Geógrafo cria plano revolucionário para salvar Rio Acre da extinção
2005-08-09
Aos 54 anos de idade, o geógrafo Claudemir Carvalho de Mesquita está no ápice de sua produção científica. Sorte para os acreanos, que, diante da iminência de extinção do Rio Acre, contam com um especialista em Planejamento e Uso de Bacias Hidrográficas, pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Um dos mais primeiros defensores de um plano de contingência para a exploração dos recursos hídricos na Amazônia, Mesquita foi contra o senso-comum na década de 80, ao afirmar, baseado em seus estudos, que o rio Acre poderia secar em cerca de 30 anos. O estudo foi ridicularizado e esquecido, até que o velho rio Acre resolveu, nos últimos dois anos, cumprir as previsões do cientista.
Chamado para ajudar na luta pelo manancial, Mesquita elaborou um novo plano, mesclando conclusões antigas e tecnologias já disponíveis no mercado. No epicentro do plano, uma medida ousada: a devolução das nascentes ao rio.
Entrevista
A Tribuna - Como se desenvolveu o seu trabalho sobre os recursos hídricos acreanos?
Claudemir Carvalho de Mesquita - Em 1997, eu trabalhava na Secretaria de Meio Ambiente e era chefe do setor de Fisioclimatologia. E pensando como chefe, a primeira atitude que tomei foi monitorar as águas do Rio Acre, porque, quando comecei a fazer as primeiras investigações sobre a possibilidade do rio não suportar tamanha demanda da população, já concluí que o Rio Acre sofreria uma pressão por água muito, muito grande e crescente. Hoje, a população pede água e o Rio Acre não tem, quando abastece é com muita dificuldade. Até hoje achamos que ali tem água, mas não devemos nos enganar. Trata-se de um recurso finito.
AT - Quais foram as suas atitudes?
Mesquita - Adquiri uma estação hidroclimatológica, que me fornecia a quantidade de chuva, a regularidade de chuva e outros 16 parâmetros meteorológicos que me davam informações suficientes para fazer uma previsão de cheias prolongadas, estiagem prolongada, tudo isso. Infelizmente o projeto foi abandonado e depois eu fui substituído.
AT - Mas a expansão do desmatamento continuou avançando.
Mesquita - E muito! Essa expansão do desmatamento, aqui, tem finalidade: a pecuária. Essa atividade precisa de água para se manter. E onde eu pego água, na zona rural? Nas nascentes dos igarapés e é aí que entra o problema. Nossa rede hidrográfica é formada por toda uma capilaridade de igarapés que se drenam para o rio principal. E essa rede, graças à pecuária e a construção de ramais, está sendo seccionada com barragens e pontes. Já contei até 12 barragens num só igarapé, numa viagem a Assis Brasil.
AT - Podemos dizer que a água desses vasos capilares está sendo retida?
Mesquita - Está sendo retida em toda a bacia hidrográfica de Assis Brasil até Porto Acre. Ou seja, toda água que deveria ir para o Rio Acre está ficando retida para a produção de animais, não apenas gado, mas alevinos, açudes, e outras atividades. E esse fenômeno não é recente. Em 1999, eu o percebi e comecei a denunciar.
AT - A imprensa geralmente tratava seus estudos com algum desdém.
Mesquita - Fui a muitos jornais, televisões, mas a reação das pessoas era de incredulidade, sim. Pensavam: quem esse maluco está pensando que é para dizer que um rio vai secar, em plena bacia amazônica? Eu sempre era muito criticado, inclusive por amigos e conhecidos. Até no mercado, quando ia fazer compras, sofria esse tipo de estigma.
AT - Foi por isso que o senhor resolveu escrever o seu livro?
Mesquita - Isso foi em 2000. Eu pensei que estava na hora de ser mais claro com a população, de dar números mais claros que justificassem a minha fala. Foi quando eu resolvi escrever o Perfil Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Acre, o meu livro, publicado pela Editora Paim. Preferi a linguagem fácil para que todo mundo entendesse, principalmente porque, a partir dessa época, as cidades começaram a crescer muito e eu precisava de um alerta geral.
AT - Um alerta geral?
Mesquita - Naquela época aconteceram alguns fatos interessantes. Até 2000, nenhuma cidade do Vale do Acre tinha tratamento ou coleta de esgoto para trabalhar a qualidade da água destinada ao Rio Acre. Esse esgoto era despejado in natura no rio. E não me refiro só às cidades do lado brasileiro, mas também a Iñampari, Assis Brasil, Cobija, e também a Brasiléia, Epitaciolândia, Porto Acre, Xapuri, Rio Branco e outras. Todas essas cidades vêm efetivamente jogando o esgoto no Rio Acre. E isso afeta diretamente a qualidade da água.
AT - Então o esgoto doméstico também teve a sua parcela de colaboração, além da pecuária e de outras atividades produtivas? O que mais colaborou para o desequilíbrio da bacia hidrográfica?
Mesquita - Uma grande quantidade de agrotóxicos, depositados no rio por vias indiretas, como a agricultura e a pecuária. O resultado é visível no leito do rio, que se tornou verde. Na década de 70 nós atravessávamos o rio de catraia e bebendo água. E isso era saudável. A partir dessa época, com a implantação das grandes fazendas, e a demanda crescente por agrotóxicos no Vale do Acre, tivemos cerca de cem toneladas de agrotóxicos despejadas diariamente no leito do rio Acre. Isso é mortal para qualquer ecossistema.
AT - Realmente é um alerta geral. Isso não deveria mobilizar as instituições públicas para priorizar ações de salvamento do rio?
Mesquita - O problema é que, no caso do Rio Acre, não podemos mais pensar em planejamento, na camiseta ou no cafezinho para a imprensa. A situação é de emergência, temos que agir! Hoje, graças a Deus, as pessoas já me ajudam, já são solidárias. Não é por mim, mas é porque nós precisamos dessa água. Precisamos lutar pelo nosso rio. Agora!
AT - Esse problema não é passageiro? Causado pela estiagem severa, talvez. A questão é que a dificuldade parece concentrar-se em Rio Branco, apenas.
Mesquita - Acrelândia não tem água, Senador Guiomard também não, Xapuri está um caos e o Departamento Estadual de Águas e Esgotos já não sabe o que fazer. Passageiro? Não, meu amigo. Somos um Estado no meio da Amazônia, na maior bacia hidrográfica do mundo, mas que já alterou o meio ambiente o suficiente para sofrer as primeiras conseqüências. A escassez de água é a primeira.
AT - Não é um paradoxo isso? Bacia Amazônica, a maior do mundo, e escassez de água?
Mesquita - De fato, é um paradoxo, mas infelizmente é um paradoxo real. Quando eu estive em Brasília para falar aos técnicos da UnB, eles riram dos meus argumentos. Pensavam ser impossível faltar água justamente na maior bacia hidrográfica do mundo. E eu tive muito trabalho para explicar os meus argumentos, apesar de todos sermos cientistas.
AT - O que o senhor sugere para salvar o rio?
Mesquita - Não pensar tanto. Parar com tanta falação e começar a agir. Chamar as igrejas, as escolas, as associações de bairro e de produtores rurais, a iniciativa privada e todo mundo para impedir a morte do Rio Acre.
AT - Morte?
Mesquita - Isso mesmo, o Rio Acre pode morrer. E morrer não significa só acabar o Rio Acre, não ter mais nada dentro. Ele pode ter água e estar morto, mas aí seria água de péssima qualidade, como a do rio Tietê.
AT - Mas e no período chuvoso?
Mesquita - No período chuvoso, essa água não contaria com a retenção causada pela mata ciliar no entorno do rio. Com isso, teríamos grandes banzeiros, como dizemos. Uma enxurrada, que iria embora no mesmo dia. Nesse caso, o Rio Acre seria um reles escorredouro. É isso o que acontece, por exemplo, num esgoto. Sem mata ciliar, ele não estoca nada. Apenas corre. Quando a chuva pára, as águas empoçam e depois se vaporizam.
AT - Mas as pessoas poderiam apelar para os poços, cacimbas. Seria uma alternativa para o tratamento e distribuição de água na zona urbana, não?
Mesquita - Não porque, com o rio secando, o lençol freático também se deslocará para baixo. Por isso, os poços ficariam necessariamente mais profundos. Pra completar, não dá como saber se a água seria boa ou salobra porque não temos um diagnóstico dos nossos lençóis freáticos. As pessoas ficariam cavando a esmo.
AT - Nesse quadro atual, como é que o Saerb consegue enviar água às casas?
Mesquita - Porque, graças a Deus, a prefeitura e o governo do Estado estão trabalhando unidos e é essa parceria que tem garantido o abastecimento. Hoje, existem motobombas que captam a água no meio do rio e jogam para o poço da ETA. Depois ela puxa para cima e faz o tratamento.
AT - O que o senhor sugere para melhorar esse abastecimento?
Mesquita - Temos que agir nas cabeceiras. Em cada colônia existem as nascentes dos igarapés, os vasos capilares que precisam ser conservados. Mas só isso não adianta. Temos que compartilhar a água com o rio. Por exemplo, se algum produtor tem dez açudes, que seque um ou dois e libere o canal de água para o rio. Se não der, podemos fazer açudes nas baixadas, porque toda a colônia tem uma.
Geógrafo cria uma felicitação ao Dia do Rio, comemorado segunda
Sem obter êxito prático nos inúmeros artigos publicados nos veículos de comunicação, concernentes à preservação e a conservação do rio Acre, e por ser este rio o manancial da nossa cidade, fonte de vida do nosso ser, e porque sem ele não seríamos nada, decidi voltar ao tema com mais veemência e pedido de socorro. Diante de tudo que o rio nos proporciona, faço uma súplica a Deus, às autoridades e os formadores de opinião; Chega de descaso com o rio!
Senhor, Senhor das águas,
pelo rio e comunidade,
Queremos sua piedade!
Não é um rio qualquer,
Pois todo ele é sagrado...
Tem piedade de nós,
Mesmo que o homem não possa
Deter com engenho sua morte,
Tudo é possível ao Senhor.
O rio pelo qual lhe rogamos
É todo especial para nós,
Filhos, pais e avós.
Ele abastece a cidade,
Sacia a fauna e a flora,
E o povo de toda floresta,
Mas por tola ganância
Teimamos em não respeitar
A obra de vossas mãos
Juntamos as nossas também Para rogar outra vez
Tem piedade de nós.
Com vergonha aqui confessamos,
Quase nada fizemos por ele
Tem piedade do rio
Palavras, discursos vazios
Promessas sonhos e festas.
Tem piedade de nós
O que temos dado ao rio?
Agrotóxicos esgoto e lixo.
Ah, Senhor! São tantos os rios
De nossas vidas de nossa terra
Rio Acre, Riozinho do Rola, São Francisco,
Judia, Redenção e igarapés,
Que jamais esqueçamos.
O RIO DA VIDA, DA VIDA ETERNA.
(A Tribuna, 06/08)