Fábrica acusada de matar cisnes volta a funcionar
2005-08-16
A iminente reabertura da fábrica de
celulose, que contaminou um santuário natural no
Chile, exacerba as críticas de ecologistas ao governo
do presidente Ricardo Lagos e indica um futuro
conflito com comunidades indígenas e de pescadores
artesanais. José Araya, dirigente da organização Ação
pelos Cisnes de Valdivia, disse que o
governo favoreceu, com resoluções administrativas, o
grupo do empresário Anacleto Angelini, dono da empresa
Celulose Arauco e Constitución (Celco), em detrimento
de critérios ambientais.
A Celco anunciou, no dia 10
de agosto, que no final do mesmo mês reabriria a
fábrica, nas proximidades do Santuário da Natureza
Carlos Anwandter, do Rio Cruces, na província de
Valdivia, sul do país, com 59% de sua capacidade, para
fazê-la funcionar plenamente (550 mil toneladas
anuais) a partir de janeiro de 2006.
No dia 8 de junho, a empresa paralisou voluntariamente
a fábrica, depois do escândalo pela manipulação de um
relatório científico, no qual se baseou a Suprema
Corte de Justiça para isentar a Celco pela morte
maciça de cisnes no santuário e revogar uma ordem de
fechamento da fábrica de uma instância inferior. Os
advogados da companhia apresentaram no tribunal uma
interpretação própria do relatório científico da
Universidade de Concepción, em lugar do próprio
informe. Embora a Suprema Corte tenha reconhecido o
engano, não modificou sua resolução. No dia 5 de
agosto, o grupo Angelini recebeu o apoio de Lagos, que
disse, em Valdivia, que a fábrica deveria reabrir se
respeitasse a legislação ambiental.
O santuário do Rio Cruces abrigava a maior
concentração de cisnes de pescoço preto (Cygnus
malencoriphus) da América Latina, com cerca de seis
mil animais. Desde outubro de 2004, se percebeu a
morte dessas aves e de outras espécies devido ao
despejo de dejetos da fábrica. Mais de 500 exemplares
morreram e hoje restam cerca de 300 no local, pois a
população restante emigrou com o desaparecimento,
também por causa dos dejetos da fábrica, das elódeas,
uma planta aquática que é seu principal alimento
segundo estabeleceu em abril um estudo da Universidade
Austral de Valdivia. A Comissão Nacional do Meio
Ambiente (Conama) havia fechado a unidade no dia 18 de
janeiro, autorizando sua reabertura em 16 de
fevereiro.
A delegação regional da Conama deu, no dia 10 de
agosto, uma aprovação implícita à reabertura, ao
assinalar que continua vigente uma resolução de 6 de
junho que a obriga a reduzir sua produção enquanto não
cumprir alguns parâmetros ambientais. Para Araya,
estas resoluções administrativas são ilegais. –Segundo
todos os antecedentes entregues pela cidadania,
reconhecidos pelo mundo político em âmbito nacional,
esta fábrica deveria ser submetida, necessariamente, a
um novo estudo de impacto ambiental, afirmou o
ativista. Araya desconsiderou os argumentos de defesa
dos 300 empregos diretos na Celco e de outros dois mil
indiretos no setor florestal, que são apresentados
pelos defensores da fábrica.
–O que é preciso fazer é uma avaliação completa do
custo social que a fábrica tem. Aqui existe um custo
ambiental, e quem está pagando é a cidadania, quem
está pagando é o patrimônio natural do país. Também
existe um custo social, pelos efeitos nas atividades
(agrícolas, turísticas) de outras pessoas de
Valdivia, destacou Araya. O presidente Lagos apoiou a
idéia de construir um duto para que os resíduos
industriais líquidos (RILes) que a fábrica joga no Rio
Cruces sejam levados ao Oceano Pacífico, em frente à
localidade costeira de Queule, 80 quilômetros ao norte
de Valdivia.
A produção de celulose kraft, de pinho e
eucalipto, se destina totalmente à exportação para
fabricação de papel. A técnica de branqueamento livre
de cloro elementar (Elemental Chlorine Free) é das
mais usadas no mundo e se baseia no dióxido de cloro.
Enquanto Lagos dava sua aprovação ao duto na
localidade costeira próxima de La Barra, uma
assembléia de pescadores artesanais, ambientalistas,
moradores e outros grupos sociais rejeitava a solução.
Um férreo opositor é Alfredo Seguel, dirigente da
Coordenadora de Entidades Territoriais, que reúne mais
de 20 comunidades mapuches, incluindo a lafkenche, dos
membros desta etnia que moram nas faixas costeiras.
–Os principais afetados seriam os lafkenches. Há
antecedentes de que a celulose, por mais tecnologia
que lhe seja incorporada, sempre vai contaminar, e
aqui seriam prejudicados ecossistemas, a soberania
alimentar e também aspectos culturais e religiosos de
comunidades mapuches e de camponeses e pescadores,
disse Seguel ao Terramérica.
O grupo Angelini quer levar os dejetos para o mar por
ser a solução mais barata, já que o duto custaria US$
45 milhões, e a habilitação de um circuito fechado de
eliminação de dejetos na própria fábrica chegaria a
US$ 120 milhões, afirmou o dirigente.
A companhia
responde que cumpre todas as exigências da Conama para
corrigir a contaminação em três fases. A primeira foi
acondicionar o sistema biológico de tratamento de
efluentes. Na segunda fase se finalizará a instalação
de filtros para efluentes finais e se colocará em
marcha o tratamento terciário de dejetos químicos,
produzindo com 80% de sua capacidade. A última etapa
começará em janeiro, quando estiver produzindo a todo
vapor, afirma a empresa, que contratou um consultor
ambiental externo para supervisionar o processo.
(Envolverde/Terramérica, 15/8)