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2005-07-22
Movimento ambientalista questiona métodos na elaboração do decreto que regulamenta a Lei de Biossegurança, com assinatura prevista para agosto. E sustenta que nova lei servirá para atender aos interesses de transnacionais de biotecnologia, como a Monsanto.

Não são poucas as discussões de interesse nacional que, nos últimos meses, foram ofuscadas ou até mesmo abandonadas em função da crise política que envolve o governo, os partidos e o Congresso. Algumas delas, no entanto, ameaçam voltar às manchetes com polêmica redobrada, realimentadas por novas suspeitas e denúncias surgidas no calor do mensalão. É o caso da encardida discussão sobre a regulamentação dos alimentos transgênicos no Brasil. À luz das recentes denúncias sobre mistura de interesses públicos e privados no governo, organizações do movimento ambientalista estão questionando a lisura do grupo de trabalho - composto por 11 ministérios e coordenado pela Casa Civil - responsável pela elaboração do decreto que regulamenta a Lei de Biossegurança e que tem assinatura prevista para agosto.

Os ambientalistas questionam as mudanças propostas para o texto da lei que, segundo eles, servem somente para atender ainda mais aos interesses das empresas transnacionais de biotecnologia responsáveis pela introdução dos alimentos transgênicos no Brasil, como a Monsanto, por exemplo. As entidades reunidas na Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos denunciaram que o coordenador do grupo de trabalho interministerial, Caio Leonardo Bessa Rodrigues, que é assessor da Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, já trabalhou no escritório de advocacia Pinheiro Neto Advogados, que tinha como um dos seus principais clientes a Monsanto.

Também estão sendo feitas especulações sobre a possibilidade de a Monsanto ter corrompido funcionários do governo brasileiro durante o processo de elaboração da lei. A suspeita cresceu depois das descobertas recentes, feitas pela polícia da Indonésia, de que a empresa montou um esquema de corrupção para se estabelecer naquele país.

As movimentações suspeitas, segundo os ambientalistas, começaram em abril deste ano, logo após a aprovação da Lei de Biossegurança no Congresso, quando representantes das empresas de agro-química e de biotecnologia teriam se reunido para redigir um anteprojeto de decreto de regulamentação da lei. A redação do anteprojeto, segundo o boletim da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, teria sido supervisionada pelo consultor jurídico do Ministério de Agricultura, Márcio Mazaro. Em seguida, dando seqüência ao suspeito intercâmbio entre governo e empresários, o documento teria sido enviado ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

No MCT, foi contratado para ajudar na elaboração do anteprojeto o advogado Reginaldo Minaré, que, segundo os ambientalistas, já foi consultor jurídico da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio) e do Conselho de Informações sobre Biossegurança (CIB), todas elas entidades com atuação clara em defesa dos transgênicos. O ministério também teria solicitado a consultoria do deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), último relator do projeto de lei de Biossegurança na Câmara, que sempre se fez notar pela entusiasmada defesa dos pontos de vista das empresas pró-transgênicos: — Segundo informantes, este consultor discutiu o anteprojeto das empresas com técnicos da Embrapa e outros não identificados e conseguiu torna-lo ainda mais favorável à liberação ultrafacilitada dos transgênicos, inclusive incluindo pontos que não foram aprovados na votação na Câmara e reintroduzindo outros vetados pelo presidente Lula-, diz a nota da campanha.

Para o coordenador do programa de políticas públicas da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von der Weid, o anteprojeto apresentado ao grupo de trabalho interministerial pelo MCT, na verdade, é o anteprojeto das empresas e desde já deve ser colocado em suspeição por revelar que a promiscuidade entre governo e empresas é patente no caso dos transgênicos. O ambientalista também questiona o coordenador do grupo de trabalho: — O doutor Caio não é exatamente uma pessoa neutra neste debate, pois fez parte do escritório de advocacia Pinheiro Neto Advogados, onde atuava na área de Assuntos Regulatórios e Relações Governamentais. Em outras palavras, a função do doutor Caio era de lobista da Monsanto-, disse. Jean Marc defende a interrupção do processo: — Se o governo Lula quiser dar uma demonstração inequívoca de transparência neste caso, deveria retirar o anteprojeto de decreto de regulamentação em debate e afastar o doutor Caio desta discussão, indicando pessoa com indiscutível isenção para dar seguimento à mesma-, disse.

Mudanças questionadas
Entre as mudanças questionadas pelos ambientalistas, está a que concede amplos poderes ao MCT para escolher os cientistas que irão compor a nova CTNBio pelos próximos seis anos. Outro item polêmico determina que a CTNBio tome suas decisões por maioria simples, enquanto os ambientalistas preferem a maioria absoluta, o que evitaria que a comercialização de qualquer transgênico fosse liberada mesmo com a oposição de parte do colegiado de cientistas. As entidades que atuam em defesa do meio ambiente também propõem que a Lei de Biossegurança incorpore mecanismos que garantam maior transparência ao processo de tomada de decisões da CTNBio, como audiências públicas e submissão dos projetos de liberação comercial à consulta pública, por exemplo.

O método de indicação e escolha dos componentes da CTNBio também é criticado pelos ambientalistas. O anteprojeto do MCT determina que os integrantes da comissão devem ter doutorado e experiência comprovada nas áreas de biotecnologia, biossegurança, biologia ou saúde humana e que os 12 cientistas e os seis representantes da sociedade civil sejam indicados por entidades científicas e definidos pelo MCT e pela Casa Civil, respectivamente. O problema é que, com a regulamentação proposta para a lei, o colegiado passa de 18 para 27 membros e os nove novos membros, que representarão os demais ministérios que formam o Conselho Nacional de Biossegurança, não precisam necessariamente ser funcionários das respectivas pastas. Essa deformação, segundo os ambientalistas, pode permitir uma monopolização da CTNBio por setores defensores dos transgênicos, com a benevolência do governo.

US$ 700 mil de corrupção na Indonésia As insinuações de que a Monsanto poderia ter tentado corromper funcionários do governo brasileiro se intensificaram com a descoberta do mega-esquema de corrupção que a empresa patrocinou para conseguir se estabelecer na Indonésia. Segundo as investigações feitas naquele país, pelo menos 140 parlamentares e funcionários do governo saciaram sua sede no propinoduto da Monsanto entre 1997 a 2002, período no qual a empresa, com o intuito de facilitar a conquista do mercado indonésio, teria drenado para a corrupção cerca de US$ 700 mil.

Este dinheiro, segundo as investigações, foi usado para que a Monsanto controlasse o trâmite do processo de legalização dos transgênicos no país e também obtivesse mudanças na lei, como por exemplo a supressão da exigência de realização de estudos de impacto ambiental ou da obrigatoriedade de comprovação da segurança das plantas transgênicas pelas empresas antes da liberação comercial. Investigada na Indonésia, mas também fustigada pelo poderoso Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Monsanto admitiu a culpa. A punição da empresa, branda na concepção do movimento ambientalista dos EUA, foi uma multa de US$ 1,5 milhão, pouco mais que o dobro da verba que teria usado com corrupção para conquistar o terceiro maior mercado da Ásia.

Se a Monsanto agiu assim na Indonésia, pode ter feito o mesmo no Brasil, suspeitam os ambientalistas. A Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos lembra que o mercado brasileiro - levando-se em consideração apenas o setor de sementes de soja transgênica, controlado pela Monsanto com a sua soja RR - pode render, potencialmente, mais de R$ 1 bilhão por ano em taxas de uso de tecnologia. Esse rendimento ainda pode aumentar consideravelmente com as vendas casadas do Roundup, o herbicida da Monsanto que, obrigatoriamente, deve ser usado na soja transgênica programada para resistir ao veneno.

Um bom exemplo da cobiça da Monsanto sobre o mercado brasileiro é o gasto publicitário da empresa no Brasil em 2004. No início do ano passado, época em que as discussões sobre biossegurança estavam sendo travadas em toda a sociedade, a transnacional pagou por uma peça de campanha publicitária multimídia R$ 35 milhões. A propaganda foi veiculada em rádios e tevês durante um mês, mas depois teve sua exibição proibida pela Justiça por afirmar coisas ainda não comprovadas a respeito dos transgênicos: — Quanto mais e de que forma terá gastado esta empresa (e outras) no Brasil para atrair um governo que se elegeu com um programa que em três pontos renega o uso desta tecnologia? Perto destes valores os recursos sacados pelo Marcos Valério chegam a ser irrisórios-, opina Jean Marc von der Weid. (Agência Carta Maior, 21/07/2005)

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