Sistema por satélite aumentou desmatamento ilegal no Mato Grosso
2005-07-04
Um estudo apresentado nesta semana comprova pela primeira vez com números o que ambientalistas e o Ministério Público já vinham afirmando: o sistema de licenciamento ambiental por satélite de Mato Grosso falhou em conter o desmatamento ilegal naquele Estado a partir de 2003, primeiro ano do governo do rei da soja, Blairo Maggi.
Pior do que isso: a derrubada de florestas em propriedades rurais cadastradas no sistema no período 2003-2004 foi 50% maior do que nas fazendas que não estavam licenciadas. O desmatamento em reservas legais de propriedades (que, em tese, são áreas de proteção) foi o triplo do observado em unidades de conservação.
Ambos os números sinalizam que o monitoramento não só não inibiu os produtores rurais como pareceu estimulá-los a desmatar.
- Quem entrou no sistema não acredita que vá ser punido. Ele não se sente inibido, disse à Folha André Lima, do ISA (Instituto Socioambiental), que coordenou o estudo, juntamente com Alícia Rolla. A pesquisa, apresentada na última segunda-feira num seminário sobre desmatamento no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), está disponível no site da ONG www.socioambiental.org.
O sistema de licenciamento de propriedades rurais de MT, conhecido pela
sigla SLAPR, era até 2003 considerado um exemplo para a Amazônia. Montado
com recursos internacionais, ele ajudou a reduzir o desmatamento no Estado
em 36% em 2001 e 2002. Em 2003, o índice explodiu de 0,7 milhão de hectares
para 1,8 milhão, sem que houvesse uma mudança no sistema que justificasse.
No período 2003-2004, segundo dados do Inpe, Mato Grosso respondeu por 48%
do desflorestamento na Amazônia Legal.
Big Brother - O SLAPR funcionava como uma espécie de grande irmão: para
receber uma licença ambiental, os fazendeiros eram obrigados a apresentar
todos os anos à recém-extinta Fema - Fundação Estadual do Meio Ambiente uma
imagem de satélite de suas propriedades, mostrando a reserva legal e a área
a desmatar - até 20% de cada propriedade, no caso das regiões de floresta.
A Fema também possuía uma base de dados com imagens de satélite de todas as
fazendas cadastradas, atualizada anualmente. Se alguém desmatasse onde não
podia, o crime ambiental aparecia na imagem. Os fiscais já saíam para a
vistoria com as multas prontas, o que ao mesmo tempo evitava a corrupção e
permitia que um número reduzido deles vistoriasse todo o Estado.
O estudo do ISA faz parte de uma pesquisa maior, encomendada pelo Ministério
do Meio Ambiente, que busca justamente avaliar a eficácia do sistema. Para
produzi-lo, Lima e seus colegas tiveram acesso à base de dados da Fema.
Foram analisadas 6.116 propriedades, cadastradas no sistema entre 2001 e
2004.
A análise revelou uma explosão do desmatamento em 2003. O corte raso só em
reservas legais no período representou 31% de todo o desmatamento em
propriedades cadastradas no sistema. Do total de desmate em reserva legal
entre agosto de 2003 e agosto de 2004, 48% ocorreu em propriedades
licenciadas em 2003.
A análise não levou em conta averbações irregulares de reserva legal, ou
seja, a concessão de autorizações para desmate de 50% de propriedades em
área de floresta, que contraria a lei federal e é objeto de uma Ação Civil
Pública do governo federal contra a Fema.
A análise do ISA constatou ainda que falta transparência no sistema - e a
impunidade grassa. — O Ministério Público do Estado não tinha uma ação
criminal por desmatamento ilegal até o ano passado - diz Lima. — As multas
não são aplicadas, quando são demoram até seis anos para serem pagas e
várias multas altas são convertidas em advertências - afirma. Segundo Lima,
esta última prática também aconteceu antes do governo Maggi.
Outra conclusão do estudo é que os ativos florestais - ou seja, as áreas
passíveis de desmate mas que são mantidas como floresta - estão sumindo em
ritmo acelerado: 23% deles viraram cinzas só entre 2003 e 2004. Já o
passivo, ou seja, o que foi desmatado acima de 20% das propriedades, cresceu
16,7% em 2003 - equivalente ao o crescimento somado dos três anos prévios.
Se a tendência permanecer, diz Lima, a compensação florestal, mecanismo pelo
qual um fazendeiro com passivo compensa seu desmate em excesso pagando seus
vizinhos para manter as florestas em pé, estará comprometida em menos de
cinco anos. — É recomendável que o Estado adote medidas urgentes para
viabilizar a compensação de reservas legais entre propriedades rurais, antes
que todo o ativo florestal desapareça - conclui o estudo.
O governo de Mato Grosso diz que o sistema funciona, mas que a fiscalização
no Estado não conseguiu acompanhar o aumento na produção. O governador
Blairo Maggi atribui o salto no desmatamento à elevação do preço dos grãos -
em especial a soja - no mercado internacional. Afirma também que o Estado
notificou mais de 90% dos produtores rurais que desmataram irregularmente no
período 2002-2003.
(Folha Online, 01/07)