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2005-07-27
A carcinicultura, criação de camarões em cativeiro, no Sul de Santa Catarina, em especial na região de Laguna, tem provocado polêmicas, debates e um permanente conflito entre ambientalistas, economistas, técnicos e até uma inédita ação civil pública ambiental impetrada no Fórum de Laguna por duas organizações não-governamentais contra órgãos governamentais e empresas privadas criadas para explorar o filão.

No epicentro dessa discussão está o gaúcho de Cruz Alta Aldo Fernando Assunção, 48 anos, que vive em Santa Catarina desde 1984 e, desde 1986, em Laguna. Licenciado em biologia pela Universidade Federal de Santa Maria, em 1982, e em direito pela Universidade do Extremo-sul Catarinense (Unesc), onde é mestrando em ciências ambientais, atua como professor de biologia do ensino médio e de direito ambiental na Unesc. É advogado militante e ambientalista.

Aldo Assunção patrocinou a inédita ação civil pública em Laguna em nome da ONG Rasgamar e a Colônia de Pescadores Z-14, ambas com sede no Farol de Santa Marta, que se sentem prejudicadas diretamente pela atividade que vem transformando a paisagem do local, especialmente na localidade de Campos Verdes, uma área que mudou completamente. Alagados, lagoas, rios e riachos deram lugar a um imenso campo de tanques, geometricamente implantados nos últimos anos.

O biólogo e advogado faz duras críticas à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pela forma como permitiram que a carcinicultura se expandisse de forma tão rápida e desordenada, em nome de um pretenso desenvolvimento econômico da região. Licenças ambientais foram liberadas isoladamente, sem que o impacto ambiental fosse mensurado.

Na sua avaliação, — é preciso dar uma solução imediata para problemas como o efeito adensamento, regulamentar a quantidade de águas captadas, utilizar as águas na forma de circuito fechado, adaptar as unidades produtivas ao deslocamento da fauna local, preservar os mananciais de água potável ainda disponíveis, o que requer, acima de tudo, a revisão das licenças ambientais já expedidas, e um zoneamento ecológico-econômico municipal.

Entrevista

A Notícia - A carcinicultura chegou a ser comparada a uma mina de ouro e apontada como a redenção econômica da região de Laguna. As entidades que o senhor representa, formada por ambientalistas e pescadores artesanais, são frontalmente contrárias. Por quê?

Aldo Assunção - As entidades Colônia de Pescadores Z-14 e a Associação Rasgamar sempre se posicionaram pelo disciplinamento da atividade econômica. Nunca as entidades se posicionaram contra a atividade econômica. Havendo a autorização legal que, neste caso, se dá via licenciamento ambiental e com a efetivação dos demais procedimentos legais exigidos, não há como negar o exercício da atividade econômica. Requeremos judicialmente a revisão dos atos administrativos que expediram licenças ambientais sem o devido estudo de impacto ambiental, uma vez que os empreendimentos - sob o ponto de vista das entidades - são uma atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. As autoras são contrárias à degradação e à poluição ambiental e não contra a atividade de carcinicultura ou outra qualquer que venha a ser implantada na zona costeira. Porém, qualquer empreendimento a ser implantado em área de restinga, que apresenta inúmeros ecossistemas frágeis, deverá submeter-se ao controle do poder público e também da sociedade.

A Notícia - Qual é a dimensão, hoje, desse tipo de empreendimento na região de Laguna?

Assunção - Em termos de lâmina dágua construída, há, aproximadamente, 1.300 hectares. Conter o avanço da proliferação das unidades produtivas só foi possível por meio de ação civil pública ajuizada na Justiça Federal de Tubarão. Todavia, os impactos negativos já foram sentidos pelos pescadores artesanais, pelo meio ambiente e pelos próprios carcinicultores. Os pescadores artesanais tiveram suas águas de consumo salinizadas; o seu principal produto de venda, o camarão nativo, desvalorizou-se no mercado, além de ter a sua marca reconhecida, o camarão de Laguna, associada ao do camarão cultivado (camarão marinho do Pacífico) para fins de uso comercial.

AN - E o impacto ambiental?

Assunção - Quanto aos impactos sofridos pelo meio ambiente, estão a alteração do fluxo hídrico dos rios, lagoas, braços de cursos dágua (gamboas) e dos banhados salgados (marismas); alterações na qualidade das águas; destruição das paisagens e possibilidade de contaminação da biota nativa (conjunto de seres vivos, flora e fauna que habitam ou habitavam determinado ambiente geológico). Já com relação aos carcinicultores, o efetivo ataque do vírus da mancha branca e as constantes ameaças de novas contaminações, que levaram a perdas totais do cultivo, dão a mostra dos prejuízos suportados por aqueles que tinham esperança de lucro significativo e retorno imediato.

AN - É possível apontar, concretamente, danos ambientais em função dessa atividade?

Assunção - Evidente que sim. As autoras da ação defendem a tese de que há degradação e poluição ambiental e destruição das paisagens, com perda de diversidade biológica. É fácil constatar a ausência dos banhados e demais ecossistemas nos locais onde foram implantados os viveiros de cultivo. E a fauna e flora onde foram parar? Qualquer pessoa pode perceber o dano ambiental. Já quanto à poluição ambiental, deve haver uma análise mais acurada. As autoras da ação também denunciam que há poluição ambiental, em especial no que diz respeito à eutrofização (desequilíbrio que pode levar à morte de um ambiente) das lagoas e contaminação pelos insumos que são descartados nas águas dos lagos a cada término de safra. Também merece uma análise mais detalhada a questão da contaminação da biota nativa, especialmente os crustáceos, que são vulneráveis ao ataque do vírus da mancha branca. Espera-se que o estudo de impacto ambiental, que está sendo efetivado por uma equipe multidisciplinar, também por determinação judicial, possa elucidar vários dos aspectos levantados pelas associações.

AN - Um dos argumentos utilizados por ambientalistas e pescadores artesanais é o risco à integridade cultural da região. Por quê?

Assunção - No complexo lagunar, a defesa do meio ambiente passa, necessariamente, pela defesa das populações tradicionais de pescadores artesanais. E neste aspecto está a defesa da cultura tradicional. Este é o motivo pelo qual afirmamos que a atividade de carcinicultura é insustentável sob o aspecto ambiental e econômico. Trata-se de uma atividade competitiva com os pescadores artesanais ao utilizar as mesmas forças produtivas, os mesmos recursos ambientais: fauna e águas. É uma atividade econômica concentradora de renda, propriedade, poder e informação. Logo, desintegradora das relações socioculturais das populações tradicionais residentes que não têm como competir com o capital e o poder econômico, ainda mais quando estes estão associados ao poder público na forma de financiamento, assistência técnica, além do apoio de políticos locais.

AN - A carcinicultura, na sua avaliação, é uma atividade empresarial que poderá ser explorada por um longo período? Há risco de esses empreendimentos definharem por questões técnicas ou ambientais?

Assunção - Quando iniciou-se a implantação do empreendimento no município, propalava-se que ele era a redenção de Laguna. Passada uma década, pouco ou quase nada se espera da atividade econômica, que já está dando indícios de decadência. Além dos limites já impostos pela Justiça, acredita-se que fatores como a iminência de contaminação, a constante vigilância da sociedade civil e do ministério público, as exigências que certamente virão com o estudo de impacto ambiental, os limites técnicos e o enquadramento institucional atuarão como limitadores da expansão da atividade econômica. Entretanto, é preciso dar uma solução imediata para problemas, como o efeito adensamento, regulamentar a quantidade de água captada, utilizar as águas na forma de circuito fechado, adaptar as unidades produtivas ao deslocamento da fauna local, preservar os mananciais de água potável ainda disponíveis, o que requer, acima de tudo, a revisão das licenças ambientais já expedidas e um zoneamento ecológico-econômico municipal.

AN - É possível que os camarões de espécie exótica, criados nas fazendas, já estejam nas lagoas de Laguna? Qual é o risco dessa presença?

Assunção - Já se encontra nas águas do complexo lagunar. O risco é motivo de discussão pela ciência, pelos empreendedores, pelos ambientalistas e por todos que tenham interesse no assunto. O risco desta espécie, com possibilidade de comprometimento do ciclo biológico, está sendo cobrado da UFSC, por meio do laboratório de camarões marinhos. Afinal, os técnicos deste laboratório foram os responsáveis pela disseminação desta espécie exótica sem a devida autorização do órgão ambiental competente, que é o Ibama.

AN - Qual é a avaliação que o senhor faz da atuação da Fatma e do Ibama nesse processo?

Assunção - Apesar de ambos os órgãos contestarem a ação, o Ibama deu uma contribuição significativa através de seu corpo técnico-científico, principalmente com a produção de laudos que corroboraram as teses formuladas pelas autoras da ação. A Fatma, por sua vez, foi uma defensora da carcinicultura sem que houvesse a necessidade do estudo de impacto ambiental.

AN - O que as autoras da ação civil pública ambiental - ONG Rasgamar e Colônia de Pescadores - esperam como desfecho desta ação?

Aldo - Esperam que este conturbado processo judicial reverta em ações educativas para todos na sociedade, incluindo o compromisso dos poderes públicos intervirem segundo as normas de proteção do meio ambiente e das atividades econômicas contemplarem a questão ambiental.

AN - De onde essas entidades tiraram a coragem necessária para iniciar uma ação dessa envergadura?

Aldo - Inicialmente de seus princípios, de uma ética voltada para a valorização da vida, em todas as suas formas. Mas também dos inúmeros apoiadores, inclusive de alguns técnicos que operam nos órgãos ambientais, além de encontrar apoio num contingente anônimo de seres humanos que louvavam a iniciativa das entidades e que aguardam um desfecho positivo ao final da ação. Trata-se, pois, de uma verdadeira solidariedade ecológica.(A Notícias, 24/07/05)

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