O café politicamente correto
2005-07-28
O tema sustentabilidade vem sendo bastante discutido na cafeicultura. Várias receitas de como produzir um café de qualidade, com respeito ao ambiente e a regras sociais e trabalhistas, garantindo a continuidade da atividade para as gerações futuras, têm surgido. Uma das sugestões ganhou corpo de três anos para cá e tem sido objeto de polêmica. É o Código Comum para a Comunidade Cafeeira, o 4C, proposto pela indústria torrefadora alemã, além da Federação Européia de Café. A importância do código, na opinião do presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Nathan Herszkowicz, é porque ele propõe normas de sustentabilidade não só para cafés especiais, mas para o café verde, commodity, que representa 95% do café vendido mundialmente. O 4C, que teria adesão voluntária e seria igual para todos os países-membros da Organização Internacional do Café (OIC), vai na linha do socialmente justo, ambientalmente correto, tendência que discrimina qualquer tipo de artigo produzido sem respeito ao ambiente e ao social. Participação
Após a apresentação da idéia à OIC, em setembro de 2002, partiu-se para a elaboração do código, contando com a participação de representantes de todos os países cafeicultores. Em maio de 2005, o código foi apresentado à OIC e, então, começou a fase de ajustes. Em 5 de julho, vieram a São Paulo, a convite do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), representantes do Grupo 4C da Federação Européia de Café para discutir a adoção do código. Segundo o diretor-geral do Cecafé, Guilherme Braga, o objetivo foi debater o código sob o ponto de vista do produtor.
Embora vários representantes do setor concordem que a tendência mundial de trabalhar sob regras de sustentabilidade seja irreversível, ainda pairam dúvidas sobre a intenção do 4C e se realmente o cafeicultor teria alguma coisa a ganhar. - No código, o maior ônus recai sobre o produtor -, diz o assessor da Comissão Nacional de Café da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Thiago Masson. - Não temos a resposta se o produtor seria recompensado por um eventual aumento de custos ao adotar o 4C. Segundo ele, o código só menciona que haverá um aumento no custo de produção, mas não menciona nenhum plus comercial ao produtor. Além disso, Masson enumera outras preocupações, como as enormes desigualdades econômicas e sociais entre os países produtores. - Conseqüentemente, o custo de implementação seria variável em cada país -, diz. - Em relação a regras trabalhistas, os brasileiros estariam sujeitos a normas mais rigorosas do que as aplicadas aos africanos ou sul-asiáticos.
Ainda para Masson, tal projeto, ao vincular comércio internacional a normas trabalhistas, sociais e ambientais, poderá potencializar práticas comerciais discriminatórias e a formação de protecionismo não-tarifário. - O país que não cumprir o código pode ser discriminado na hora de exportar -, diz. Para Braga, o setor cafeeiro no Brasil já está ajustado ao 4C. - Nós já cumprimos uma legislação ambiental rigorosa; proibimos os trabalhos escravo e infantil; temos uma ampla gama de regras trabalhistas -, enumera. - São vantagens comparativas em relação a países que não respeitam essas regras -, diz ele, acrescentando, então, que a preocupação é qual vantagem o Brasil teria em adotar o código e que desvantagem teria o país que não o adotar. Braga defende um amplo debate sobre o assunto, no âmbito da OIC. Em setembro, na Bahia, haverá a 2ª Conferência Mundial do Café. - Ali é o palco certo para esse tipo de discussão, com a cadeia reunida.
O diretor-executivo Mauro Malta, da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), concorda com a sustentabilidade. - Ninguém pode ser contra, muito menos o Brasil, que já pratica isso na cafeicultura -, diz. - Só que o 4C não é a resposta para melhorar a renda dos cafeicultores; o que vai resolver é repassar uma parte do lucro para os preços pagos pela matéria-prima, e isso nem entrou em questão -, continua. - O 4C é um esquema montado pelas grandes torrefadoras, que têm por intenção apenas satisfazer anseios do seu mercado consumidor -, define.
Garantir trabalho e condições de vida decentes aos produtores, sua família e funcionários. Isso inclui respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas;
Proteger o ambiente, como florestas nativas e recursos naturais, além da biodiversidade e energia;
Garantir a viabilidade econômica, que é a base para a sustentabilidade social e ambiental. Isso inclui incentivos ao setor cafeeiro, acesso livre a mercados e também a garantia de subsistência. A adesão ao código é voluntária. (O Estado de São Paulo, 27/07)