Tese de doutorado alerta para os riscos provocados à saúde por derramamento de petróleo e derivados
2005-07-26
Resumo: Os acidentes que envolvem derramamento de petróleo e derivados são apontados como uma das principais causas da contaminação de águas subterrâneas - principal fonte de abastecimento de muitos centros urbanos. Uma tese de doutorado defendida em junho no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGEA/UFSC) alerta para os riscos à saúde trazidos por esses acidentes, em especial por vazamentos de gasolina em postos de combustível. —Ao atingir o aqüífero, a gasolina transfere compostos orgânicos tóxicos para água, como o benzeno e o tolueno, formando uma pluma de contaminação-, explica o autor, Márcio Schneider. De acordo com ele, a presença de álcool na gasolina brasileira pode agravar ainda mais os efeitos do vazamento, pois aumenta a persistência dos contaminantes no aqüífero.
A pesquisa que resultou na tese durou quase seis anos e foi orientada pelo professor do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental Henry Corseuil. Durante esse período, foi realizado um experimento controlado - autorizado pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA) - na Fazenda da Ressacada, em Florianópolis. Em uma área de 1,5 metros quadrados, os pesquisadores liberaram gasolina comercial brasileira, que contém 24% de álcool (etanol), em águas subterrâneas, com o objetivo de monitorar o comportamento da massa de benzeno - um dos constituintes da gasolina que acarretam maior prejuízo à saúde humana. — Sabíamos, a princípio, que o etanol tinha um efeito negativo, pois impedia, no curto prazo, que a pluma de contaminação, ou seja, a área atingida, diminuísse-, afirma Schneider.
Segundo ele, esse efeito negativo ocorre porque os microorganismos degradam o etanol de forma mais intensa que os demais compostos orgânicos da gasolina, permitindo que a pluma de benzeno aumente continuamente. Mas no decorrer dos experimentos os pesquisadores tiveram uma surpresa. — Descobrimos um efeito benéfico do etanol: a elevada concentração de biomassa, remanescente da degradação desse composto, acelera significativamente o processo de degradação dos outros contaminantes da gasolina-, ressalta Schneider.
Assim, três anos depois do derramamento induzido, a presença do etanol fez com que a redução do benzeno no local próximo à fonte do vazamento fosse de apenas 10%. Mas nos dois anos seguintes, quando o álcool havia sido completamente biodegradado, essa redução passou para 99%. — Isso significa que a biomassa remanescente acelerou a redução do benzeno no período seguinte. Esses microorganismos estavam ávidos por substratos e os únicos disponíveis eram os outros contaminantes-, afirma Schneider.
De acordo com o estudo, em situações nas quais o vazamento não fosse contínuo, outros compostos liberados com a solubilização da gasolina na água - tolueno, etilbenzeno e xilenos - poderiam ser totalmente degradados em um período de 10 a 20 anos. Mas se a presença do etanol fosse constante, inibindo a biodegradação, o tempo de eliminação desses compostos e do benzeno variaria entre cem a mil anos, dependendo do volume derramado.
Agora, o Laboratório de Remediação de Águas Subterrâneas (Remas/ENS) iniciará novas pesquisas, a fim de acelerar o processo de degradação do etanol. Os pesquisadores irão realizar uma bioremediação acelerada do etanol na fonte: adicionarão nutrientes, como nitrogênio e fósforo, no local do derramamento, tentando tornar mais rápida a degradação do benzeno. — Com isso, buscamos ressaltar o efeito positivo do etanol em casos de contaminação de águas subterrâneas, em detrimento do negativo-, afirma Schneider.
Aqüíferos abastecem centros urbanos
Aqüíferos são formações geológicas compostas por rochas permeáveis - semelhantes a uma esponja - que têm capacidade para armazenar grandes quantidades de água subterrânea. De acordo com Schneider, 60% dos municípios brasileiros são abastecidos por aqüíferos. Na América do Sul, a principal reserva subterrânea de água doce é o aqüífero Guarani, que ocupa 1,2 milhão de quilômetros quadrados.
Considerado um dos maiores aqüíferos do mundo, o Guarani estende-se pelo Brasil (840.000 Km²), Paraguai (58.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina, (255.000 Km²). No Brasil, que tem dois terços da área total de abrangência do Guarani, o aqüífero se localiza nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, somente nesse estado o Guarani é explorado por mais de 1 mil poços de captação de água subterrânea. (DH)
Câncer pode ser uma das conseqüências
A pesquisa de Schneider partiu da constatação de um problema grave: a contaminação de águas subterrâneas por derivados do petróleo acarreta sérios danos à saúde humana. Entre os distúrbios que uma pessoa pode apresentar ao entrar em contato com água contaminada, principalmente com benzeno, está o câncer. — Esse composto, mesmo em pequenas quantidades, pode causar sérios problemas ao sistema nervoso central-, destaca. Diversos estudos têm apontado a relação entre a exposição ao benzeno e a incidência de leucemia.
Conforme o pesquisador, os riscos dependem de fatores como a toxidade do composto - no caso do benzeno, muito alta - do tempo de exposição e também do nível de concentração desses elementos na água. Em relação aos compostos liberados pela solubilização da gasolina, os prejuízos podem ser causados tanto pela ingestão de água contaminada, quanto por contato na pele ou inalação de vapores.
Embora não existam dados oficiais sobre a ocorrência de acidentes com combustíveis no Brasil, a Defensoria da Água - entidade formada pelo Ministério Público Federal, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Universidade Federal do Rio de Janeiro - estima que existam 20 mil áreas contaminadas por elementos tóxicos em todo o país, o que estaria expondo a população a riscos de saúde.
Conforme a tese de Schneider, a Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) é o único órgão de controle ambiental que oferece informações detalhadas sobre áreas de risco. Um levantamento divulgado pela Cetesb neste ano registra cerca de 1,5 mil áreas contaminadas no Estado, o que inclui solo e águas subterrâneas, de forma que 69% delas tinham postos de combustíveis como principais causadores do impacto. — Com a penetração da chuva no solo contaminado, os elementos tóxicos podem chegar aos aqüíferos-, afirma Schneider.
Moléculas perigosas
Formados por moléculas de hidrogênio e carbono - e por isso chamados de hidrocarbonetos - os compostos BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos), em contato com o organismo, podem trazer riscos à saúde. Segundo a pesquisa de Schneider, a exposição aguda a esses compostos pode ser prejudicial ao sistema nervoso central, causando dor de cabeça, náuseas, perda da coordenação motora e até câncer.
BENZENO
Facilmente absorvido pelo organismo, por via oral ou por inalação, o benzeno é classificado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) como um dos principais compostos cancerígenos. Diversos estudos estabelecem relações entre a exposição ao benzeno e a incidência de leucemia. — O benzeno também está associado com efeitos adversos no sistema imunológico de animais e, assim como os outros hidrocarbonetos, está associado a efeitos neurológicos-, ressalta Schneider.
TOLUENO
A exposição ao tolueno, composto classificado como moderadamente tóxico, pode causar irritação nos olhos e na pele. Segundo Schneider, altas doses podem levar à diminuição da coordenação motora e até ao coma. A USEPA não classifica esse composto como causador de câncer, pois não há evidências de que possa estar relacionado à doença.
ETILBENZENO
O contato com a pele ou a inalação desse composto também causa irritação nos olhos, pele, nariz e garganta, além de prejudicar o sistema respiratório. Assim como o tolueno, não é considerado um elemento cancerígeno.
XILENOS
De acordo com a pesquisa desenvolvida por Schneider, o xileno é facilmente absorvido por inalação e metabolizado de forma muito rápida pelo fígado. Em experimentos com animais, a exposição ao xileno não causou efeitos adversos significativos. Dependendo da concentração a que forem expostos, seres humanos em contato com esses elementos podem sentir irritação nos olhos, nariz e garganta, além de leve dor de cabeça. Também não há evidências de que os xilenos possam causar câncer.
Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina.
Autor: Márcio Schneider.
Contato: (48) 3317569 ou schneidr@ens.ufsc.br