Ibama reage à invasão de peruanos desmatadores
2005-07-22
Na fronteira mais a oeste da Amazônia brasileira, motosserras peruanas estão derrubando árvores aonde nem mesmo os madeireiros brasileiros já conseguiram chegar. Há pelo menos 20 anos, segundo autoridades do Ibama, madeireiros peruanos atravessam a fronteira com o Acre para roubar madeira brasileira, principalmente mogno e cedro. O problema não é novo, mas está piorando. Na semana passada, foi a vez de representantes do Ibama e do governo do Acre atravessarem a fronteira para conversar com as autoridades peruanas, na busca de uma solução.
Foram dois dias em salas de reuniões e outros dois dentro de um helicóptero, sobrevoando a fronteira - que existe no mapa, mas é apenas uma linha imaginária na floresta densa. Representantes do equivalente peruano do Ibama, o Instituto Nacional de Recursos Naturales (Inrena), puderam observar as estradas clandestinas usadas para escoar a madeira para o lado do Peru, assim como alguns acampamentos ilegais descobertos durante os vôos.
Até então, as autoridades peruanas estavam relutantes em aceitar a responsabilidade sobre o caso, segundo o assessor técnico da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, Kleber Ramos Alves. - Só este ano eles começaram a se sensibilizar -, diz. - Há muita resistência em aceitar o fato de que toda a atividade ilegal está partindo do Peru. As estradas clandestinas, entretanto, não deixam dúvidas. Segundo Alves, elas começam como verdadeiras avenidas do lado peruano e vão ficando mais estreitas na medida em que penetram no território brasileiro. - Do Brasil não temos nenhum tipo de acesso à área de fronteira, nem mesmo por via fluvial -, diz. - A madeira cortada não tem como escoar por aqui. Ela escoa pelo Peru.
Quase 60 peruanos já foram presos desde setembro em uma série de operações conjuntas do Ibama, Exército e Polícia Federal. Três brasileiros também foram presos, mas por associação com o tráfico de drogas. Cerca de 3 mil metros cúbicos de madeira foram apreendidos - ou, mais especificamente, destruídos, já que não há como retirar o material dos acampamentos. As equipes normalmente são deixadas de helicóptero em um ponto da selva e podem ter de caminhar por dias até chegarem aos madeireiros. Segundo Alves, que participa de todas as operações na selva, as invasões estão concentradas ao longo de 200 quilômetros de fronteira no norte do Acre. Uma região totalmente coberta por áreas protegidas: o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Terra Indígena Kampa do Rio Amônea.
CONCESSÕES
A situação, segundo o assessor do Ibama, começou a tomar maiores proporções há cerca de quatro anos, quando o governo peruano iniciou um processo de concessões de áreas florestais ao longo da fronteira. As florestas passaram para as mãos de empresários que, sem um plano de manejo eficiente e sem fiscalização, passaram a contratar a retirada ilegal de madeira do Brasil, em vez de explorar suas próprias áreas. - Eles retiram mogno e cedro do Brasil e mantêm a madeira do lado deles como reserva -, diz Alves.
Como o corte de madeira é seletivo - apenas mogno e cedro -, os desmatamentos são dispersos e não abrem clareiras na mata. Por isso não aparecem nas imagens de satélite e são muito difíceis de detectar, mesmo de helicóptero. - Você passa por cima e não vê diferença nenhuma. A floresta parece intocada -, afirma Alves. A madeira é cortada em pranchas no próprio local e carregada por trilhas até o Peru. Depois segue para a Europa como se fosse proveniente de áreas de manejo florestal.
ACORDO
Por isso a importância de conseguir o apoio do outro lado da fronteira. Na reunião, as autoridades peruanas se comprometeram a fazer uma revisão das concessões. - Pela primeira vez estamos vendo algum progresso do lado peruano -, comemora Alves. - Estamos com uma pré-agenda comum de trabalho estabelecida e uma nova reunião será realizada em Lima, em agosto, para detalharmos os operativos de vistoria das concessões peruanas e da ação combinada de fiscalização na fronteira.
Uma das propostas do Ibama é criar uma área livre de extração florestal numa faixa de 10 quilômetros para cada lado da fronteira, para facilitar a fiscalização. - Se não, você chega a um acampamento a 300 metros da fronteira e não pode fazer nada. Como é que você vai provar que aquela tora saiu do Brasil e não do Peru? (O Estado de São Paulo, 21/07)