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2005-07-28
Uma nuvem densa encobre diariamente o céu do Jardim Keralux, bairro popular no extremo leste da cidade de São Paulo onde cerca de 8.000 pessoas vivem em meio a um pólo industrial. Ora cinza, ora esbranquiçada, a fumaça é formada por gases tóxicos de nomes complicados, como o sulfídrico (H2S) e o dióxido de enxofre (SO2), mas que são reconhecidos em segundos pelos moradores pelo cheiro de ovo podre.

O odor, no entanto, é o menor dos problemas. A emissão desses gases pelas fábricas, acima dos padrões seguros à saúde pública, está provocando doenças crônicas, principalmente males respiratórios nas crianças. Enquanto continua em andamento um inquérito civil para apurar as responsabilidades, técnicos da prefeitura paulistana investigam se a emissão de poluentes na região está relacionada à ocorrência nos bairros vizinhos de casos de gravidez em que o feto sofre de anencefalia (não tem o cérebro) -problema semelhante ao registrado nos anos 80 em Cubatão, no litoral paulista, que já foi a cidade mais poluída do mundo. Há ainda um problema ambiental: dejetos da maior poluidora, a Bann Química, que produz insumos para a indústria pneumática, estão indo diretamente para um afluente do rio Tietê, junto ao Parque Ecológico do Tietê. Já foram registrados episódios de morte de pássaros na região.

Cortina de fumaça
O posto de saúde da prefeitura no Jardim Keralux recebe em média cinco crianças por dia com problemas respiratórios, como bronquites e alergias. Até funcionários do posto sofrem com resfriados e dores de garganta constantes. - Quando eles liberam a fumaça, dá um nó na garganta -, diz a estudante Carla Rodrigues.

Vizinha, a desempregada Crisdet Rosa dos Santos já se acostumou a levar o primo Rodrigo, de 2 anos, para fazer inalação no posto de saúde. - Tem dia que ele não para de espirrar e o peito fica que é uma chiadeira só -, conta. Na divisa do Keralux com o Parque Ecológico do Tietê foi instalada recentemente a USP Leste, o novo campus da Universidade de São Paulo. Dependendo da direção do vento, os alunos sentem o cheiro ruim -e ficam expostos às doenças provocadas pelos gases que saem das chaminés, alguns deles cancerígenos. A Folha passou a tarde de segunda-feira na região e constatou a sensação de permanente desconforto narrada pelos moradores. Mesmo tendo chovido bastante na noite anterior, a poeira incomoda muito, irritando os olhos e a garganta. Na língua, sente-se um gosto ácido.

A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, que investiga a emissão de gases na atmosfera e a de efluentes no córrego, negocia um acordo com a Bann Química. Já a Cetesb, órgão ambiental do Estado, diz que já emitiu mais de 20 multas em nome da Bann desde 1989. - Eles cumpriram parte do que estava previsto, eliminando parte dos poluentes. Falta a segunda etapa -, afirma Joaquim Pereira, engenheiro da agência Tatuapé da Cetesb. Sobre os dejetos despejados no córrego que atinge o Tietê, ele diz que é responsabilidade da Sabesp completar a rede de tratamento de esgoto no local. O vereador Juscelino Gadelha (PSDB) está organizando um grupo de moradores do Jardim Keralux para tentar remover a fábrica do bairro. - A situação por lá é gravíssima -, afirma.

Advogada de empresa diz que não há culpado
Advogada contratada pela Bann Química para coordenar o gerenciamento ambiental da fábrica, Márcia Buccolo afirmou à Folha que ninguém tem culpa pelos problemas de saúde causados no Jardim Keralux. - A região era um pólo industrial muito antes da urbanização do bairro. Além disso, há outras fábricas que emitem tantos poluentes quanto a nossa -, afirma. Segundo ela, desde 1994 a planta de Ermelino Matarazzo passa por investimentos para mitigar os problemas ambientais. - Num futuro próximo vamos implantar um projeto de vanguarda para que a chaminé se transforme apenas em equipamento de segurança -, diz. Ricardo Ferro, da Viscofan, outra empresa citada como grande poluidora do bairro, diz que estão sendo instalados equipamentos novos para reduzir a emissão de poluentes. (Folha de São Paulo, 27/07)

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