Geógrafo gaúcho estuda lixo antártico
2005-07-12
O manejo dos resíduos produzidos pela Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), base brasileira na Antártica, áreas de refúgio, acampamentos e navio oceanográfico Ary Rongel, no continente antártico, é feito pelo Programa Antártico Brasileiro (Proantar) atendendo às diretrizes internacionais de prevenção de impacto ambiental estabelecidas pelo Tratado Antártico (1959) e pelo Protocolo de Madri (1991).
Desde a metade dos anos 90 há um esforço técnico-científico-econômico do Proantar para adequar as atividades brasileiras no continente austral a essas diretrizes. Já quando o lixo antártico chega ao território nacional não se constata o mesmo compromisso com o gerenciamento. Existe até desconhecimento sobre o tipo de resíduos, manejo e destinação final desse material. Essa é uma das conclusões da pesquisa intitulada Gerenciamento do lixo antártico no território nacional: Conflito Ambiental?, feita pelo geógrafo Rogério Gandra, em 2001/2003, para sua dissertação de mestrado em Geografia (análise ambiental e territorial) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O estudo deste tema foi motivado por um incidente ocorrido no Porto Novo de Rio Grande em março de 2000. Na ocasião, ao retornar da XVIII Operação Antártica, o Ary Rongel descarregou em torno de uma tonelada de lixo vindo do continente gelado. E esse material foi impedido de sair do porto. Classificado como lixo naval, deveria ser incinerado ou esterilizado. Houve uma polêmica envolvendo a Vigilância Sanitária, o Ibama, a Fepam e a Superintendência do Porto (Suprg). Depois, o Ibama autorizou a liberação do material para ser reciclado ou incinerado na Estação Naval de Rio Grande.
Esse fato originou o questionamento sobre a existência ou não de um gerenciamento efetivo no território nacional e até que ponto poderia estar havendo conflito com a legislação ambiental brasileira. - O incidente deixou claro que era preciso uma discussão entre a legislação ambiental brasileira e os interesses geo-políticos no Proantar -, observou Gandra. Por ser o primeiro trabalho sobre o tema, foi preciso garimpar informações no Proantar e órgãos ambientais. Os dados levantados mostraram que, em relação ao manejo no território brasileiro, tendo Rio Grande como base, há uma certa impotência de parte dos órgãos ambientais em enquadrar o gerenciamento na legislação ambiental brasileira. A impressão, segundo Gandra, é de que o lixo antártico, talvez por sua peculiaridade, seja objeto pertencente ao Proantar, cabendo só a este qualquer questionamento ou gerenciamento desses resíduos.
Conflito
As informações referentes à natureza e a quantificação do lixo antártico só estão disponíveis a partir da Operação Antártica 1995/1996. Esse resíduo, segundo o pesquisador, como qualquer produto da atividade humana, é capaz de causar desequilíbrio no ecossistema do estuário da Laguna dos Patos. No entanto, essa capacidade, dependendo da forma como o Proantar fizer o manejo desses resíduos, pode nem se manifestar. Entre o material retirado do continente antártico de 1995 a 2000, estão resíduos de lubrificantes, combustíveis, plásticos, alumínios, produtos de papel, vidros, de incineração, metais diversos, borracha, isopor, madeira, PVC, panos, baterias e resíduos biológicos. Ele tentou e não conseguiu traçar o caminho desse lixo no Brasil.
- Considerando o rol de atividades condicionantes ao Estudo de Impacto Ambiental, previstos na Resolução Conama 005/93, percebe-se que o manejo do lixo antártico no território nacional, por envolver o processamento e o destino final dos resíduos, também deveria ser submetido a um processo mais profundo de avaliação de impacto ambiental -, ressaltou. Conforme ele, a ausência de uma publicidade maior a respeito do gerenciamento no País, contraria os pressupostos da Resolução número 44/228 da Assembléia Geral da ONU, de 22 de dezembro de 1989. Para o autor do estudo, apesar de não se definir uma situação visível de impacto ambiental, a possibilidade do conflito ambiental em si é real, em especial quando se invoca a legislação ambiental brasileira. - E conflitos futuros não estão totalmente descartados, principalmente quando se observa que a maioria dos resíduos antárticos têm apresentado crescimento linear e ultrapassado muito, em percentual, o incremento dos resíduos gerados no próprio município -, salientou. Entre 1995 e 1996, o total do lixo retirado da região antártica pelo Brasil correspondia a 2.245 quilos. Em 1999/2000, chegou a 21.580 quilos. O incremento foi de 861%, superando a estimativa de crescimento dos resíduos gerados em Rio Grande para o período de 2000/2010, que está em torno de 12%. Gandra considera inegável a legitimidade e a importância do Proantar como projeto de desenvolvimento e uma conquista da própria sociedade. O que ele questiona é a forma contraditória de gerenciamento do lixo na área do Tratado Antártico e no território nacional.
Proantar diz que o lixo vai para o Rio de Janeiro
O encarregado da Divisão de Logística do Proantar, Fábio Costa da Silva, informou que todo o lixo vindo da Antártica é levado para o Rio de Janeiro e tratado em aterro sanitário previamente estabelecido. - Não fica nada em Rio Grande porque o município não tem aterro sanitário -, destacou. Ele explicou que na base brasileira na Antártica o lixo já é separado adequadamente e depois acondicionado em contêineres e enviado para o Brasil.
Aqui, segundo ele, o que pode ser reciclado vai para as recicladoras e o restante para aterro sanitário no Rio de Janeiro. O Batalhão de Engenharia de Fuzileiros Navais ajuda na destinação desses resíduos, com viaturas para transporte dos contêineres e deslocamento do lixo para seus destinos previamente estabelecidos. Fábio Costa da Silva diz que o lixo antártico não é diferente do gerado no Brasil e até é menos problemático. Observou que o produzido no Brasil é bem mais impactante ao meio ambiente. - O de lá tem menos periculosidade. Não tem produtos químicos, porque estes produtos não são usados lá -, garantiu. (Agora, 11/07)