Em meio à destruição da floresta, uma descoberta científica
2005-07-26
A dor de ver uma das mais importantes áreas de araucárias (Araucaria Angustifolia) da região sul do Brasil sendo impunemente destruída, mistura-se a uma forte emoção: a descoberta de que o gavião-de-penacho ainda sobrevoa as matas do Alto Uruguai. Foi assim o dia passado pelo biólogo especializado em aves, Glayson Bencke, na área que em breve estará totalmente alagada pela Usina Hidrelétrica de Barra Grande, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. Enquanto acompanhava impotente as motosserras abatendo centenárias araucárias, em companhia do fotógrafo ambientalista Adriano Nygaard Becker, o biólogo foi surpreendidos pelo canto do gavião-de-penacho.
- Num primeiro momento ficamos acompanhando seu canto misturado ao estridente ronco das motosseras - , descreve Glayson Bencke. - Como eu já o conhecia, foi fácil reconhecer a presença da ave. Depois, o gavião apareceu, sobrevoando graciosamente o rio Pelotas. O gavião-de-penacho consta como ave provavelmente extinta na Lista de Espécies de Fauna Ameaçadas de Extinção no Rio Grande do Sul, elaborada em 2002 e da qual Glayson Bencke é um dos autores. Para ele, portanto, tornou-se um sentimento especial ver que o animal ainda pode ser salvo, já que alguns exemplares sobrevoam as matas na divisa das terras gaúcha e catarinense.
- Tememos muito pelo futuro dessa ave - , desabafa o biólogo, - já que ela depende da copa das árvores centenárias para colocar seus ninhos. De acordo com ele, o gavião-de-penacho (nome dado devido a bela crista que possui sobre a cabeça) alimenta-se de aves como tucanos e papagaios, além de pequenos mamíferos. - É uma grande ave de rapina que delimita sua área. Um casal ocupa, em geral, entre 700 e 1.500 hectares. Ou seja, necessita de grandes extensões de florestas para viver e se reproduzir -, acrescenta. Pelos registros dos ornitólogos, o último gavião-de-penacho visto no Rio Grande do Sul foi na Estação Ecológica de Aracurí, município de Esmeralda, no início da década de 1990, mas acabou sendo abatido por um caçador.
Glayson Bencke e Adriano Becker resolveram ir voluntariamente à região que será totalmente alagada para testemunhar o impacto ambiental que está prestes a acontecer. O jovem Adriano é velho conhecido do local, pois suas teleobjetivas já captaram magníficas imagens do que hoje, já pode-se dizer, foi um dos últimos recantos intocados das magníficas matas que cobriam toda a região do Alto Uruguai. No entanto, para Glayson Bencke foi a primeira visita àquela área e, certamente, a impressão que teve não foi das melhores.
A dramática destruição da floresta
- Nossa idéia - , conta ele, - era chegar ao local antes que as águas alcançassem a floresta, pois a justiça já autorizou o enchimento da barragem. Mas fomos surpreendidos por motosserras, que já estavam em plena ação na melhor área de mata, no interior da fazenda Gateadas (no lado catarinense). Foi dramático acompanhar a destruição da floresta. Do outro lado do rio, no interior da fazenda Estrela, em frente à foz do Rio Vacas Gordas, enquanto assistíamos centenárias araucárias tombando, imaginávamos o que será desses últimos 14 quilômetros de floresta primitiva.
Durante as seis ou sete horas em que ficaram na região, Glayson e Adriano viram duas linhas de frente com três a quatro motosserras cada, literalmente limpando a área. — Nesse pouco espaço de tempo devem ter derrubado cerca de uma centena de árvores-, revela o biólogo. Ele destaca que o enchimento da barragem deixará muitos animais ilhados. E cita, além do gavião-de-penacho, a existência do porco queixada, que anda em grandes varas de até 50 animais e no Rio Grande do Sul só tem sido visto na região, o porco cateto e, segundo moradores, há registro da existência de pumas na área.
Destino da madeira
No entanto, o que mais chamou a atenção de Glayson e Adriano, foi que a madeira vem sendo cortada, mas não tem sido recolhida. Muitas toras caíam diretamente nas águas do rio Pelotas e lá ficavam. O biólogo acredita que a Baesa (empresa responsável pela construção da Usina e que tem como sócios, entre outros, Alcoa, Votorantim, Camargo Corrêa e Bradesco) pretende esperar o lago encher para retirar a madeira cortada já boiando. Mas uma grande dúvida intriga a todos: o que será feito da madeira que está sendo abatida? O temor dos ambientalistas é que toda a madeira nobre seja vendida pela Baesa. - A licença para desmatar não dá direitos a que eles vendam a madeira. Será que depois da ilegalidade de esconderem que havia uma área de floresta primária na região, na elaboração do EIA/RIMA, ainda vão querer lucrar com a venda da madeira?-, pergunta indignado Glayson Bencke. (Eco Agência, 25/07)