Desmatamento em Rondônia avança sobre áreas protegidas
2005-07-19
É o que indicam os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para o período 2003-2004. Somados aos dos anos anteriores, os números mostram que 57% das florestas de Rondônia em áreas não protegidas já foram desmatadas. E que o desrespeito às áreas protegidas chegou à impressionante cifra de 31,4% de desmatamento, para o qual as UCs estaduais contribuíram muito. Os dados revelam como os governantes desse estado têm tratado suas florestas.
Os dados de desmatamento divulgados pelo Inpe para o período agosto de 2003 a agosto de 2004 mostram números preocupantes: mantidas as atuais taxas de desmatamento nos estados de Mato Grosso e Rondônia, em 18 anos Rondônia não terá mais nenhuma floresta em pé fora aquelas em áreas protegidas. E em 24 anos será a vez do Mato Grosso. Seria uma hipótese alarmista, não fosse o fato de que, pelo menos desde 1997, os números não param de subir nestes estados.
Muito se falou sobre o Mato Grosso, imbatível em números absolutos de desmatamento, inclusive nas previsões já apontadas pelo Sistema de Detecção em Tempo Real (Deter), do Inpe, para 2005. Mas a situação de Rondônia é ainda mais grave, uma vez que o estado já havia desmatado, até 2001, 50% de sua extensão não protegida por Unidades de Conservação e Terras Indígenas. E em 2004 chegou ao patamar de 57%, tendo sido o estado que mais desmatou em relação ao que restava de floresta em pé em 2003.
O mais preocupante, no entanto, é que os últimos números mostram visivelmente que algumas áreas protegidas não estão conseguindo barrar o desmatamento. Vários estudos já mostraram a importância de TIs e UCs na contenção do desflorestamento, e os números continuam a confirmar isso. Porém, algumas áreas precisam de ação imediata já que a falta de implementação está propiciando a invasão e o desmatamento.
Destacamos a situação da TI Uru-Eu-Wau-Wau, que tem sofrido invasão sistemática, inclusive através da Floresta de Rendimento Sustentável do Rio São Domingos, que tem 68% de sua área já desmatada. Vivem nessa terra os Uru-Eu-Wau-Wau (Jupaú), os Amondaua, os Oro owin e grupos de índios isolados, somando uma população de aproximadamente 230 pessoas. O histórico dessa área é marcado por invasões de madeireiros, garimpeiros, posseiros e grileiros, e conta com o Projeto de Assentamento de Burareiro, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que incide dentro do perímetro da terra, em seu limite norte. As pressões contra a TI Uru-Eu-Wau-Wau tiveram eco no gabinete do presidente José Sarney que, em janeiro de 1990, em seu penúltimo mês de mandato, revogou com uma canetada o decreto que reconhecia a terra desse povo. Em seguida a Fundação Nacional do Índio (Funai) interditou a área reduzindo-a em 118.460 hectares, excluindo da TI a área do assentamento do Burareiro, além de outras áreas de interesse de políticos locais contrários à causa indígena.
Em fins de 1991, o presidente Fernando Collor revogou o decreto de Sarney e homologou a TI em sua totalidade, com 1.867.117 hectares. Dentro desse perímetro está o Parque Nacional Pacaás Novos, que representa 41% da extensão da Terra Indígena, e abriga as cabeceiras dos principais rios de Rondônia.
Parceria Ibama-Funai
Essa sobreposição não tem redundado em conflito com os índios. Pelo contrário, a ONG Kanindé, em parceria com os índios, tem buscado defender os direitos e a proteção do território indígena e do Parque Nacional. Eles têm procurado trabalhar juntamente com Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação Nacional do Índio (Funai), apesar das rusgas que existem entre estes órgãos.
Essa união é absolutamente necessária, já que as invasões persistem: em abril de 2003 ocorreu uma invasão de cerca de 5 mil sem-terras, que se diziam da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia. Foram retirados, mas persistiram as investidas na TI, destruindo a biodiversidade e colocando em risco a vida dos índios isolados que habitam a área. A TI Rio Muqui é uma área que a Funai, em 1996, declarou de uso restrito por dois anos, para poder preservar o habitat de índios isolados, enquanto a TI fosse estudada e aprovada. A Funai não renovou a restrição de uso da área, e há informação de que os índios que ali viviam fugiram para a TI Uru-Eu-Wau-Wau devido à pressão dos madeireiros e outros ocupantes. Contígua à TI Uru-Eu-Wau-Wau , a TI Rio Muqui já teve 43% de sua área desmatada - apenas no período 2003-2004 foram 766 hectares.
A questão das UCs estaduais em Rondônia é muito grave porque elas não são respeitadas. Foram criadas por exigência do contrato com o Banco Mundial na implantação do Programa Polonoroeste, que tinha como eixo a pavimentação da BR-364 (trecho Cuiabá/PortoVelho) e os projetos de colonização de Rondônia e do oeste do Mato Grosso. Esse plano esteve em vigor de 1982 a 1988 e foi posteriormente substituído pelo Planafloro - Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia, de 1992/93 até 2002.
Este projeto condicionava a implementação nas políticas públicas do Estado dos componentes indígena e ambiental, com a demarcação das terras indígenas e a criação de UCs. Eram medidas de proteção, porque o aumento da migração para a região e a pressão sobre as florestas já se faziam sentir. Entretanto, durante o Planafloro, muitas UCs estaduais foram criadas sem os estudos necessários e sem articulação com outros órgãos, como o Incra, que faz a titulação e os assentamentos de colonos. Essas falhas resultaram na sobreposição desses projetos com as áreas protegidas e na abertura de estradas vicinais e municipais, que reforçaram o avanço descontrolado da ocupação das áreas de florestas. (Eco Agência, 18/07)