Entrevista: Rodrigues Neto fala sobre o problema do lixo-pneu
2005-08-01
Francisco Simeão Rodrigues Neto é presidente da Associação Brasileira da
Indústria de Pneus Remoldados – ABIP - e o principal responsável pela
iniciativa de elaboração e aprovação da atual legislação - Resolução CONAMA
nº 258/99 - que obriga os fabricantes e importadores de pneumáticos a
coletar e destruir, de forma ambientalmente adequada, os pneus inservíveis
existentes no território nacional, na proporção em que cada um participa do
mercado brasileiro.
Ex-secretário de Indústria e Comércio do Estado do Paraná, em 1983, no
governo José Richa, hoje ele é também presidente da BS Colway Pneus,
principal indústria de pneus remoldados do Brasil, localizada em Piraquara,
num terreno com 130 mil m2 de área, onde a empresa recuperou e mantém um
bosque com 80 mil m2.
Brasileiro, natural de Londrina, casado e pai de três filhos, o empresário
demonstra seu pendor para a responsabilidade social/ambiental ainda em outra
vertente: junto com o sócio, Luiz Bonacin Filho, ele criou, em 93, o Projeto
Bom Aluno, que apóia crianças carentes em seu desenvolvimento escolar, a
partir da 5ª série do Ensino Fundamental, até a universidade. Selecionadas
entre as de melhor desempenho nas escolas públicas e oriundas de famílias de
baixa renda, as crianças recebem como complemento à educação formal, aulas
de computação, línguas estrangeiras e reforço escolar, o que garante a marca
de 100% de aprovação no vestibular, mantida já há oito anos, desde que o
primeiro bom aluno prestou o concurso. Já são 159 os alunos aprovados no
vestibular e 35 formados.
Francisco Simeão é o criador do programa Rodando Limpo, que já recolheu do
meio ambiente e reciclou de forma ambientalmente adequada mais de 8,5
milhões de pneus inservíveis. Nessa entrevista, ele revela novas
perspectivas para esta ação.
AmbienteBrasil – Como nasceu a idéia do programa Rodando Limpo e quando ele
foi lançado?
Francisco Simeão Rodrigues Neto - Em 1998, elaboramos texto/sugestão de
Resolução, que levamos pessoalmente ao Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama), em reunião plenária, sugerindo que lá fosse formado um grupo de
trabalho para avaliar a oportunidade de sua edição.
Constituído o Grupo de Trabalho sugerido, dele participamos
voluntariosamente até que fosse estabelecido texto consensual, para ser
levado à apreciação de todos os Conselheiros, em reunião plenária.
Precedente à reunião citada, conversamos com a maioria dos conselheiros de
cada Estado, procurando com nossos argumentos demonstrar a eles que a
exigência de contrapartida ambiental proposta era viável de ser cumprida e
seu cumprimento da parte de importadores e fabricantes de pneus, igualmente,
seria a solução para o problema do lixo-pneu e também um passo
importantíssimo para erradicar a dengue no Brasil.
AmbienteBrasil – E a receptividade à proposta?
Francisco - Culminou com a Resolução Conama nº 258/99 sendo aprovada em
26.08.99 (DOU 02.12.99). Ela estabeleceu a obrigação aos importadores e
fabricantes de, em síntese, coletar no território brasileiro e destruir, de
forma ambientalmente adequada, um pneu para cada outro colocado no mercado
brasileiro, obrigação esta exigida a partir de primeiro de janeiro de 2002,
para que as empresas responsabilizadas tivessem tempo de se adequar.
Foi quando nos demos conta de que os debates sobre pneus velhos promoviam
uma incandescência rara em qualquer fórum, chamando a atenção da sociedade.
A partir de tal percepção, decidimos utilizar o tema “pneus velhos” como
alavanca para chamar a atenção das comunidades, incluindo a coleta de outros
resíduos sólidos, tudo através de coletadores organizados em associações
constituídas com nossa ajuda, muitos deles tornando-se verdadeiros agentes
de saúde e da defesa do meio ambiente honorários, que esclarecem às donas de
casa as tarefas - todas simples - que devem ser realizadas para o efetivo
combate do mosquito Aedes aegypti, que transmite a dengue e a febre amarela
urbana.
AmbienteBrasil – Qual foi a primeira experiência concreta do projeto?
Francisco - Inicialmente em parceria com a Prefeitura de Curitiba,
integrando os esforços da Secretaria Municipal de Saúde e a da Educação, a
custo zero para o erário, criamos o CURITIBA RODANDO LIMPO, que o prefeito
Cássio Taniguchi levou para o Fórum Rio +10, Eco 2002, onde foi aplaudido
pela ONU e está sendo recomendado a seus países membros como exemplo de ação
de compromisso pós-consumo.
AmbienteBrasil – Como funciona exatamente o programa?
Francisco - Conforme Termo de Compromisso, assinado entre o Governo do
Estado do Paraná, a BS Colway e várias entidades, a tarefa foi assumida em
MUTIRÃO, onde as Secretarias Municipais de Saúde e a Estadual, bem como as
da Educação, realizam o trabalho que até então vinham realizando e mais
algumas ações importantes para a tarefa assumida, sempre sem custos
adicionais, enquanto a BS Colway realiza o trabalho de treinamento dos
atores do Programa nas sedes de região de todos os municípios do Paraná,
integrando os esforços de todos, incluindo o das prefeituras e associações
comerciais, imprensa, rádios e outros meios de comunicação, mobilizando a
sociedade para a realização das cerca de vinte tarefas orientadas pela
Secretaria Estadual de Saúde, todas simples, porém trabalhosas quando se
considera a necessidade de realizá-las ao mesmo tempo em todas as
residências do Estado.
Os pneus inservíveis são coletados pelos coletadores de resíduos sólidos,
que recebem um bom valor em seu pagamento, criando enorme interesse em
coleta por se tornar uma commodity, a exemplo da latinha de alumínio, que
por esta razão desapareceu do meio ambiente. A tarefa da CiaBrasil, OSCIP
integrada ao projeto, é viabilizar negócios para os coletadores, para que se
interessem à coleta de garrafas do tipo PET, de papel, papelão, vidros e
plásticos, enfim, promovendo um saneamento no que se refere aos resíduos
sólidos existentes em todo o território.
AmbienteBrasil – Em que estados o Rodando Limpo já foi implantado?
Francisco - Paraná, Paraíba e Pernambuco.
AmbienteBrasil – Há perspectivas de expansão em breve para outras
localidades?
Francisco - A previsão é implantar, no prazo de 45 dias, no Ceará. Até o
final do próximo ano, estará implantado na Bahia, Sergipe, Alagoas, Rio
Grande do Norte, Piauí, Maranhão, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A
perspectiva é que nos próximos três anos todos os Estados brasileiros sejam
alcançados pelo programa RODANDO LIMPO.
AmbienteBrasil – Os poderes públicos são sempre parceiros na iniciativa? Têm
demonstrado sensibilidade em relação a esse problema?
Francisco - Sim. É importante a participação do poder público, integrando as
tarefas que realiza com as ações que orienta ao RODANDO LIMPO, para que seja
possível potencializar os resultados.
AmbienteBrasil – Afora os benefícios ao meio ambiente, o programa também
viabiliza algum ganho econômico para os envolvidos?
Francisco - A BS Colway, ao contrário de auferir qualquer benefício
pecuniário, só tem custos com o RODANDO LIMPO, que desenvolve a título de
um dos compromissos que assumiu com a sociedade, dentre os assumidos em OS
CINCO FUNDAMENTOS DA BS COLWAY.
Os humildes coletadores de resíduos sólidos são os que mais se favorecem com
o RODANDO LIMPO, quando passam a auferir renda digna, para que possam
resgatar sua cidadania. As empresas cimenteiras, que assumem os maiores
encargos financeiros, se beneficiam da economia dos custos do coque
importado, que é substituído nos fornos de clínquer por pneus picados, com
vantagem de poder calorífico.
AmbienteBrasil – Uma iniciativa como essa pode resolver por completo o
problema da destinação de pneus inservíveis?
Francisco - (enfático) Essa iniciativa vai resolver plenamente o problema da
coleta e destinação de pneus inservíveis no Brasil. E o que é muito
importante: a custo zero para o erário – municipal, estadual e federal.
AmbienteBrasil – Quais as maiores dificuldades no processo de implantação do
Rodando Limpo?
Francisco -O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, que durante todo o tempo
combatem a liderança do RODANDO LIMPO.
AmbienteBrasil – Em locais onde não há indústria cimenteira, os obstáculos
são maiores?
Francisco - Sim. Porém, como as cimenteiras de várias empresas estão
geograficamente instaladas de forma a que se organize, de forma
razoavelmente econômica, o transporte a cada uma de suas fábricas, no
conjunto o RODANDO LIMPO se viabilizará em todo o território brasileiro.
AmbienteBrasil – As fábricas e/ou importadoras de pneus estão agindo em
conformidade com as determinações da Resolução 258/99, do Conama, que as
obriga a coletar e dar destinação final, ambientalmente adequada, aos pneus
inservíveis existentes no território nacional?
Francisco - Todos os importadores estão cumprindo sua obrigação ambiental
estabelecida na Resolução Conama 258/99, principalmente, ou talvez,
unicamente, porque a liberação das importações está condicionada à prova ao
Decex (Departamento de Operações de Comércio Exterior) de que tal encargo
foi cumprido face ao Ibama.
Quanto às empresas fabricantes, elas não cumprem sequer a metade de sua
obrigação, tendo sido, por esta razão, multadas pelo Ibama depois que a ABIP
(Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados) ingressou com
Representação Criminal contra seus presidentes, por crime contra o meio
ambiente e contra o presidente do Ibama, por crime de prevaricação, por não
fiscalizá-las, como deveria.
(AmbienteBrasil, 31/07/2005)