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2005-07-11
Sebastião Pinheiro*

Em menos de cem anos vimos todo um modelo de sociedade mundial desenvolver-se à sombra do petróleo, de tal forma que todas as indústrias ligaram-se direta ou indiretamente a ele.

Dispor de energia é a maior de todas as vantagens para se criar e transformar riquezas. No início eram as florestas, importante pela lenha transformada em fogo que permitia a metalurgia dos minérios e que estes se transformassem em espadas, lanças e escudos. Depois a própria madeira se transformava em navios para os grandes descobrimentos e as grandes conquistas militares e mercantis. O crescimento do consumo de energia não tem fim, desde que exista a possibilidade de sua transformação.

A lenha deu lugar ao carvão mineral (linhito, antracito e hulha) e alguns países despontaram como pioneiros, não por tê-lo, mas por saber usá-lo (Grã Bretanha, França, Alemanha e outros). Por mais de cento e cinqüenta anos o carvão garantiu o desenvolvimento das nações, até o surgimento de um outro minério, o petróleo. O minério permitia seu fracionamento fácil na forma líquida e gasosa, o que permitia acelerar com muitíssimo maior velocidade o seu deslocamento fora de vias estruturais e de forma independente. O carvão mineral, representado pela locomotiva era o passado; o petróleo, do automóvel, avião e foguetes, era o futuro.

Os países pioneiros, grandes consumidores de energia perceberam o desafio e disputaram o domínio da nova matriz energética. Obviamente que quem podia explorá-lo no subsolo de seus territórios tinha maiores vantagens. Sorte para o Império Britânico, onde estavam todas as grandes reservas do mundo e sorte também para os norte-americanos em sua relação filial, por possuírem gigantescas reservas em seu território. Em menos de cem anos vimos todo um modelo de sociedade mundial desenvolver-se à sombra do petróleo, de tal forma que todas as indústrias ligaram-se direta ou indiretamente a ele. Isto é muito importante e exige inteligência e força para controlar tamanha riqueza. O binômio Império Britânico e Estados Unidos formam este par com a parceria das coroas holandesa e norueguesa.

Os alemães, por não possuírem petróleo e dele necessitarem para todo o seu parque industrial, tentaram as formas de acesso à nova matriz. A primeira delas foi conhecida como Primeira Guerra Mundial em função da construção do oleoduto Berlim - Bagdá, embora se utilizem outros pretextos deflagrados. A mesma razão escamoteou a Segunda Guerra Mundial, já com uma presença mais marcante dos EUA e uma amplitude de todos os continentes. As alternativas pensadas para evitar o uso do petróleo ficaram escondidas, mesmo em nossas barbas, como, por exemplo, o invento do motor diesel, criado para usar como energia outros tipos de líquidos ricos em energia, como os óleos vegetais. Seu inventor foi assassinado e sua criação pervertida.

Margareth Tatcher recebeu os relatórios sobre mudança climática logo após sua assunção (1976) e as medidas começaram a ser tomadas imediatamente; o petróleo tinha sua funcionalidade comprometida e seus dias estavam contados. Desde então a formatação de uma política energética mundial é elaborada cuidadosamente e implementada com a diplomacia necessária pelos organismos da Ordem Mundial. Quando, em 1973, os ditadores brasileiros criaram o pró-álcool, o fizeram por interesse direto das indústrias e capitais multinacionais. O programa nacional de álcool não trazia perdas ou comprometimentos à matriz energética. Por isso, mesmo o pró-álcool, cujos beneficiários tinham, até mesmo, uma Escuderia de Fórmula 1, não serviu para dar autonomia energética e antes de ser deixado de lado provocou uma grande concentração da propriedade da terra no Brasil com a monocultura do açúcar. Nós somos muito inteligentes, criativos..., mas não temos memória do que fazemos.

No Rio Grande do Sul, tivemos dois empreendimentos gigantescos: o primeiro para produzir cana de açúcar e transformar em álcool em Capela de Santana, onde até a Usina foi construída e milhões de dólares investidos. Uma fraude catastrófica, hoje é assentamento de Reforma Agrária. O segundo, era ainda mais tenebroso, uma Usina de álcool a partir de mandioca. Aliás, este era o projeto original de interesse da grande estatal brasileira de petróleo. Tudo instalado, mas não produziu nem um litro de álcool. Por que não se fala sobre estas safadezas das elites gaúchas.

Ambos projetos no território do RS enterraram milhões de dólares e defraudaram milhares de pessoas. Naquela época a mandioca, por suas características de ser uma planta nativa do Brasil e de pequena propriedade com uma maior necessidade de mão de obra e muito maior rendimento, foi adotada como matéria prima para a produção de álcool. Contudo, para que o amido da mandioca fermentasse era necessário sua hidrólise, que é obtida por meio de calor (cozimento) o que torna o processo menos equilibrado do ponto de vista termodinâmico.

Em 1981 chegou uma leva de chineses na Alemanha Federal, eram ex-guardas vermelhos afastados do país para cursos na longínqua Alemanha. Como castigo eram obrigados a repatriar 50% do valor da bolsa de estudos alemã que era de 1.200 marcos. Não tinham dinheiro para nada. Fiz amizade com um deles que fora ministro de província e era engenheiro agrônomo. Eu cortava o cabelo dele, pois ele não tinha recursos e eu não tinha vontade de pagar um corte de cabelo mais de 250 reais. Estivemos, ainda, no mesmo Instituto de Pesquisas, muito famoso por desenvolver o combustível das Bombas Voadoras V2. Depois de um tempo de convívio o amigo chinês perguntou-me sobre o que fazia ali. Contei-lhe que havia sido contemplado com bolsa para ficar longe em função da nossa luta pela Lei Estadual e Lei Nacional dos Agrotóxicos, que não era de interesse das empresas e ditadura brasileira. Ele, muito simples, contou sobre sua derrota política e exílio, mas reafirmou que estava atrás das enzimas para hidrolisar o amido da mandioca ou batata-doce e transformar em álcool sem gasto de energia e afirmava que a Hoechst tinha essas enzimas. Não sei se ele conseguiu, mas aprendi a importância da biotecnologia com o guarda vermelho.

A inteligência britânica estabeleceu a solução para a Mudança Climática: as empresas geradoras de poluição deverão pagar pela poluição que geram, através do resgate de Certificados de Seqüestro de Carbono, em poder dos países pobres que os receberam como serviços, por atividades de fixação de gás carbônico e produção de óleos vegetais e celulose de fotossíntese. Com sua mistura aos combustíveis fósseis, as empresas estão liberadas para comercializar as mesmas quantidades de combustível, pois está fixando uma parte substancial dos efluentes gerados pelos mesmos através do pagamento dos certificados. Obviamente que a venda de serviços de certificação e a adoção de políticas pelos organismos multilaterais, também está concatenada e imbricada. Isto vai ocupar mais terras, já escassas para a produção de alimentos, mas não é um problema, aliás, é uma solução, pois quanto menor o número de produtores de alimentos, melhor é para as grandes empresas internacionais que industrializam alimentos e o produzem em escala planetária. Os governos nativos estão contentes, pois a política do Banco Mundial vai injetar milhares de milhões de dólares na sua combalida economia. Alguns querem viabilizar o óleo de mamona e outros óleos de extrativismo, mas não se dão conta que a produção de óleos vegetais está nas mãos da coroa britânica, através de seu cartel de Londres.

Nós podemos querer produzir mamona em assentamento de Reforma Agrária, como se fazia na década de 30 no Rio Grande do Sul, mas para a economia dos óleos vegetais isso servirá apenas como referencial de preço mínimo e eles, pela escala, ganham muitíssimo mais e não há competição. O preço da mamona do assentamento servirá para garantia da margem do óleo de soja produzido em escala planetária e com toda a cadeia produtiva de agronegócios nas mãos da Cargill. Ela tem tudo preparado desde antes do início da Rodada Uruguai; a política de dendê no mundo passa por Unilever e ambas, mais Bunge e ADM, dominam a matriz energética, pela qual morreu Rudolf Diesel e a Alemanha já perdeu duas Guerras. O pior não é isso, é que os pequenos agricultores vão continuar a viver de cesta básica, abastecendo-se nos supermercados, assim como a merenda escolar será rica em produtos protéicos elaborados com soja de biodiesel. E nós nem saberemos onde fica a Usina de Álcool de Mandioca de Carazinho e a Usina de Álcool de Cana de Açúcar de Capela de Santana e Nova Santa Rita, que morreram virgens. (Eco GÊNCIA, 11/07)

Sebastião Pinheiro é engenheiro agrônomo e florestal , autor de vários livros, entre os quais Agricultura Ecológica e a Máfia dos Agrotóxicos e Cartilha Sobre Transgênicos.

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