Relatório diz que Mitterrand aprovou afundamento de navio da Greenpeace
2005-07-11
Há 20 anos, o Serviço Secreto Francês colocou
minas no casco de um navio do
grupo ambientalista Greenpeace, enquanto a embarcação
estava ancorada num porto da Nova Zelândia, e
explosões fizeram amplos buracos nela. O afundamento
do Rainbow Warrior (Guerreiro do Arco-íris) tentava impedir os protestos contra os
testes nucleares franceses no Atol de Mururoa, no Pacífico. As explosões mataram o fotógrafo da Greenpeace, Fernando Pereira, lembrado no último dia 9/7 em manifestações em Auckland (NZ) e Paris.
Muito dessa deliberada sabotagem do governo francês
tornou-se conhecida graças à tenaz perseguição do caso
pela imprensa daquele país. Mas no sábado passado
(9/7), exatamente 20 anos após a operação, o jornal Le
Monde acrescentou um outro capítulo intrigante ao
publicar o que chamou de contabilidade dos eventos
escrito pelo homem encarregado dos planos.
O administrador Pierre Lacoste, antigo líder do
Diretório Geral de Segurança Externa da França, o
serviço de inteligência externo, disse que, em um
relatório de 1986, ele pessoalmente obteve aprovação do então presidente François Mitterrand para afundar o navio. Relatórios da imprensa francesa e livros
haviam dito antes que Mitterrand estava informado
sobre o avanço das operações do Rainbow Warrior, mas
não citou fontes. Le Monde agora acaba de publicar
longos trechos, palavra por palavra, sobre o que ele
denomina de um relatório de 23 páginas, manuscrito,
escrito por Admiral Lacoste, o qual permanceu secreto
até agora e nunca circulou dentro do governo.
O texto possibilita raros momentos de reflexão sobre
as operações secretas do governo francês, planos de
sua negativa e subseqüentes tentativas de encobrir o
caso, bem como o apelo de ignorância por elevados
oficiais, incluindo o próprio presidente Mitterrand.
Dando uma página inteira ao caso, a matéria publicada
no Le Monde começa já na página de rosto, com uma
grande charge de Mitterrand, vestido como um homem-rã,
com o capacete ligado ao oxigênio e com uma bomba
sob um dos braços, contando a crianças de escola uma
história: — Naquele tempo, apenas presidentes
tinham o direito de fazer terrorismo.
Le Monde não diz onde conseguiu o documento, mas
Admiral Lacoste, agora com 81 anos, deu diversas
entrevistas par vários jornais recentemente. Seu
relatório diz que ele discutiu o plano com Mitterrand
— é costume, na França, que líderes oficiais
discutam assuntos e reportem-se diretamente ao
presidente — em um encontro, em 15 de maio de
1985. —Eu perguntei ao presidente se ele estava
me dando autorização para colocar em prática o plano
de neutralização (para o navio) que eu preparei por
requerimento de Hernu, escreveu Lacoste. Naquela
época, Charles Hernu era o ministro da Defesa.
—Ele deu sua concordância enquanto assinalava a
importância dos testes nucleares. Eu não entrei em
grandes detalhes a respeito do plano porque a
autorização estava explícita, acrescentou.
Lacoste disse que o plano que ele discutiu com o
ministro da Defesa envolvia uma pequena explosão para
ter certeza de que a tripulação deixaria o navio, e
então uma Segunda, uma explosão maior, para afundar a
embarcação.
—Enquanto estava pessoalmente reticente, disse,
ele urgiu para que o plano fosse executado, obteve
fundos e informou oficiais sênior.
Mais tarde, conforme Lacoste, os altos oficiais e o
presidente negaram dar a conhecer a questão. —Eu
gostaria de nunca ter lançado tal operação sem a
autorização pessoal do presidente, escreveu ele, no
final do relatório. O afundamento do navio levou à
prisão de dois agentes secretos franceses, na Nova
Zelândia, enquanto o ministro da Defesa e Admiral
Lacoste foram forçados a renunciar. A França também
pagou uma grande soma em indenizações à Nova Zelândia
e ao Greenpeace, que então teve que substituir o navio.
Sábado (9/7), em Paris, uns 500 ativistas da ONG,
procedentes de mais de 20 países, lembraram o 20º
aniversário do afundamento do navio, ocorrido na Baía
de Auckland (Nova Zelândia) por agentes do serviço
secreto francês. Os ativistas formaram o símbolo da
paz junto à Torre Eiffel e, depois, vestidos com
camisetas de diferentes cores, fizeram um grande
arco-íris enquanto era aberto um grande cartaz onde se
lia —Não se pode afundar um arco-íris.
Além disto, eles fizeram um minuto de silêncio em
memória de Fernando Pereira, fotógrafo da Greenpeace
que morreu no atentado, estendendo a homenagem a todas
as vítimas da violência, da guerra e do terrorismo.
—Nenhuma bomba é aceitável. Nem as que afundaram
o Rainbow Warrior quanso ele tratava de evitar os
testes em Mururoa, nem as utilizadas por terroristas,
nem as que Estados Unidos, Reino Unido, França e
outros países mantêm em seus arsenais nucleares,
afirmou a Greenpeace, que trabalha desde a década de
70 por um mundo sem armas nucleares.
(Fontes: New York Times e El Mundo, 10/7)