Terras indígenas da Bolívia sofrem desertificação
2005-08-16
Quarenta e cinco por cento do
território boliviano vive um implacável processo de
desertificação, que provoca perdas agropecuárias,
florestais e de infra-estrutura de mais de US$ 500
milhões por ano e afeta, sobretudo, comunidades
indígenas do Altiplano. A erosão de zonas áridas,
semi-áridas e subúmidas secas afeta sete dos nove
departamentos deste país sul-americano e inclui cerca
de 495 mil quilômetros quadrados do território
boliviano, que possui 1,98 milhões de quilômetros
quadrados. Os departamentos onde a erosão é mais forte
são Oruro, Potosí, Chuquisaca e Tarija, no ocidente e
sul do país. Já os departamentos amazônicos de Beni e
Pando, de floresta chuvosa, ainda se salvam desse
fenômeno, embora apresentando graus de degradação dos
solos.
Estudos feitos pelo governo, cientistas e ativistas
indígenas bolivianos, consultados pelo Terramérica,
revelam como causas o desmatamento, a salinização e
compactação de solos, a expansão da fronteira
agrícola, superexploração de pastoreio, exploração
agropecuária indadequada e o uso inadequado de
sistemas de irrigação e drenagem. –A Pachamama (mãe
terra, na tradição indígena andina) está totalmente
envelhecida e desnutrida, não pode mais dar produtos,
disse o ativista Max Paredes, membro do Parlamento do
Povo Aymara, ao destacar que a região mais afetada é a
que compreende o Altiplano boliviano, peruano e
chileno.
O clima nesta zona é árido e semi-árido, com geadas
entre 150 e 300 dias por ano, uma elevada irradiação,
baixas temperaturas, forte evaporação e chuvas com
média anual de 300 milímetros, disse ao Terramérica o
cientista boliviano Jorge Quintanilha. –A
desertificação afeta irremediavelmente as comunidades
indígenas, particularmente no Altiplano, onde as
terras de cultivo e pasto se transformam em areais,
unindo-o ao deserto de Atacama no norte do Chile,
explicou ao Terramérica Carlos Mamani, professor
universitário e ativista aymara. No leste, sobretudo
em Santa Cruz, o fenômeno está ligado ao avanço
irracional da fronteira agrícola que afeta o hábitat
dos povos de selva, acrescentou.
Os ecossistemas e a biodiversidade são muito
prejudicados nas zonas afetadas pela erosão. –No
sistema TPDS (Titicaca, Desaguadero, Poopó e Salares,
que inclui o Peru e o ocidente boliviano), a elevada
contaminação do escasso recurso hídrico pela mineração
e seus passivos ambientais provocam redução das áreas
para uso agropecuário, migração das pessoas
originárias e degradação ambiental, disse
Quintanilla. Além disso, o uso indiscriminado da flora
ocasiona perdas da tola (arbustos resinosos dos
gêneros Parastrephia e Baccaris), utilizada como
combustível, e uma tendência ao desaparecimento da
yareta (Azorella compacta), segundo Quintanilla.
Também estão se extinguindo espécies de fauna como a
viscacha (Lagidium viscacia) e a chinchila (Chinchilla
brevicaudata), roedores e o cervo andino. Espécies
nativas de peixes como o ispi e o carachi (da família
Orestias) e o mauri ou peixe-gato (Trichomycterus
díspar) estão a ponto de desaparecer, e o introduzido
peixe-rei (Odontesthes bonariensis) mostra tendência a
uma drástica redução.
Segundo Quintanilla, as
comunidades mais afetadas pela desertificação no
Altiplano boliviano são Toledo, Orinoca, Pampa
Aullagas, Quillacas, Llapallapani, Huancane, Poopó,
Pazña, Machacamarca e outras menores ao redor dos
lagos Poopó e Uru Uru, no nordeste de Oruru.
De acordo com os especialistas, os maiores prejuízos
atingem a etnia originária do lugar, e mais antiga do
que os aymaras, os uru muratos, que eram
essencialmente pescadores e estão espalhados em
comunidades ao redor dos lagos Uru Uru e Poopó,
compreendendo cerca de cem famílias, ou 500 pessoas.
Aproximadamente quatro mil pessoas migraram da região
TPDS, entre 1990 e 2003. Para Mamani, a pouca vida
do Altiplano ocorre nos cerros, onde ficam somente
velhos e crianças.
Já na oriental Santa Cruz,
dominada pelos grandes ecossistemas sul-americanos da
Amazônia e do Chaco, se desenvolve a agricultura mais
moderna e empresarial do país. Mais de 80% desta
região foi desmatada nos últimos 30 anos.
O desmatamento, uso de agroquímicos, caça e máquinas
reduziram significativamente o que antes era uma alta
diversidade de fauna. Corvos, porcos-do-mato, texugos,
cotias, antas, raposas, felinos, tatus, répteis e
serpentes hoje estão confinados em parques nacionais.
Em Tarija, ameaçado por um processo de desertificação
total, estão em perigo espécies endêmicas (mais de 200
mamíferos, cerca de 1,5 mil aves e uma centena de
peixes). A instabilidade política e social da Bolívia
conspira contra a instrumentação de um programa
nacional que aplique as previsões da Convenção das
Nações Unidas de Luta contra a Desrtificação, em vigor
desde 1996.
Carlos Zamora, diretor de Bacias e Recursos Hídricos,
encarregado do programa específico, disse ao
Terramérica que a falta de continuidade na
administração freia a execução de planos. Zamora
espera a aprovação do plano de luta contra a
desertificação. No momento são executados projetos no
contexto dos Programas Sub-Regionais de Puna
(Argentina, Bolívia, Chile, Equador e Peru) e Chaco
Americano (Argentina, Bolívia e Paraguai), afirmou.
Segundo o aymara Mamani, a falta de ações reflete a
inoperância da burocracia estatal, porque não lhe
importa a sobrevivência dos povos indígenas, cujos
territórios são os que se transformam em desertos.
(Envolverde/Terramérica, 15/8)