Artigo: O descanso do mestre
2005-07-07
Por Arno Kayser*
O artigo é uma reflexão do ambientalista Arno Kayser ao passar pelo Rincão Gaia, onde descansa o grande mestre da ecologia gaúcha José Lutzenberger.
- A verdadeira, a mais profunda espiritualidade, consiste em sentir-nos parte integrante deste maravilhoso e misterioso processo que caracteriza Gaia, nosso planeta vivo: a fantástica sinfonia da evolução orgânica que nos deu origem junto com milhões de outras espécies. É sentir-nos responsáveis pela sua continuação e desdobramento.
O lugar é bucólico! Um capão de eucaliptos cheirosos e algumas acácias velhas tomadas de erva de passarinho. Muitas árvores nativas, já com alguma idade, crescendo no meio. Bem no topo de uma coxilha. Perto um banhadinho natural cheio de aves aquáticas. Um jacaré tomando banho de sol e as mamães ratão do banhado cuidando dos seus filhotes. No alto um gavião enorme voando com sua silhueta de senhor dos ares. O silêncio tranqüilo do capão é quebrado somente pelo ruído das caturritas, em seus ninhos, no alto das árvores.
Voltado para o norte, numa pequena clareira no bosque, um semi círculo de pedras redondas, postas no chão, forma o desenho de uma mandala. No centro dela um umbú com cerca de dois metros de altura.
Em volta um semi círculo de pedras maiores à guisa de bancos. Em volta um semi círculo de frutíferas nativas postadas como uma guarda de honra. Na entrada e dentro da madanla canteiros com bromélias e plantas suculentas. Num canto, esculpidos em uma laje de pedra grês, a mensagem que abre este artigo. Parece mentira mas já se passaram três anos do dia em que recebi a mesma mensagem num cartão como lembrança. O dia do enterro de seu autor. Mas tudo ainda está bem vivo na memória de forma clara como a luz matutina e dourada de um dia de frio em meio a pampa gaúcha.
Neste cenário tranqüilo descansa o grande mestre da ecologia gaúcha José Lutzenberger. Ao redor desta coxilha a natureza segue seu curso trabalhando na recuperação da área do Rincão Gaia. Quem vem depois de um bom tempo pode perceber, claramente, o progresso do projeto paisagístico idealizado por Lutzenberger. Também se pode perceber a mão de seus sucessores tocando o trabalho que ele inspirou. A energia do lugar é revitalizadora tal qual o contato com a água gelada de uma fonte que brota das pedras de uma grande montanha. Passar por ali, numa brecha do trabalho de fiscal ambiental em que estou metido nestes últimos três anos, foi uma experiência gratificante. Um momento de reflexão, remotivação e descanso para a alma.
*Arno Kayser é agrônomo, escritor e ecologista. Militante do Movimento Roessler de Defesa Ambiental, de Novo Hamburgo, RS. (Eco Agência, 06/05)