Autorização para usina de Belo Monte é ilegal e catastrófica
2005-07-29
Autorizada pelo Senado no dia 12 de julho, depois de passar pela Câmara no dia seis, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte no município de Altamira (Pará) enfrenta a resistência de organizações do movimento ambientalista. O ISA (Instituto Socioambiental), o Greenpeace e o Fórum Carajás entraram com representação na Procuradoria Geral da República contra a implantação da usina.
Para as instituições, o decreto é inconstitucional. O argumento é de que a Constituição Federal exige que as comunidades afetadas sejam ouvidas antes da aprovação do projeto no Congresso. As entidades alegam, ainda, que decorreram três dias úteis entre a aprovação do decreto na Câmara e no Senado, o que inviabiliza qualquer tipo de consulta às comunidades afetadas. Segundo a representação, a usina de Belo Monte é objeto de antiga polêmica e resistência das populações que vivem no local de sua construção. A água que será represada do rio Xingu para suprir a usina afetará diretamente a região habitada hoje pelo povo indígena Juruna.
O projeto de implantação de um complexo hidrelétrico no rio Xingu remonta a 1975, quando o regime militar tinha a intenção de ocupar a Amazônia. Considerado um rio estratégico para a expansão da hidroeletricidade brasileira, o rio Xingu tem quase dois mil quilômetros de extensão e corre do Mato Grosso rumo ao Pará. O assessor jurídico do ISA, Raul Silva Telles do Valle, afirma que é impossível a usina de Belo Monte ser viável economicamente com uma só barragem, como consta no projeto atual da Eletronorte. — O ganho em energia elétrica com a usina será real com a construção de pelo menos mais uma barragem -, diz Valle, referindo-se ao projeto elaborado durante o governo Figueiredo, que previa a construção de sete barragens no rio Xingu.
Um estudo apresentado pelo professor de Engenharia da Unicamp Oswaldo Seva na obra Tenotã-mõ (que alerta sobre questões hidrelétricas no Xingu) simula a quantidade de energia produzida por Belo Monte, partindo da hipótese de que a usina opere sem que haja outra barragem instalada rio acima por 65 anos (tempo para verificar o aproveitamento da usina). As informações indicam que Belo Monte, nessa hipótese, teria potência máxima assegurada de 1.356 MW, cerca de 12% do total previsto pela Eletronorte como capacidade máxima instalada da hidrelétrica (11.182 MW). - Não é interesse da Eletronorte nem das indústrias beneficiadas com a obra que ela produza apenas isso -, afirma Valle.
Para ele, a barragem será a primeira de uma série. O estudo de Sevá informa que se fosse construída outra barragem rio acima, a potência subiria. O antigo projeto hidrelétrico de exploração do Xingu, que data de 1980, inclui esta outra barreira cuja usina chama-se Babaquara. Somadas, Babaquara e Belo Monte teriam 7.950 MW de potência assegurada, com 12.090 MW de potência instalada.
A construção da barragem de Babaquara inundaria uma área de mais de seis mil km², tornando-a o segundo maior lago artificial do mundo. Para Glenn Switkes, diretor da International Rivers Network (IRN) na América Latina, os impactos ambientais, trágicos com Belo Monte, se tornariam catastróficos. — Em última análise, haverá uma repetição do caso da hidrelétrica de Balbina, analisa. A hidrelétrica de Balbina, cujo lago tem uma área equivalente à metade do Distrito Federal, é considerada um dos maiores desastres ambientais da Amazônia de todos os tempos. Sítios arqueológicos e parte de uma reserva indígena foram engolidas pela água.
Oito povos atingidos
— Projetos para construção de complexos hidrelétricos no Xingu sempre visaram o máximo aproveitamento de energia elétrica sem dar conta de danos ambientais -, diz Switkes. Ele crê ser óbvio enxergar tal intenção na obra da Eletronorte. A inundação causada pela barreira de Belo Monte é estimada em 400 km². Além dos Juruna, oito povos serão prejudicados indiretamente com a construção da barragem: Arara, Parakanã, Xikrin Kayapó, Araweté, Asurini, Kararaô, Xibaia, Curuaia. Nenhum deles foi consultado para a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo, como ordena a Constituição Federal. — O processo de implantação da usina de Belo Monte tem que ser democrático, sem que as informações sejam camufladas, diz Claudemir Monteiro, representante do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) no Pará.
Outro problema apontado pelos ambientalistas trata do destino da energia gerada por Belo Monte. Ela servirá, em grande parte, para ampliar as plantas das indústrias eletrointensivas (metalúrgica, siderúrgica, de cimento e de alumínio). O projeto da usina pouco beneficia as comunidades locais. Monteiro compara Belo Monte a Tucuruí, que desalojou o povo Parakanã nos anos 70. — Os Parakanã perderam sua identidade e foram remanejados duas vezes porque não se adaptaram às novas condições, informa. Ele usa, também, a cidade de Baião como exemplo de que a usina hidrelétrica não beneficia as populações locais. Apesar de próxima à usina de Tucuruí, Baião demorou 30 anos para receber energia elétrica. Para ele, a justificativa do governo de que alternativas energéticas são mais caras do que a instalação da usina de Belo Monte não justifica o alto custo social. - Para quê retomar um projeto elaborado durante o regime militar, de caráter ultrapassado?
Histórico
Cerca de 14 mil índios vivem ao longo do rio Xingu. Caso fossem construídas as sete barragens do projeto inicial de 1980, para aproveitar toda a bacia hidrográfica do Xingu, mais de 18 mil km² de terra do Pará seriam alagadas, e cerca de sete mil índios de 12 áreas diferentes seriam retirados de suas terras. A produção elétrica das usinas resultaria em 19 mil megawatts (MW). Elaborado em 1986, o Plano Nacional de Energia Elétrica previa a construção de 40 hidrelétricas na Amazônia Legal até 2010.
A possibilidade de inundação das 12 terras indígenas fez com que houvesse uma mobilização nacional em 1989 para pressionar a Eletronorte a desistir do projeto. Os indígenas reagiram com o 1° Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, no município de Altamira. A presença maciça da mídia nacional e estrangeira, de 650 índios de diversas partes do país, dos líderes indígenas Paulo Paiakan, Marcos Terena e Ailton Krenak, de 300 ambientalistas, deputados federais, do cantor Sting e outras lideranças mudou a relação entre as autoridades e os povos nativos. A índia Tuíra, prima de Paiakan, expressou sua indignação encostando a lâmina de seu facão no rosto do diretor da Eletronorte à época, José Antônio Muniz Lopes. A partir de então o plano para aproveitamento hidrelétrico do Xingu foi reformulado – de sete para uma barragem - e mudou de nome - Belo Monte era conhecida como Kararaô, grito de guerra em Kayapó. (Agência Carta Maior, 28/07)