A insólita história dos raticidas guardados em uma reserva ecológica argentina
2005-08-17
Mais de seis toneladas de raticida foram ontem (16/8) trasladados da Reserva Ecológica al Puerto com destino final na Bélgica. Assim, espera-se, teve fim um dos trâmites burocráticos mais intrincados de que se tem memória na administração portenha. Por ordem judicial, este processo deveria ter sido cumprido há nove anos. Segundo especialistas, esses praguicidas são altamente tóxicos, podendo ser fatais se inalados ou ingeridos.
A administração da comunidade de Fernando de la Rúa, em 1996, adquiriu 5.910 quilos de hexaclorociclohexano e 543 quilos de sulfato de tálio, para tarefas de desratização. Pelo pouco comprado, constatou-se que o material estava vencido. Devido à sua periculosidade, a Justiça ordenou ao governo que dispusesse temporariamente os tambores de 200 litros para armazená-los em uma zona portuária, permitindo o seu tratamento ou a exportação. Os tambores foram levados, paradoxalmente, para uma reserva ecológica.
Em 1997, o governo portenho fez contato com uma empresa que havia vendido a substância tóxica para a qual efetuava tratamento. Mas, segundo um documento oficial sobre esta história, a empresa mudou deramo. Após consultar sete empresas especializadas no tratamento de resíduos perigosos, o material foi enviado a Zárate.
Mas elo artigo 28 da Constituição de Buenos Aires, o município não pode receber resíduos perigosos de outras jurisdições. Em março de 2000, foi solicitada a autorização para transportar o material para Santa Fé. Novamente, a normativa impediu o cumprimento de tal procedimento.
Pouco depois, foi informado que a Empresa Hidráulica Mileto S.A. estava habilitada para tratarin situ, ou seja, no local, o sulfato de tálio, e que a firma Hera-Ailinco S.A. estava autorizada a dispor del hexaclorociclohexano em aterro sanitário. Contudo, esta última firma estava fechada e, mesmo reabilitada, a própia empresa informou, durante 2001, que não poderia levar a cabo a disposição final do hexaclorociclohexano.
A tarefa foi atribuída então à Hidráulica Mileto. o custo operacional foi avaliado em US$ 120 mil. Contudo, a cidade deveria acondicionar totalmente o galpão que armazenava os tambores a fim de reforçar sua segurança. Segundo especialistas, em caso de incêndio desse tipo de material, recomenda-se isolá-lo a 800 metros de qualquer imediação onde haja pessoas.
A empresa Hidráulica Mileto, finalmente, não cumpriu com os requisitos exigidos pelo governo portenho. Então, entrou em cena a empresa BEFESA. Eduardo Epszteyn, secretário de Meio Ambiente portenho desde 2002, disse:–Isto era um círculo vicioso. Por um lado, a Argentina, como signatária de tratados internacionais, tem que proibir as exportações de resíduos tóxicos que possam ser tratados no país.Mas não podíamos tratá-los pelas normas que proíbem seu traslado interjurisdicional, assinala.
Finalmente, após muitas gestões, abriu-se a possibilidade de enviar o material a Amberes, na Bélgica. Isto implicaria ter a autorização de cinco países – Uruguai, Brasil, Reino Unido, Alemanha e Senegal – para atravessar as respectivas jurisdições marítimas. O Uruguai se opôs.Contratou-se então um navio que evitaria cruzar as águas uruguaias . A demora de permissão do Senegal travou a iniciativa. Uma reunião entre Epszteyn e o ministro de Meio Ambiente senegalês, aproveitando a presença do africano na Cúpula da Mudança Climática, no final do ano passado, abriu a porta.
Mas em junho de 2004 faltava um documento da Justia, perdido em um navio em Amberes. – Agora, parece que a história terminou, disse Epszteyn, ao anunciar que entre quinta (18/8) e sexta-feira (19/8) zarpará o navio Grande Brasil cm as seis toneladas de raticidas. (clarín, 16/8)