Diretor do Conama fala sobre Áreas de Preservação Permanente
2005-07-27
Entrevistado por Sílvia Marcuzzo, da Rede de Ongs da Mata Atlântica (RMA)*,o diretor do Conama, Nilo Diniz comenta o processo para criação da proposta de resolução de APPs, as chances de mudanças no texto desta proposta e as polêmicas que as possibilidades de intervenção em APPs têm gerado na sociedade.
Pergunta: Quantas reuniões foram realizadas para montagem da resolução de APPs?
Nilo Diniz - A proposta de Resolução do CONAMA que regulamenta o Código Florestal – alterado pela MP-2166-67/01, estabelecendo os casos excepcionais de utilidade pública e interesse social, que possibilitam a intervenção em Área de Preservação Permanente (APP) – vem sendo discutida publicamente, desde 2002, em Grupos de Trabalho (GTs) e Câmaras Técnicas (CTs). Foram, portanto, mais de três anos de discussão, cerca de 40 reuniões abertas e públicas, todas com convites e resultados divulgados no site do Ministério do Meio Ambiente e, por e-mail, para mais de 3 mil pessoas cadastradas. Nas quatro reuniões do último Grupo de Trabalho participaram um total de 120 pessoas de diferentes segmentos da sociedade. Veja o local das reuniões aqui: http://www.rma.org.br/boletim/2005/19app/reunioes.htm
Pergunta: Existe a possibilidade de ser votado um novo texto base para essa resolução?
Nilo Diniz – Em princípio, não, já que a matéria se encontra em processo de votação. Entretanto, em função do número de emendas (mais de 100) e dos debates que serão realizados em plenário, a partir da 78ª Reunião Ordinária (27 e 28 de julho próximo), as mudanças, neste texto-base, podem alterá-lo significativamente. Esta reunião deverá ser apenas para o debate da resolução, por recomendação do CIPAM (Comitê de Integração de Políticas Ambientais), permitindo um tempo para maior amadurecimento da matéria.
Pergunta: Quais são os principais entraves e por que eles se configuram como problemas na visão do MMA?
Nilo Diniz – A seção de mineração é a mais polêmica da Proposta de Resolução, o que fica claro quando vemos o conjunto das emendas apresentadas. Na realidade, o teor das emendas não permite que se façam antecipações sobre o texto final da Resolução. Existem emendas que retiram toda a seção de mineração da Resolução e reiteram a proibição desta atividade em APP. Outras propõem que atividades de mineração passem a ser enquadradas como de interesse social, o que impossibilitaria a mineração em nascentes, dunas e mangues. Há também emendas que são mais flexíveis do que o texto-base da Resolução, que autorizam mineração em todo tipo de APP, independente dos estágios de regeneração da Mata Atlântica.
Quando aceita a possibilidade de se autorizar mineração em APP, o que mais provoca reações é a possibilidade de se autorizar mineração em nascentes. A minuta consolidada por uma equipe do MMA, a partir das propostas elaboradas pelos GTs, e analisada na Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas enquadrava a mineração como utilidade pública, para permitir apenas a mineração de água mineral em nascentes. A autorização mais ampla para essa atividade foi votada na 9ª reunião da CT, em dezembro do ano passado.
Já em área urbanas, considerando que a maioria das ocupações irregulares se dá em APP, por serem áreas menos controladas ou cuidadas, a Resolução tenta resolver dois problemas importantes: a urbanização das Áreas de Preservação Permanente nas quais já se consolidaram habitações de baixa renda (passivo) e a proteção das que ainda não foram invadidas ou ocupadas (proteção futura).
A resolução autoriza o ordenamento territorial de ocupações consolidadas, antes de julho de 2001 e por população de baixa renda, em APPs inseridas nas áreas urbanas . Isso inclui assentamentos de interesse social já existentes e reconhecidos, que não são recuperáveis . A resolução também impõe uma série de requisitos, entre eles, o saneamento ambiental (permitindo a implantação da agenda marrom), o reconhecimento da área por lei municipal como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), que afasta a especulação imobiliária, e a apresentação de um plano de controle e monitoramento, com direitos e deveres, expressos por meio da presença do poder público.
Com a autorização para implantação de áreas verdes públicas em APPs urbanas, a Resolução procura evitar novas invasões destas áreas, incentivando que a população se apodere dela, preservando-a para maior qualidade de vida. Não se trata de transformar as APPs urbanas num grande gramado, mas, sim, de autorizar o ajardinamento de no máximo 15% da área, para permitir o trânsito, as atividades esportivas e obrigar a recuperação do restante da área. Enquanto a maioria das APPs de Brasília estão sendo gradativamente invadidas e ocupadas, o Parque Ibirapuera continua sendo área verde. Se não fosse Parque, poderia ser hoje um mar de arranha-céus. A Resolução também procura instrumentalizar as prefeituras nesse sentido.
A possibilidade de instalação de área verde pública não deve ser interpretada como uma autorização para a construção de edifícios públicos ou outras áreas institucionais. A intenção não é favorecer os interesses do setor imobiliário. As áreas verdes públicas instaladas em APP, segundo a Resolução, não devem entrar no cômputo das áreas verdes públicas urbanas. Se o texto estiver levando a este entendimento, deveriam ser feitas alterações para evitá-lo.
Outra polêmica considerável gira em torno do baixo impacto. O argumento é de que esta seção pode se constituir numa cunha para qualquer atividade em APP, devido à análise do uso que tem sido feito atualmente das Áreas de Preservação Permanente. Se respeitada a redação dada pelo Código Florestal de 1965, um fazendeiro não poderia ter acesso ao rio, a fim de se abastecer de água para dessedentação ou irrigação, para instalar um pontilhão para travessia do riacho nem ancorar um barco. Esta limitação às atividades básicas das propriedades rurais leva os produtores a simplesmente desconhecerem a lei e infringi-la, por exemplo, com cultivos até as margens dos riachos.
Como o conceito de baixo impacto ambiental é muito difícil de definir claramente, a resolução, então, tomou três medidas. Ela estabelece uma lista de projetos que poderiam ser considerados como de baixo impacto, deixa a cargo dos Conselhos Estaduais (e não municipais) definirem outros casos e limita a 5% a área máxima da APP sobre a qual o proprietário poderia solicitar autorização de uso, o que ainda limita espacialmente a supressão de vegetação por atividades de baixo impacto.
Por fim, há uma polêmica recorrente no CONAMA acerca da definição da instância que pode tomar as decisões relativas, neste caso, ao enquadramento de atividades de utilidade pública e interesse social, além da autorização para supressão e intervenção em APP.
Pergunta: Como foi a participação das entidades ambientalistas nesse processo?
Nilo Diniz – As ONGs representadas no CONAMA têm tido uma excelente participação em todo o processo de análise e debates sobre a Resolução. Mas houve uma participação mais expressiva de outros segmentos, como os setores governamental e empresarial, se comparada com as entidades ambientalistas. Ainda assim, este aparente desequilíbrio não se reflete nos encaminhamentos e mesmo no conteúdo, pelo menos do conjunto da resolução. Um exemplo marcante foi a realização de um seminário com juristas, realizado pela Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos, a partir de proposta apresentada por uma única ONG presente. Conseqüentemente, emendas foram apresentadas e aprovadas por esta CT.
Nessa e em outras oportunidades, o desequilíbrio se manifesta, às vezes, na falta de maior apoio técnico para o trabalho das entidades. Isso vem sendo tratado pela Comissão Coordenadora do CNEA (Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas) e, com apoio da Secretaria do CONAMA, deverá ser resolvido em breve.
Pergunta: Como a regulamentação do uso de APPs é tratada em países mais desenvolvidos, sob o ponto de vista ambiental?
Nilo Diniz - Este é um levantamento oportuno, mas que ainda não foi realizado. A Secretaria do Conama está organizando um Encontro de conselhos de meio ambiente do Mercosul e de outros países da América Latina com a finalidade de promover intercâmbio sobre temas como este. Sabemos que na África do sul existe um instituto semelhante à APP, que determina uma área de15 metros às margens dos rios, para preservá-los de assoreamento, mas não como corredor de biodiversidade.
Nos Estados Unidos, estados como Mariland estabeleceram uma espécie de compensação financeira para quem não utilizar o que seria uma APP. Na verdade, alguns países estão observando a legislação do Brasil, que parece ser de ponta neste campo.
Pergunta: O MMA pensa na hipótese de aperfeiçoar a divulgação de suas atividades para os diferentes segmentos da sociedade?
Nilo Diniz - Há cerca de três anos, o Conama tem toda as atividades publicadas no site do MMA. Aliás, é considerada a página mais visitada do Ministério. Por isso, está sendo preparado um novo site com inovações que deverão facilitar o acesso e a navegação para o público interessado. Além disso, toda a atividade do Conselho é divulgada no boletim InforMMA , do Ministério, que é recebido diariamente por mais de 3 mil pessoas.
A secretaria do Conama está com um livro praticamente no prelo, reunindo todas as resoluções, e que deverá ser lançado em comemoração ao seu 24º aniversário (31 de agosto), possivelmente em setembro próximo. Há também um projeto de Boletim, que foi proposto durante o seminário sobre as Prioridades do Conselho, em 2004, que provavelmente será lançado este ano.
Pergunta: E quanto ao funcionamento do CONAMA, quantas resoluções ele produz por ano, ou melhor, quantas o conselho já definiu durante a sua trajetória?
Nilo Diniz - A trajetória é a seguinte:
1990: 17 resoluções (7 administrativas + 10 técnicas)
1991: 9 resoluções (6 administrativas + 3 técnicas)
1992: nenhuma
1993: 18 resoluções (8 administrativas + 10 técnicas)
1994: 37 resoluções (12 administrativas + 25 técnicas, das quais 14 ad refer. -Mata Atlântica)
1995: 21 resoluções (14 administrativas + 7 técnicas)
1996: 26 resoluções (17 administrativas + 9 técnicas, das quais 1 ad refer. -Mata Atlântica)
1997: 13 resoluções (5 administrativas + 8 técnicas)
1998: 10 resoluções (5 administrativas + 5 técnicas)
1999: 15 resoluções (4 administrativas + 11 técnicas, das quais 1 ad refer. -Mata Atlântica)
2000: 10 resoluções (2 administrativas + 8 técnicas)
2001: 20 resoluções (6 administrativas + 14 técnicas)
2002: 25 resoluções (7 administrativas + 18 técnicas)
2003: 22 resoluções (14 administrativas + 8 técnicas)
2004: 14 resoluções (6 administrativas + 8 técnicas)
2005: 6 resoluções (2 administrativas + 4 técnicas)
Pergunta - Durante do todo esse tempo, mudou muito a forma de funcionamento do Conama?
Nilo Diniz - O CONAMA viveu três momentos com três regimentos diferentes, definindo tipo de participação e demanda. Na primeira fase, de 1984 a 1999, o Conselho, em gestação, atuava timidamente com várias reuniões de reflexão sobre política ambiental. Havia 72 Conselheiros, que trabalhavam, com exclusividade, somente em Câmaras Técnicas.
Na segunda, de 1999 a 2002, começou o processo de maturação e exercício efetivo da normatização. É dessa época o surgimento do primeiro Grupo de Trabalho instituído, o Repensando o Conama, o qual propôs um novo regimento, consolidado no decreto de 2002, aumentando o número de Conselheiros.
Já na terceira fase, iniciada a partir de 2002, o órgão passou a contar com 108 Conselheiros, com a participação de municípios, mais ONGs e representantes do setor produtivo. Novos GTs foram criados com abertura para a participação de não Conselheiros e formaram-se as Comissões Tripartite (uma nacional e 25 estaduais).
Comparativamente, o Conama vem evoluindo sensivelmente tanto no que concerne à representatividade, com o aumento da participação de segmentos como a sociedade civil e os municípios, quanto na qualidade e complexidade das resoluções aprovadas, além do envolvimento do Conselho em dinâmicas mais gerais.
Outro aspecto relevante, nos últimos anos, é a tendência para uma melhor preparação técnica das resoluções com a realização de seminários temáticos, como os de Política Nacional de Resíduos Sólidos, Prioridades do Conama, Carcinicultura e de Recuperação de Reserva Legal e APP. O fortalecimento de instrumentos de monitoramento da aplicação das resoluções, consolidados pelos debates promovidos por dois GTs (aplicação da norma ambiental e indicadores de aplicação) também tem evoluído.
Por outro lado, o Conama, além da elaboração de resoluções, passa a atuar na agenda ambiental, colaborando com a Conferência Nacional de Meio Ambiente, os Conselhos estaduais e municipais de meio ambiente – especialmente na capacitação de conselheiros –, na formulação de uma Agenda Nacional de Meio Ambiente, entre outras iniciativas concernentes à política ambiental integrada.
Quanto às resoluções, vale mencionar a 357/2005, que trata das diretrizes para o enquadramento dos corpos de água e a que dispõe sobre resíduos da área de saúde. Ambas cumprem a função revisora do Conselho, que também vem se fortalecendo no tratamento de temas relacionados com a Agenda Marrom.
* O texto foi publicado originalmente no site da RMA (http://www.rma.org.br/boletim/2005/19app/boletim_19app.htm#6)