e na Argentina, o debate acerca da instalação de duas fábricas de celulose sobre o Rio Uruguai. Trata-se de um debate nada fácil, pois devem ser utilizados termos e dados técnicos pouco manejados até agora, mas imprescindíveis. Mas já aparecem sinais de que alguns envolvidos no processo querem desviar a polêmica em andamento.
O jornal La República publicou, no último dia 14, a manchete Severas críticas aos ecologistas por sua oposição às plantas de celulose. Na matéria, a correpondente do jornal em Fray Bentos, Sandra Dodera, entrevista o doutor Danilo Antón, segundo o qual o estudo para a implantação das fábricas incorre em várias inverdades, grossos qualificativos e erros de avaliação.
Antón é um geógrafo uruguaio com ampla trajetória internacional. Doutorado na França, foi diretor ou professor de centros de pesquisa nas universidades do México, da Arábia Saudita, do Canadá e do Uruguai. Dirigiu projetos em mais de 40 países da África, da Ásia e da América Latina, estudou e pesquisou geomorfologia, hidrogeologia, geologia e sedimentologia, tendo vários livros publicados.
Na entrevista, Antón alude, de forma difusa, em que esteve trabalhando para a empresa Botnia. Sem dúvida o Informe Ambiental Resumido (IAR) apresentado por Botnia à Dinama coloca a Danilo Antón na cabeça da equipe que realizou estudos de solo, geologia, hidrogeologia e águas subterrâneas. Além de contratar profissionais, essas empresas empregam técnicos do país onde pretendem operar, sendo este fator utilizado como argumento para validar as conclusões do trabalho.
Antón afirmou, na entrevista, que o Rio Uruguai é um grande receptor de lixo: –A planta de celulose funciona assim: se funciona bem em equipe de tratamento, tem muito pouco impacto, quase nenhum impacto ao meio ambiente. Mas vamos imaginar o pior dos cenários. Que algo tenha bastante impacto, e vá se diluindo algumas quadras rio abaixo. Seguramente, menos de 10 quilômetros, quatro quilômetros ou cinco quilômetros.
Estas palavras coincidem com as conclusões do IAR da Botnia e também com a sua falta de seriedade científica. Dizer que o Rio Uruguai é um corpo receptor enorme não significa nada se não se fala dele com respeito à sua qualidade original. E a afirmação posterior não faz referência ao volume nem às substânciasYdo efluente previsto pela, o que induz diretamente a um engano.
Quanto ao estado do Rio Uruguai, há anos constata-se, através de diferentes estudos, uma crescente deterioração da qualidade da água, alterada sobretudo por despejos de populações ribeirinhas – da ordem de 1 milhão de habitantes – entre a Argentina, o Brasil e o Uruguai – que vertem no rio tanto as suas redes sanitárias quanto os efluentes e indústrias locais, praticamente todos sem
tratamento.
O próprio informe confeccionado pela Dinama para avaliar o IAR da
Botnia, de 11 de fevereiro de 2005 (Expte: 2004/14001/1/01177), diz o seguinte:
–A informação da qualidade da água do Rio Uruguai apresentada no
EIA induz a concluir que existem parâmetros cuja concentração excede os limites estabelecidos pelo Decreto 253/79 e/ou pelo Digesto sobre Usos do Rio Uruguai da CARU para águas Classe I (água bruta destinada ao abastecimento público com tratamento convencional). Em alguns casos, os valores registrados excedem inclusive os limites para usos menos exigentes.
Adicionalmente, a análise de informação histórica de qualidade da
água do Rio Uruguai evidencia que este curso apresenta problemas de
eutrofização, como conseqüência de uma elevada carga de nutrientes (N – nitrogênio – e P – fósforo). Esta situação gerou freqüentes florações de algas, em alguns casos com importante grau de toxicidade dado por florações de cianobactérias. Estas florações, que nos últimos anos têm mostrando incremento em freqüência e intensidade, constituem um risco sanitário e geram importantes perdas econômicas, já que interferem com alguns usos da água, tais como as atividades recreativas, e de abastecimento público da água potável.
–A esta situação já existente, deve-se agregar – diz a Dinama – que no futuro, o efluente da planta (da Botnia) descarregará um total de 200 t/a (toneladas anuais) de N (nitrogênio) e 20 t/a de P (fósforo), valores que equivalem aproximadamente à descarga dos efluentes cloacais sem tratar de uma cidade de 65 mil habitantes. (Victor Bacchetta, Rede Latino-americana de Jornalismo Ambiental, 20/8)