Artigo: Drama de Ataídes - perdeu a terra e a natureza
2005-07-29
Por Adriano Nygaard Becker
Aproveitando-se de seu descomunal poder financeiro, algumas dessas empresas deliberam estratégias covardes para terem suas insustentáveis obras licenciadas pelos órgãos ambientais, sob o manto de um suposto interesse público. Em mais um capítulo da novela envolvendo a escandalosa liberação da Usina Hidrelétrica Barra Grande, o agricultor gaúcho Ataídes Telles assiste com perplexidade araucárias sucumbirem às motoserras no até então paradisíaco vale do rio Vacas Gordas, afluente do rio Pelotas, fronteira entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O ronco das máquinas por alguns instantes dá lugar ao ruído de galharia a se quebrar, por sua vez seguido de estrondosa queda de pinheiro centenário de raro remanescente maduro da Floresta Ombrófila Mista sobre perau do vale encaixado na margem catarinense do rio Pelotas. Com o tombo de mais um exemplar de Araucaria Angustifolia, um bando de periquitos tiriba foge à margem oposta do rio Vacas Gordas. Ataídes não resiste à cena, e chora, de tristeza e inconformidade. Tristeza por ver tão rico ambiente com o qual conviveu por décadas ser desfigurado, sabendo que a fauna, assim como muitos pequenos agricultores - inclusive ele próprio -, não terão para onde ir após a inundação que logo virá com o enchimento da bacia de captação da usina. E inconformidade, por saber que a tragédia acontece pela submissão e atendimento da máquina pública ao interesse de grandes corporações nacionais e internacionais.
Aproveitando-se de seu descomunal poder financeiro, algumas dessas empresas deliberam estratégias covardes para terem suas insustentáveis obras licenciadas pelos órgãos ambientais, sob o manto de um suposto interesse público. De fato, a realidade é invertida no discurso dos empreendedores e de seus defensores nos poderes Executivo e Judiciário, pois público é o prejuízo pelo dano ambiental e desestruturação social provocados pelas grandes barragens, enquanto o interesse na construção das gigantescas paredes de cimento e na posterior comercialização da energia excedente ao consumo das fábricas de cimento e alumínio é, predominantemente, privado.
Descrente no Poder Judiciário, Ataídes espera o dia em que o povo se canse de tanto abuso, e, unido, cobre do governo a defesa dos reais interesses da nação: a conservação da biodiversidade e o respeito ao homem do campo, entre outros. (Eco Agência, 28/07)