Caça e pesca predatórias modificam evolução das espécies
2005-08-09
Pesquisadores do mundo animal têm chamado atenção para um fenômeno curioso: há cada vez mais elefantes, principalmente na Ásia, que nascem sem as presas de marfim características dos machos da espécie.
Calcula-se que, há poucas décadas, 3% dos elefantes asiáticos machos nasciam sem presas – hoje, a cifra em alguns grupos chega a 10%. A explicação para isso é que esses animais estão passando por uma evolução natural causada por alteração em seus genes. O processo é desencadeado pela ação predadora dos caçadores, que, em busca do valioso marfim, só abatem os elefantes com presas. Isso faz com que cada vez mais elefantes sem presas se encarreguem da reprodução da espécie, transmitindo a seus filhotes o grupo específico de genes responsável pela anomalia. Fenômeno semelhante vem ocorrendo com o animal mais visado pelos caçadores para se transformar em troféu de sala de visitas: o carneiro montanhês canadense, comum também nos Estados Unidos.
Apenas os animais cujos chifres se fecham numa curva de 360 graus são abatidos pelos caçadores. Resultado: a reprodução fica a cargo dos carneiros de chifres menos vistosos, que geram proles com as mesmas características. Nos últimos trinta anos, o tamanho dos chifres dos carneiros montanheses diminuiu 25%.
Esses dois casos parecem contrariar o que geralmente se pensa a respeito da evolução das espécies: que as alterações significativas em animais ou vegetais levam milênios ou milhões de anos para se concretizar. Como ocorreu, aliás, com o Homo sapiens. Não é bem assim. Há muito os biólogos sabem que a evolução pode ocorrer rapidamente. O próprio Charles Darwin, o naturalista inglês que formulou a teoria da evolução das espécies, registrou transformações rápidas, determinadas pela interferência humana, em cães e pombos.
Mais recentemente, constatou-se que, em questão de anos, bactérias são capazes de desenvolver resistência aos antibióticos e pragas tornam-se imunes a pesticidas. O que tem espantado os cientistas é que essa evolução a jato, antes restrita a casos pontuais, está ocorrendo na natureza com uma freqüência impressionante, em centenas de espécies – e quase sempre se enxerga nelas a mão do homem.
As alterações no clima global causadas pelo efeito estufa, por exemplo, têm feito com que várias espécies modifiquem seu ciclo vital para se adequar às mudanças de temperatura. Cientistas da Universidade de Alberta, no Canadá, descobriram que as fêmeas do esquilo vermelho da região canadense do Yukon passaram a dar à luz na primavera dezoito dias mais cedo do que há dez anos. A explicação é que a primavera na região hoje também começa antes. Mesmo quando o ser humano pensa estar colaborando para proteger as espécies, pode estar, na verdade, contribuindo para que elas sofram processos de seleção artificiais e indesejáveis. O melhor exemplo disso está no fundo do mar e dos rios.
Muitos pescadores de fim de semana, ao puxar o anzol, costumam ficar apenas com os peixes grandes e devolver os pequenos à água. Pescadores profissionais fazem o mesmo ao usar redes de malha larga, que retêm os peixes grandes e poupam os miúdos. Nos dois casos, aposta-se no princípio de que, poupando os peixes jovens, se garantem a preservação da espécie e a futura pesca de exemplares grandes e saudáveis. Ao retirarem sistematicamente os peixes grandes do seu habitat, no entanto, os pescadores acabam por promover a reprodução entre os peixes de pequeno porte. O resultado é que, com o passar do tempo, os exemplares da espécie ficam cada vez menores. Além disso, peixes de menor porte geram menos ovas, o que acarreta a diminuição – e não o aumento – do cardume. É justamente isso que vem ocorrendo com alguns tipos de bacalhau, que hoje têm quase a metade do tamanho que apresentavam há poucas décadas.
Numa definição simples, a evolução é causada por um desequilíbrio entre as necessidades de uma espécie e suas condições para satisfazê-las. Ao se tornar bípede, por exemplo, o ancestral do ser humano perdeu boa parte de sua capacidade olfativa – até então necessária para farejar a caça junto ao chão – e ganhou uma visão apurada, para avistar a caça ao longe. Até duas décadas atrás, os cientistas tinham bons motivos para duvidar de que as espécies pudessem sofrer evoluções significativas num curto espaço de tempo. Acreditava-se que a maioria dos organismos já estava devidamente adaptada a seu meio ambiente no planeta. Nos anos 80, porém, os biólogos começaram a desconfiar que a evolução pode ser um processo mais dinâmico do que se imaginava.
Uma das experiências famosas que levaram a essa conclusão foi desenvolvida por um casal de cientistas da Universidade Princeton. Ao estudarem a fauna das Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico, eles descobriram um tipo de pássaro cujo comprimento do bico variava de tamanho em poucos anos, dependendo do clima da região. Quando o tempo ficava seco por um período muito longo, os espécimes começavam a nascer com o bico mais fino e pontudo, apropriado para cavar a terra em busca do alimento escasso – plantas e sementes ocultas sob o solo. Quando os anos eram de chuva, os novos filhotes nasciam com o bico original da espécie. Desde então, muitos estudiosos acreditam que evoluções a jato como a dos pássaros das Ilhas Galápagos possam acontecer a toda hora na natureza, sem que a ciência se dê conta. Afinal, observar esse tipo de fenômeno não é tarefa fácil, ao contrário do que ocorre com os elefantes e carneiros da montanha. Nesse caso, em que a evolução é causada pela interferência humana, a solução da charada está nas espingardas dos caçadores.
O que Darwin pensaria disso
O que aconteceria se o naturalista Charles Darwin, o pai da teoria da evolução das espécies pela seleção natural, viajasse no túnel do tempo e desembarcasse no século XXI, no meio de uma manada de elefantes sem as presas de marfim ou cercado por um bando de carneiros montanheses de chifres atrofiados? Passado o susto, Darwin provavelmente refletiria: –Ou o mundo passou por alguma mudança ambiental muito radical e rápida ou minha teoria está completamente errada. Segundo as idéias de Darwin, uma espécie selvagem transmite ao longo das gerações as características que lhe favorecem a sobrevivência em determinado ambiente. Ou seja, para perderem os chifres e as presas, carneiros e elefantes deveriam ter enfrentado alguma situação na qual esses acessórios só atrapalhavam. De certa forma, Darwin teria acertado no raciocínio. Em tempos de caça predatória, presas ou chifres só servem para tornar seus portadores alvos fáceis das espingardas.
Planeta dos macacos aposentados
Na história da proteção dos animais, esta é uma novidade: um retiro para chimpanzés aposentados. O Refúgio dos Chimpanzés, que será inaugurado em outubro, é uma iniciativa do governo dos Estados Unidos. Vai abrigar animais que no cativeiro serviram de cobaias em experiências médicas, foram utilizados no programa espacial da Nasa e apareceram batendo palmas em programas de televisão. O chimpanzé, o parente mais próximo do homem na árvore evolucionária, é uma espécie em risco de extinção na natureza. Estima-se que existam 2 500 desses animais nos Estados Unidos, dos quais 1 500 estão em institutos de pesquisa. Talvez a metade desses já não esteja mais sendo usada em experiências. Um chimpanzé em cativeiro vive em média cinqüenta anos (na selva, menos de trinta). Mas em geral só são úteis em pesquisas até os 6 anos – daí em diante são difíceis de controlar.
Não havia consenso sobre o que fazer com os chimpanzés aposentados. Houve sugestões de extermínio puro e simples. Nos últimos dias de seu governo, o presidente Bill Clinton destinou 30 milhões de dólares para a construção do parque no estado da Louisiana, onde o clima é subtropical. Mais de trinta macacos já estão alojados no abrigo, que até 2006 deverá receber outros 200. Ali, em um complexo de 80 hectares, eles podem desfrutar a vida ao ar livre, comida farta e aposentos com aparelho de televisão – só não podem se reproduzir. Todos os machos são submetidos a vasectomia para evitar a superlotação no parque. O que mais parece encantar os macacos são as imagens e o som televisivos. Para os chimpanzés mais jovens, a programação consiste em desenhos animados, principalmente especiais da Disney e Pica-Pau. Os mais velhos preferem novelas e filmes de ação e pancadaria.
Cuidar dos chimpanzés é diferente de simplesmente oferecer proteção a qualquer outro animal. Há um fator psicológico decorrente da semelhança física com o homem que faz com que nos sintamos na obrigação de proteger esse primata como se cuida de um parente indefeso. O chimpanzé é um animal capaz de mostrar ao dentista o dente que dói. Estudos mostram que é possível ensinar-lhes conceitos matemáticos simples e que eles podem atingir a inteligência de uma criança de 5 anos. Há uma rede de santuários para esses animais – no Canadá, na Europa, na África e na América do Sul. Nos Estados Unidos, o Refúgio dos Chimpanzés é o primeiro mantido pelo governo federal e o mais confortável. Mas não o maior. Um santuário privado numa ilha da Flórida passou por reformas para abrigar mais de 250 chimpanzés de laboratório, o maior conjunto de primatas aposentados da história. (Veja, 8/8)