Gripe do frango carece de estratégia mundial de combate
2005-08-01
Profissionais da área de saúde pública que preparam
uma batalha para o que consideram ser uma inevitável
pandemia da gripe do frango afirmam que o mundo carece
de armas médicas para lutar efetivamente contra a
doença e que não terão os antídotos em breve tempo,
seja de que forma for. Especialistas em saúde pública
e produtores estão trabalhando freneticamente para
desenvolver vacinas, drogas e estratégias para isolar
e tratar a doença e planejam cooperação internacional,
mas esses esforços podem levar diversos anos. Enquanto
isto, o vírus mais perigoso de gripe, em várias
décadas, está aparecendo — o H5N1 vírus da gripe
asiática — e incidindo em novas populações de
pássaros e ocasionalmente em pessoas, quase todos os
meses, em nível global, afirmam os
especialistas.
Se o vírus começasse a se espalhar no ano que vem, o
mundo teria à mão apenas um relativo recurso de doses
de uma vacina experimental para se defender contra a
doença, que, conforme seu histórico, poderia,
potencialmente, matar milhões de pessoas. Se uma
vacina se mostrasse efetiva — e toda vacina
contra a gripe começou sendo assim — as
primeiras doses não ficariam prontas em quatro meses.
Enquanto isto, o patógeno provavelmente estaria por
todo o continente.
Teoricamente, drogas antivirais poderiam retardar a
explosão do vírus para que se ganhasse tempo. O
problema é que apenas uma droga licenciada, o
oseltamivir, parece funcionar contra a gripe do
frango. No momento, não há estoques dela para uso
amplo. Nem existe um plano para desenvolver uma
quantidade de forma que se tivesse chance de
desacelerar a doença. O público, condicionado pela
crença no poder da medicina moderna, está pouco
preparado para confrontar-se com esta gripe pandêmica,
que agora é endêmica e que abate vários continentes ao
mesmo tempo, infectando uma porção significativa da
população.
Desde que a onda atual de gripe asiática começou a
varrer o sudeste da Ásia há mais de 18 meses,
autoridades internacionais da área de saúde têm sido
advertidas dos perigos e tentam se mobilizar.
Pesquisas sobre vacinas foram aceleradas, esforços
para a elaboração de suprimentos de drogas estão a
caminho e discussões vêm sendo tomadas para coordenar
esforços de respostas globais.
O Departamento Norte-americano de Saúde e Serviços
Humanos vai gastar US$ 419 milhões, neste ano, em um
plano contra a pandemia. O orçamento da área de gripe
do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos
(HHS) quintuplicou em relação aos cinco anos
anteriores. — Com a secretaria chefe do grupo,
temos uma discussão acerca da gripe todos os dias,
afirma Bruce Gellin, líder do Programa da Unidade
Nacional de Vacinas. Nesta semana, um comitê deverá
entregar ao secretário do HHS, Mike Leavitt, um plano
atualizado para confrontar a pandemia.
Apesar desses esforços, falta uma resposta mais pronta
para atacara a doença, afirmam especialistas. —A
única razão pela qual ninguém está preocupado que o
imperador não tem roupas é que ele não se mostrou
ainda, afirma Harvey V. Fineberg, presidente do
Instituto de Medicina da Academia Nacional de
Ciências, ao falar sobre os recentes esforços mundiais
para combater uma pandemia da gripe do frango. Outros
cientistas também estão fazendo soar o alarme.
O mais franco deles é Michael T. Osterholm, diretor do
Centro de Pesquisa e Políticas de Doenças Infecciosas
da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Em
escritos e palestras, Osterholm lembra à sua audiência
que, após calamidades públicas, os Estados Unidos
geralmente reúne comissões de alto nível para fazer
julgamentos. Haverá uma após a pandemia da gripe do
frango, acredita ele. Agora, as conclusões desta
comissão poderiam ser duras, afirma. Na esperança de
redução de uma disseminação da pandemia, especialistas
em saúde pública vêm debatendo contramedidas sem
precedentes. Elas incluem vacinação de crianças, que
estatisticamente são as mais vulneráveis a um
contágio, no caso de espalhar-se o vírus. Incluem
também o fechamento obrigatório de escolas e
escritórios e a imposição de quarentenas para famílias
infectadas, proibindo-as de saírem de suas casas.
Outras medidas irão além das fronteiras convencionais
da saúde pública: restrição de viagens internacionais,
fechamento dos sistemas de trânsito ou nacionalização
de abastecimento de equipamentos médicos críticos,
como máscaras cirúrgicas. Mas Osterholm argumenta que
essas medidas cairiam logo. Ele prevê que uma pandemia
poderia causar amplo fechamento de fábricas, serviços
de transportes e outros considerados essenciais. Para
preparar-se para isto, afirma, as autoridades devem
identificar e estocar uma lista de cerca de cem
produtos cruciais e recursos essenciais para manter a
sociedade funcionando até a pandemia retroceder e os
sobreviventes voltarem ao trabalho.
Desde 2003, 109 pessoas reconhecidamente foram
infectadas pelo vírus emergente na Ásia conhecido como
H5N1. Mais ou menos a metade — 55 —
morreu. Ironicamente, para a atual variedade de H5N1
de gripe asiática ganhar um potencial pandêmico, ela
deve se tornar menos mortal. O declínio da letalidade
é um sinal chave de que o vírus está se adaptando como
hospedeiro humano. Esta é uma das razões pelas quais
os 34% de morte observados no recente espalhamento do
vírus — um conjunto de casos no Norte do Vietnã
—tem preocupado os cientistas.
No século 20, pandemias ocorreram em 1918, 1957 e
1968. No século 19, houve quatro pandemias de gripe
— em 1833, 1836, 1847 e 1889. Estatisticamente,
a cada 40 anos, em média, aparece uma pandemia. O
vírus chamado influenza A/H5N1 apareceu no leste da
Ásia em 1996 e espalhou-se desde então. É altamente
contagioso e mortal para frangos, mas pode não gerar
sintomas em alguns patos. Aves ocasionalmente infectam
humanos, e os cientistas recentemente encontraram
evidências de que o vírus, às vezes, passa de pessoa
para pessoa. Esta forma de transmissão é agora difícil
e rara, mas o vírus pode evoluir, tornando-se mais
comum.
Se o H5N1 nunca se tornasse facilmente transmissível
entre seres humanos, nunca seria uma pandemia. E se se
tornar transmissível, as conseqüências são difíceis de
imaginar. Mas a história dá algumas pistas. A gripe
espanhola, em 1918 e 1919, foi a maior e, com a Aids,
a mais importante doença infecciosa a espalhar-se no
século 20.
(Fonte: The Washington Post, 31/7)