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2005-07-25
Por Guilherme Kolling

Uma área de 12 hectares na Zona Sul de Porto Alegre, que abriga um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da cidade, está a perigo – um projeto imobiliário pretende urbanizar a área com ruas, 16 prédios de 10 andares, casas e lojas. Trata-se do Loteamento Ipanema, da empresa Maiojama, braço da construção civil do Grupo RBS.

Acionado por ambientalistas, o Ministério Público entrou com uma ação civil pública em 6 de abril de 2000, para evitar a obra. Perdeu em outubro de 2003, quando o juiz de Direito Ricardo Pippi Schmitz liberou o projeto, com a ressalva de que deveriam ser preservados 15 metros em cada lado das margens do Arroio Espírito Santo, que passa no local.

Em novembro de 2004, nova derrota do MP – desta vez, três desembargadores aprovaram a obra, e liberaram a construção até 5 metros do arroio. Como esta última decisão foi por 2 votos a 1, cabe ainda um recurso em nível local antes de levar o caso à Brasília.

É o que a Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público está fazendo. Em abril, o MP recorreu mais uma vez, a fim de esgotar a questão em nível local. Depois da análise final do Tribunal de Justiça do Estado, será a vez de levar a discussão ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

É a última chance de preservar a área, que fica na avenida Guaíba, 12.100, ao lado do Clube do Professor Gaúcho. A peleia é antiga. O empreendimento tramita no poder público desde 1992, quando a Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV) aprovou o loteamento. Desde então, o projeto já foi mudado três vezes, até chegar no formato atual. Foi se adaptando às exigências do poder público.

Mesmo assim, não passou pelo crivo de ecologistas, que elencam uma série de irregularidades. A começar pelo corte de Mata Atlântica. Carla Regina Volkart, que coordenava a ONG União pela Vida e integrava o Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) em 2000, denunciou o caso ao Ministério Público.

A Promotoria de Meio Ambiente instaurou inquérito para investigar os fatos e constatou que a obra trará uma série de prejuízos ao ambiente natural, mesmo com as adaptações que sofreu. O MP sustenta que a área é de preservação permanente, pois abriga Mata Atlântica, fauna (gambá, bugio, entre outros) e o Arroio Espírito Santo.

Entre as irregularidades observadas pelo MP, além da degradação do meio ambiente, estão a falta de EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) e o fato de o assunto não ter passado pela Câmara Municipal, além de não ter atendido aos questionamentos da Câmara Técnica do Comam que analisou o projeto, e não obteve respostas do Poder Público.

O Comam teria que aprovar a obra, o que não foi feito. Outra queixa é a falta de publicidade, isto é, comunicação à população do que está previsto para o local, já que a audiência pública foi em janeiro (de 2000), mês de férias em Porto Alegre.

O Conselho do Meio Ambiente analisou o projeto no final de 1999, destacando que o local abriga Mata Atlântica, além de 34 figueiras (algumas centenárias) e 46 corticeiras, protegidas pelo Código Florestal Estadual. O projeto prevê o transplante de exemplares.

A conclusão é que o empreendimento traria perdas irreparáveis à mata e ecossistemas associados – banhado, nascente e arroio, que seria canalizado. Por isso, o MP pede a suspensão da licença ambiental e a proibição da autorização da obra, pelo menos até o julgamento final, ou após apresentação de projeto compatível com elementos de preservação, precedido de EIA/RIMA.

Mais de quatro mil árvores por hectare
O Relatório de Impacto Ambiental (RIA) do empreendimento apontou uma média de 4.288 árvores por hectare. Esse é um dos argumentos do Ministério Público para evitar a obra. O MP aponta ainda que a área é uma das poucas em que o verde se faz presente de forma natural naquela região de Porto Alegre.

O local tem significativa mata nativa intacta, com grande número de espécies frutíferas, atrativas para avifauna, além de espécies arbóreas ameaçadas de extinção. Influencia na qualidade do ar da Zona Sul, serve de abrigo para espécies da fauna e tem grande valor paisagístico, aponta a Promotoria de Meio Ambiente, baseada em farta documentação – o processo tinha 2.032 páginas e 9 volumes até a metade de julho.

O principal argumento é que a área está entre os remanescentes florestais da Mata Atlântica, integrando a Reserva da Biosfera. Parecer técnico do biólogo Paulo Brack, do Instituto de Biociências da UFRGS aponta que a área é abrigo de espécies da flora ameaçadas de extinção. Exemplos são dois exemplares de duas espécies ameaçadas de extinção – a canela-preta (Ocotea catharinensis) e a coronilha (Syderoxylum obtusifolium), além de outras espécies raras.

Pela Lei Orgânica do Município, áreas com exemplares raros, que servem de abrigo para aves, ou que têm função de proteção de manancial, devem ser de proteção permanente. Conforme Brack, além da Mata Atlântica e do arroio Espírito Santo, outro motivo é o excepcional valor paisagístico do local.

Sem falar no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, também citado na argumentação do Ministério Público. A lei prevê áreas especiais de interesse natural, que ainda não foram delimitadas pela Prefeitura.

A Promotoria de Meio Ambiente considera que o poder público não poderia ter licenciado o empreendimento da forma que foi feito. Houve omissão, permitindo degradação do meio ambiente, sempre em nome do progresso e da ocupação do solo no meio urbano.

Smam considera área frágil
O parecer dos técnicos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente que analisaram o Loteamento Ipanema, em 1999, aponta um significativo impacto numa área que é bastante frágil, devendo atender apenas ao mínimo de ocupação. A Smam reconheceu a necessidade de um EIA/RIMA, apesar de só ter recebido um RIA, estudo menos detalhado.

Os técnicos questionaram a altura das edificações, bens ambientais e manchas verdes que seriam perdidos e até a canalização, apoiada pelo DEP (Departamento de Esgotos Pluviais). Os funcionários da Smam contra-argumentaram, citando até a política do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que financia o Pró-Guaíba, e o programa Guaíba Vive.

O Ministério Público, por sua vez, volta a carga quando trata do RIA, que não aprofunda o estudo de tráfego – o Loteamento prevê 3.300 moradores – principalmente na estreita avenida Wenceslau Escobar.

Moradores falam em descaracterização
Moradores da Zona Sul se queixam da descaracterização que o Loteamento Ipanema causaria na região. — É um local residencial, antigo, com tradição de casas de veraneio e querem colocar um monte de espigões- , explica o ambientalista Guilherme Dornelles, que vive em Belém Novo.

— Projetos como esse alteram bairros centenários, degradando a zona costeira-, diz Marçal Davi, da Tristeza. Ele cita outro empreendimento, na rua Mário Totta, 539, que também é formado por prédios altos, ao invés de casas.

Advogado da Maiojama fala em radicalismo xiita Os advogados contratados pela Maiojama para tratar do caso Loteamento Ipanema já obtiveram duas vitórias na Justiça. Eles dizem que a empresa tem sim preocupações ecológicas, mas não concordam com o radicalismo xiita do Ministério Público, alegando que esse critério inviabilizaria obras como o Parque da Harmonia ou o Parque Marinha do Brasil. — O MP confunde os fatos, há uma total improcedência na denúncia-, dizem os advogados.

A principal diferença de ponto de vista entre as partes é com relação à Mata Atlântica. No entender do escritório Carneiro e Alencar Advogados Associados, — a área do Loteamento Ipanema não está inserida no domínio da Mata Atlântica. Para sustentar a afirmação, usa o documento Mata Atlântica no Rio Grande do Sul, Tombamento e Reserva da Biosfera, publicado pela Fepam, em 1998.

Eles afirmam ainda que a fauna no local é limitada, e que as espécies importantes serão mantidas ou transplantadas. Sobre a canalização do arroio, aponta que já foi feita no resto do leito e que o DEP defende a finalização desta obra. — São utópicas as afirmativas de que aquela área é um santuário ecológico-, conclui a banca.

Outro argumento é a demora na aprovação do projeto. A Maiojama tenta instalar o Loteamento há mais de 10 anos – o investimento previsto é de R$ 24,5 milhões. — É uma verdadeira via crucis. Não se discute ecologia, mas sim o bom senso.

A história da Maiojama com o Loteamento Ipanema é antiga. Em 1981, quando o nome da empresa ainda era RBS empreendimentos imobiliários foi feita a compra do terreno, na época, por Cr$ 48.500.000,00.

Pelo projeto final, o Loteamento Ipanema vai ocupar 29,4% dos 12 hectares com área edificada. O resto se divide em ruas, que serão prolongadas ou abertas, área de ajardinamento e praça, além de um parque, com 28,9% do terreno.

— Aquela área está abandonada, servindo de depósito de lixo e sofrendo de ameaça de invasão. Se não for urbanizada, terá como destino ser mais uma favela-, prevêem os advogados da Maiojama.

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