Emissão de carbono torna usinas a gás ou a óleo em novas vilãs
2005-07-18
As coisas não correram bem para a indústria nuclear no último quarto de século. Primeiro foi o acidente na usina de Three Mile Island nos Estados Unidos, em 1979, e depois o desastre de Chernobyl na Ucrânia, em 1986. No Japão, a Tokyo Electric Power, a maior companhia de eletricidade privada do mundo, fechou seus 17 reatores nucleares depois que foi pega falsificando registros de segurança para ocultar rachaduras em algumas usinas em 2002. E os atentados terroristas aos EUA em 11 de setembro de 2001 serviram de lembrete de que os riscos da geração de energia nuclear não são apenas aqueles inerentes à tecnologia.
E a segurança não foi a única preocupação: também houve problemas financeiros. A British Energy, a operadora britânica de energia nuclear, exigiu sucessivos socorros do governo. O Reino Unido concluiu recentemente um plano de 50 bilhões de libras (US$ 90 bilhões) para lidar com o lixo nuclear da British Nuclear Fuels (BNFL), uma processadora de lixo nuclear inepta que implodiu.
Mas recentemente as coisas deram uma clareada para a indústria nuclear. Na Ásia, que nunca se voltou contra ela da maneira como o Ocidente, as perspectivas são excelentes. A China possui nove reatores nucleares e pretende ter outros 30. Nova capacidade está sendo criada ou considerada na Índia, Japão, Taiwan e Coréia do Sul. A Rússia está construindo várias usinas.
Agora, governos ocidentais voltam cada vez mais suas atenções para a energia nuclear. Poucas semanas atrás a TVO, um consórcio da Finlândia, começou a trabalhar sobre a primeira usina nuclear a ser construída nos dois lados do Atlântico em uma década. Pertti Simola, principal executivo da TVO, diz: –A Finlândia abriu as portas para a nova era nuclear! Muitos países do Ocidente nos seguirão.
O parlamento da França recentemente deu sua aprovação a uma nova usina nuclear. Guillaume Dureau, da Areva, a maior distribuidora de energia nuclear do mundo, resume o clima frenético que tomou conta dos distribuidores:–Estamos bastante convencidos de um renascimento nuclear e precisamos nos preparar para ele. Precisamos contratar mil engenheiros.
Apesar dos infortúnios anteriores, a indústria nuclear ainda é um negócio considerável. Em 2004 a Areva teve um faturamento de 6,6 bilhões de euros (US$ 8,2 bilhões). Esse número inclui a mineração de urânio, projetos de usinas e reprocessamento de lixo nuclear. A divisão nuclear da General Electric, que projeta e constrói usinas, mas não maneja combustível ou lixo nuclear, teve uma receita de cerca de US$ 1,1 bilhão no ano passado (que passa a ser o dobro quando se inclui as vendas de pedaços não-nucleares de usinas, como geradores e turbinas). A Westinghouse, controlada pela BNFL, que recentemente a colocou à venda, teve receita de aproximadamente 1,1 bilhão de libras (US$ 2 bilhões).
A principal razão dessa mudança é a alteração no clima do planeta. Na medida que isso ganha importância, cresce o ímpeto para uma revitalização nuclear.
Mais vozes afirmam que a energia nuclear é essencial se quisermos reduzir o ritmo das mudanças climáticas. Como resultado, há uma improvável aliança entre a indústria nuclear e muitos ambientalistas, na medida que um número crescente de verdes começam a acreditar que a energia nuclear é a melhor maneira de reduzir as emissões de carbono. Lobistas do setor estão encontrando apoio em áreas inesperadas. Keith Parker, da Nuclear Industry Association, um grupo comercial britânico, aponta para uma observação feita recentemente por James Lovelock, um dos fundadores do Greenpeace:
–Apenas a energia nuclear pode conter o aquecimento global.
Os cientistas também estão dando seu apoio. Sir David King, principal cientista de Tony Blair, recentemente afirmou que uma nova geração de usinas nucleares é necessária (pelo menos no Reino Unido), para se ganhar tempo e manter em baixa as emissões de dióxido de carbono, o principal gás causador do efeito estufa, enquanto novas tecnologias não-nucleares e não emissoras de carbono são desenvolvidas. Outros concordam. A World Nuclear Association, um órgão do setor, repudia seus rivais ambientalistas em um relatório recente: –O alcance potencial da contribuição das fontes de energia renováveis para o fornecimento de eletricidade é pequeno porque essas fontes, especialmente as de energia solar e eólica, são difusas, intermitentes e não confiáveis.
Está havendo uma improvável aliança entre a indústria nuclear e muitos ambientalistas
Essas opiniões vêm provocando consternação entre os oponentes de longa data da energia nuclear, especialmente o movimento verde da Europa. O sentimento anti-nuclear era tão forte na Alemanha no fim da década de 90 que a aliança socialista-verde que estava no poder baniu a construção de novas usinas. A Suécia foi o primeiro país a se voltar contra as usinas nucleares, em um referendo realizado em 1980; no fim de maio ela fechou sua segunda usina nuclear. Mesmo assim, pesquisas de opinião sugerem que nos dois países diminui a resistência da população à opção nuclear. De fato, os Democratas Cristãos da Alemanha agora afirmam que poderão reverter a proibição de construção de usinas.
Nos Estados Unidos, embora a administração Bush continue hostil a qualquer ação visando a redução do aquecimento global, ela está ansiosa para dar um maior ímpeto à energia nuclear. Isso tem levado alguns verdes a adotarem uma postura de que é melhor uma revitalização nuclear do que não se fazer nada em relação às mudanças climáticas. Líderes de organizações ambientais respeitadas, como a Enviromental Defence e o World Resources Institute, emitiram sinais favoráveis à energia nuclear como parte de uma resposta ao aquecimento global.
É claro que a energia nuclear não é a única opção livre da emissão de carbono. Tornar a produção de energia existente mais eficiente e reduzir o desperdício no uso da energia pelos consumidores são medidas que teriam um grande impacto econômico e ambiental. As fontes de energia renováveis, como a eólica e a energia das marés, possuem muitos defensores.
Há também rivais diretos às novas usinas nucleares, como as usinas que consomem combustíveis fósseis com captura de carbono, que podem fornecer energia básica. Uma onda de experiências que vai da Argélia à China e EUA já estão sendo feitas nessa área.
A melhor administração permite às empresas tornarem as usinas existentes mais eficientes. –A consolidação nuclear é a chave, afirma Michael Wallace, da Constellation Energy, uma usina que controla várias unidades e pode, desse modo, manter bons administradores, dividir melhores práticas, ganhar economias na manutenção de peças e estoques e assim por diante. As dez maiores empresas nucleares controlam hoje 61% do setor. A Exelon, a maior delas, tem uma participação de 15%. A capacidade de utilização das usinas nucleares americanas cresceu de 56% em 1984 para mais de 90%, hoje.
A consultoria CERA calcula que 31 países possuem hoje reatores de energia nuclear comercial. Juntos, esses 439 reatores produzem cerca de 16% da eletricidade consumida no mundo, avaliada anualmente em algo entre US$ 100 bilhões e US$ 125 bilhões. E o bolo está crescendo.
Somente a expansão da China deverá envolver cerca de US$ 50 bilhões ou mais em investimentos. Isso é considerável - embora seja importante colocar em perspectiva o interesse da China na energia nuclear. Mesmo que ela construa todas as 30 usinas que estão em discussão, a energia nuclear vai representar apenas 5% de seu mix de eletricidade em 2030. Enquanto isso, o gás natural deverá crescer de uma participação de 1% hoje para mais de 6%, segundo a International Energy Agency (IEA).
Hoje, em muitos mercados energéticos a eletricidade nuclear é a mais barata que se pode comprar. As usinas nucleares desregulamentadas da Entergy produziram 13% de suas receitas e um quarto de seus lucros no ano passado. Vincent Gilles, do banco de investimento UBS, estima que as usinas alemãs têm um custo de 1,5 centavo de dólar por kW-hora para produzir energia nuclear, mas elas podem vender essa energia por três vezes mais quando se inclui os créditos do programa de negociação de carbono da Europa.
Em contraste, o gasto para a produção de energia a partir do gás natural na Alemanha é de 3,1 centavos a 3,8 centavos de dólar por kw-hora, e de 3,8 centavos a 4,4 centavos para a produção de energia a partir do carvão. Nos Estados Unidos, onde não há uma regulamentação obrigatória envolvendo as emissões de carbono, a energia nuclear vem tendo uma vantagem menor: a energia produzida a partir do carvão custa em média cerca de 2 centavos por kW-hora, a energia do gás natural custa 5,7 centavos, enquanto que a energia nuclear custa 1,7 centavo. Somente a expansão da geração nuclear na China deverá envolver cerca de US$ 50 bilhões ou mais em investimentos.
Mas a questão econômica não é tão clara quanto parece. O custo da energia nuclear produzida pelas usinas existentes são muito menores do que os custos das usinas recém-construídas, porque os custos de capital das usinas nucleares - que refletem de metade a dois terços do valor do projeto em termos de valor atualizado - há muito já foram esquecidos. A maioria das usinas atuais foram construídas em uma era em que os planejadores centrais não tinham idéia do verdadeiro custo do capital. Os baixos juros atuais são bons para grandes projetos como os nucleares, mas essas taxas podem mudar no futuro. Ao mesmo tempo, os preços do gás e do petróleo - cujos níveis astronômicos atuais reforçam a atratividade da energia nuclear - poderão cair.
Os críticos afirmam que os melhores projetos que a indústria nuclear pode criar não são competitivos com as tecnologias de energia concorrentes. A indústria nuclear aponta para alguns estudos que parecem sugerir que ela pode ser viável economicamente apenas se os benefícios de seu ciclo de vida (como a ausência de gases que criam o efeito estufa) e as desvantagens de seus concorrentes (como os custos do combustível para o gás natural) forem mantidas.
Por exemplo, a Agência de Energia Nuclear, braço da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), acabou de publicar estudo realizado em conjunto com a Agência Internacional de Energia (AIE). Depois de revisar os indicadores econômicos, o estudo concluiu que há de fato um futuro brilhante para a energia nuclear: –Em uma escala global, há necessidade e espaço para usar todas as tecnologias. (O relatório assume preços elevados de gás, o que favorece a energia nuclear em termos comparativos, premissa contrária às estimativas oficiais da AIE de redução a médio-prazo nos preços do gás).
Contudo, há um vasto terreno para a discussão dos indicadores econômicos envolvidos na geração de energia nuclear, tendo em vista que esses indicadores são sensíveis às premissas sobre os custos de energia de outras fontes de recursos. Como afirma Ed Cummins, da Westinghouse: –O maior agente motivador da energia nuclear hoje é o preço do gás natural de US$ 6 por milhão de BTU (unidade britânica para medir o poder calórico). Se o preço voltar para US$ 3,50, então as usinas nucleares já não serão competitivas.
Outra fonte de incertezas é como se desfazer do lixo radioativo. Foi essa a questão que atrapalhou os indicadores econômicos do programa nuclear britânico: a Grã-Bretanha decidiu reprocessar o seu lixo, o que se provou enormemente caro. Já os EUA, ao contrário, literalmente entulhavam o lixo dentro de piscinas localizadas no próprio terreno das usinas nucleares. O consenso atual diz que a melhor solução é a armazenagem geológica, que significa enterrar profundamente o lixo.
Levando em consideração as incertezas, a maioria dos estudos realizados sobre os indicadores nucleares concluiu que as novas usinas construídas pelo setor privado, com o suporte de investidores para toda a gama de riscos envolvidos, não são economicamente viáveis sem subsídios.
Embora os defensores da energia nuclear prometam que seus novos projetos custarão apenas US$ 1,5 mil por KW de capacidade instalada, tal custo assume que haja condições ideais e nenhum atraso. Uma avaliação mais realista (segundo a visão consensual entre especialistas que não corroboram com a idéia da indústria nuclear) diz que as novos complexos vão provavelmente custar US$ 2 mil por kW. Esse custo pode até ser inferior, em termos reais, do que o custo de capital das antigas usinas, mas ainda representa o dobro do custo de capital para uma usina térmica. O resultado disso tudo é que mesmo sendo hoje em dia mais baratos, os projetos nucleares de maior segurança continuam sendo mais caros.
Os investidores não estão muito entusiasmados. A agência de classificação de risco Standard & Poors declarou recentemente que: –O legado da indústria referente ao crescimento dos custos, problemas de ordem tecnológica, políticas ineficazes e a supervisão dos agentes reguladores e os novos riscos provocados pela concorrência e terrorismo poderão manter o risco de crédito em patamar muito elevado, sendo difícil de ser superado. Parte do problema é que as usinas nucleares são vistas como muito cheias de caroços e muito incertas do ponto de vista de investimento. Uma usina de mil MW poderia custar US$ 2 bilhões e levar até cinco anos para ser construída. Uma planta de carvão de mesmo tamanho custaria cerca de US$ 1,2 bilhão e sua construção levaria de 3 a 4 anos, enquanto uma planta de ciclo combinado de gás de mesmo tamanho custa em torno de US$ 500 milhões e demora menos de dois anos para ser levantada e entrar em atividade.
O risco político representa outro problema. A conexão entre energia nuclear e armas prejudica o negócio. A Westinghouse estava participando da negociação de um contrato chinês concorrendo com empresas francesas e russas. Porém, o congresso temeroso em dar a China acesso à tecnologia nuclear, votou contra a concessão de um empréstimo à empresa de US$ 5 bilhões pelo Banco de Importação e Exportação dos EUA. (The Economist, 16/7)