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2005-07-08
O senhor é a favor ou contra a internacionalização da Amazônia?

Contra. Porque é uma tese sem sustentação teórica e, muito menos, empírica. A justificativa explicita ou velada, sempre utilizada para apoiar essa proposição, é de que a região, por reunir características únicas e excepcionais, não pode estar sujeita à administração de um único país.

Representaria uma riqueza tão fantástica que seria incompatível com a condição de propriedade exclusiva de uma só parte do gênero humano. Dito de outro modo: como laboratório ou biblioteca sem similar e, portanto, impossível de ser reproduzida, a Amazônia não poderia ter seu acesso e uso restrito às pessoas que circunstancialmente nasceram nessa parte do globo que se convencionou chamar Brasil.

Tais argumentos, aparentemente nobres, por apelarem para a supremacia do coletivo sobre o indivíduo, padecem de qualquer correspondência com o mundo real das relações internacionais, apontando para uma fraternidade que só existe nos discursos e conferências, que não sobrevivem além dos salões em que se realizam.

Sendo mais pretexto que justificativa, a tese da internacionalização da Amazônia, ainda que nem sempre de forma explicita, traz também, em algumas de suas versões, o pressuposto da incompetência e irresponsabilidade do Brasil em administrar a relação homem/natureza na Amazônia, permitindo a destruição de patrimônio que deveria ser da humanidade. Também nesse enunciado, o aparentemente razoável, mais do que revelar, esconde. Primeiro é que a relação homem/natureza não está dissociada da relação homem/homem, o que nos remete ao complicado debate de como se dá a produção e a distribuição da riqueza entre os homens, regiões e países no mundo. Só a ingenuidade ou a má fé não permite ver que a forma como se dá a exploração dos recursos naturais da região é decidida muito além de suas fronteiras. Semelhante, portanto, a toda a história de extração de produtos amazônicos, como na época áurea da borracha, cuja maior parte do excedente gerado foi apropriada bem longe da floresta.

Ademais, a tese da internacionalização, ainda que circunstancialmente possa até ser mencionada por pessoas preocupadas com a região, longe está de ser solução para qualquer dos nossos problemas. Assim, escolher a Amazônia para demonstrar preocupação com o futuro da humanidade é louvável se assumido também, com todas as suas conseqüências, que o inaceitável processo de destruição das nossas florestas é o mesmo que produz e reproduz diariamente a pobreza e a desigualdade por todo o mundo.

Se assim não for, e a prevalecer mera motivação da propriedade, então seria justificável também propor devaneios como a internacionalização do Museu do Louvre ou, quem sabe, dos poços de petróleo ou ainda, e neste caso não totalmente desprovido de razão, do sistema financeiro mundial.

Francamente, jamais ouvi discurso sobre internacionalização da Amazônia que, sob o manto do supostamente novo, não tenha, no limite, o ranço do preconceito e a pretensão de manter o status quo no processo civilizatório.

O que deve ser feito para salvá-la?

Em primeiro lugar, compreender claramente que a Amazônia não é almoxarifado nem santuário. Não raramente descrita pelo exótico ou pitoresco, a região tem servido para abrigar visões maniqueístas que refletem muito mais a lente ou mente de quem nos olha do que a realidade regional em toda sua complexidade. Assim, selos como inferno verde e/ou celeiro do mundo, mais do que ajudar, têm contribuído para dificultar a formulação de uma estratégia que permita à região contribuir para o desenvolvimento do País e da humanidade por meio do seu próprio desenvolvimento, reduzindo as desigualdades sociais de forma sustentável, em respeito às gerações futuras.

Nesse sentido, é fundamental entender que se torna cada dia mais difícil falar de Amazônia, sem qualificar as várias mazônias que a compõe, e que se diferenciam cada vez mais pelo processo de ocupação. A corrida rumo ao norte, intensificada pelas políticas públicas marcadas pelos lemas Integrar para não entregar e Para os homens sem terra do nordeste, as terras sem homem da Amazônia, dos anos 1960/70, se por um lado abriu grandes estradas, implantou mega-projetos e permitiu a apropriação de gigantescos latifúndios como reserva de valor. Por outro, sob o mito da terra livre, atraiu grandes levas de população expulsas pela concentração da terra e modernização da agricultura nas outras regiões, transformando a Amazônia em palco de atores sociais diversos com interesses freqüentemente distintos e conflitantes.

Desse modo, se minimizou a tensão nas regiões de ocupação mais antiga, reduzindo momentaneamente a pressão pela reforma agrária, mudou a paisagem regional abrindo uma gigantesca fronteira que não mais parou de atrair novos agentes sociais, muitos apenas com o sonho do enriquecimento rápido através da exploração dos recursos naturais, na velha lógica do saque sobre a natureza.

Desconhecer essa realidade é tão grave quanto não tentar alterá-la. Assim, o que parece fundamental é a urgente necessidade de contrapor a esse processo anárquico de ocupação e uso da região um novo marco, uma nova estratégia, que, sem a ingenuidade e até irresponsabilidade de pretender travar um processo social de tamanha dimensão com ações meramente policiais, ofereça uma alternativa a partir do zoneamento ecológico-econômico de cada unidade federativa.

Tal zoneamento, sem ser panacéia, deverá definir claramente as áreas a serem garantidas para preservação integral, as áreas que só admitirão uso restrito, bem como as de uso intensivo e de recuperação. Com este objetivo, o Pará, após dois anos de exposições e debates com trabalhadores, empresários, organizações governamentais e não-governamentais, aprovou, por unanimidade na Assembléia Legislativa, a sua Lei de Macrozoneamento Ecológico-Econômico, o qual, entre outras coisas, vem, através do mecanismo de compensação, dar eficácia à norma geral que determina que toda propriedade na região deve manter 80% de reserva legal. Regra que, se é um franco exagero e até impossível de ser cumprida nas áreas já alteradas pelo homem, de ocupação mais intensa e desflorestadas - é equivocada para áreas de floresta densa, nas quais qualquer desmatamento, mesmo os 20% legais, pode, e normalmente se transforma, no início de um processo devastador.

Assim, sem cair na armadilha do tudo pode ou tudo é proibido, o zoneamento vem apontar o que, como e onde é possível produzir, para que o desenvolvimento sustentável não seja apenas uma expressão recorrente nos discursos, mas se incorpore à vida das pessoas. Por isso, sem pretender exclusividade, constituí-se num grande instrumento a ser assumido por todas as esferas de governo e iniciativa privada, no enfrentamento de grandes desafios como, inclusive, o da reforma agrária.

O JB Ecológico fez estas mesmas duas perguntas para governadores dos oito estados amazônicos. Infelizmente, apesar das inúmeras tentativas, não conseguimos obter resposta dos governadores de Roraima, Ottomar Pinto, de Rondônia, Ivo Narciso Cassol e de Tocantins, Marcelo Miranda. As respostas dos governadores do Amazonas, Eduardo Braga; do Maranhão, José Reinaldo Tavares; do Mato Grosso, Blairo Maggi; e do Acre, Jorge Viana também podem ser lidas nesta edição do Ambiente Já. (JB Ecológico, 07/07)

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