Qualidade do ar da Califórnia ainda precisa melhorar mais
2005-08-09
Talvez na esteira das últimas notícias sobre a elaboração conjunta entre os EUA, a Austrália, a China, a Índia e a Coréia do Sul, de um tratado sobre a questão do aquecimento global que viria a rivalizar com Kyoto, o New York Times publicou no último dia 3 uma reportagem sobre o problema da poluição do ar no Estado da Califórnia, intitulada California Air Is Cleaner, but Trouble Remains. O texto, como seu título deixa bem claro, vem revelar que, embora a qualidade do ar tenha melhorado muito naquele Estado nas últimas décadas, ainda há muito a ser feito.
Inicialmente, os fatos históricos apresentados são até bastante animadores: hoje os californianos conseguem visualizar montanhas ao longe em seus horizontes, o que não era possível devido à poluição do ar nas décadas de 1960 e 70; partidas de tênis não são mais canceladas por causa da névoa criada pela poluição, como acontecia há 30 anos; as pessoas não mais ficam sem ar após qualquer pequeno esforço, como um dia já aconteceu. O ar está mais limpo, graças a quase meio século de medidas urgentes para controlar as emissões, que transformaram a política ambiental do Estado e conseguiram reduzir consideravelmente a poluição por ozônio. Entretanto, o sul da Califórnia continua sendo uma das três mais poluídas do país (junto com Houston e San Joaquin).
A razão disso, alerta a reportagem, pode ser os portos de Los Angeles e Long Beach — por onde entraram, em 2004, 40% das importações marítimas do país, especialmente de produtos asiáticos. Os trens, caminhões e navios que movimentam esses portos continuam emitindo quantidades elevadíssimas de partículas poluentes derivadas do diesel que, inclusive, recentemente, foram ligadas a muitos casos de câncer e doenças cardiovasculares, sendo, talvez, mais danosas que o próprio ozônio. Por serem muito pequenas — têm cerca de 1/28 vezes o diâmetro de um fio de cabelo — elas conseguem se instalar em partes muito profundas dos pulmões de quem as inala. E, para piorar as coisas, o controle dessas emissões está longe de ser fácil. Mesmo na Califórnia.
A Califórnia sempre esteve na vanguarda quando o assunto é o combate à poluição, como lembra a matéria. Ela tem se mantido, até agora, independente quando o assunto é a criação e implementação de normas e leis voltadas para a solução do aquecimento global, batendo de frente, com freqüência, com a própria Administração Bush, como é o caso das exigências quanto à redução das emissões dos veículos novos. O resultado disso é que, embora a população do Estado tenha aumentado 60% desde 1980 e a circulação de carros tenha dobrado, o número de dias em que a emissão de ozônio superou o limite legal em um período de 8 horas caiu de 186 para 88; as emissões de óxido de nitrogênio caíram dois terços; e as de monóxido de carbono, mais de 80%. Daí a melhora na qualidade do ar. Nos portos, entretanto, a coisa é diferente.
A reportagem aponta que, não obstante o sucesso obtido pelo Estado na regulação das emissões dos carros e na melhora da qualidade da gasolina, a EPA (Environmental Protection Agency) — órgão federal —, desde 1990, tem competência exclusiva para regulamentar as locomotivas, enquanto os navios cargueiros são da alçada da International Maritime Organization, agência especializada da ONU. O Governo Federal, por sua vez, tem feito pouco. Em 2000 e no ano passado, implementou regras que irão reduzir os níveis de enxofre — um dos gases do efeito estufa — no diesel, mas que só se aplicam ao combustível usado em caminhões novos e uma boa parte dos caminhões que circulam por aqueles portos é bem antiga, de propriedade de empresas de pequeno porte. A EPA também já prometeu um plano para reduzir, a partir de 2007, as emissões das locomotivas.
Quanto aos navios — os dois portos, somados, permitem o atraque de 270 deles ao mesmo tempo — eles usam, na maioria das vezes, um combustível chamado bunker fuel, que contém uma concentração de enxofre em torno de 30.000ppm (partes por milhão), o que é 10 vezes mais do que a concentração observada no diesel utilizado nos EUA em caminhões velhos e nada menos do que 2 mil vezes mais do que o diesel americano deverá apresentar até 2010. É muita sujeira, que poderia ser consideravelmente reduzida caso o Congresso dos EUA decidissem ratificar a nova versão do Anexo VI do MARPOL (International Convention for the Prevention of Marine Pollution from Ships, ou Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Marinha por Navios).
O AnexoVI do MARPOL, como a própria sigla denuncia, é um tratado internacional elaborado pela ONU com o intuito de reduzir as emissões aéreas de poluentes por navios e que limita a concentração de enxofre no combustível utilizado pelas embarcações em determinadas áreas em 15.000ppm, ou seja, a metade do que vem sendo praticado, hoje, nos EUA. O Anexo VI entrou em vigor em 19 de maio de 2005, após a sua ratificação pelo décimo quinto país (um dos pré-requisitos para a sua validade), o que representa a submissão às suas normas de nada menos do que 54,57% da capacidade mundial de carga em navios mercantes. Com isso, não apenas o enxofre, mas o óxido de nitrogênio também teve suas emissões limitadas; foi proibida a emissão de quaisquer gases danosos à camada de ozônio; foram criadas zonas de emissão ainda mais controlada, como é o caso do Mar Báltico, onde a tolerância é de cerca de 1/3 daquela das demais áreas; e foi aumentado o controle sobre a construção e manutenção de navios, a fim de evitar vazamentos, entre outras providências. O Senado dos EUA, conforme já dito, não ratificou este tratado. Aparentemente, a Administração Bush está mais preocupada com uma outra convenção da ONU, a Law of the Sea, de caráter eminentemente comercial.
(por Rafael Corrêa/ O Eco, 8/8)