Geleira suíça será embrulhada para não derreter
2005-07-04
Nos próximos meses, os visitantes da paradisíaca Andermatt, um dos destinos de sonho dos esquiadores nos Alpes suiços, provavelmente vão achar que estão no cenário de um filme de ficção científica. Eles irão encontrar a geleira de Gurschen – a 2.222 metros acima do nível do mar – coberta por uma manta feita de uma espuma de PVC. Tudo para deter o seu derretimento durante o verão europeu.
A embalagem é uma solução extrema e local para um velho problema universal, o futuro da água doce no planeta. Cerca de 70% dos recursos hídricos potáveis estão armazenados nas geleiras do planeta. Só falta amarrar o laço de fita e despachar de presente para as gerações futuras.
O trabalho foi realizado por cientistas suiços, utilizando técnicas de esqui e alpinismo. Além de proteger a geleira do derretimento, a ação pretende salvar da falência a estação de esqui na montanha Gemsstock, localizada no coração dos Alpes. Logo depois do final de um inverno com pouca neve, os cientistas estenderam um colchão térmico artificial, com espessura de meio centímetro, sobre uma área inicial de 3 mil metros quadrados, que vai da estação final do bondinho turístico, no alto da montanha, até o começo da pista, mais embaixo. Ele tem a capacidade de refletir os raios ultravioleta do sol e provoca uma sombra sobre a capa de gelo. A cobertura de poliéster e polipropileno será retirada apenas no fim do outono, com a temperatura mais baixa. – Se a experiência der certo, o mesmo método vai ser utilizado numa superfície bem maior na próxima temporada – afirma o responsável pelas pistas da estação, Carlo Danioth.
A idéia é embalar a geleira para preservá-la dos efeitos do calor excessivo que deve reduzir em até 75% a quantidade de neve derretida. O manto especial é da cor do gelo, e pode ser reutilizado e custou aos cofres da estação 83.000 euros.
Desde a última pequena glaciação, em 1870, as geleiras dos quatros cantos do planeta estão se recolhendo, ou seja, se liquidificando rapidamente. O principal motor desta passagem acelerada da água no estado sólido para o líquido é o efeito estufa. O aquecimento global provocado pela queima de combustíveis fósseis aumenta a temperatura média da Terra em 0,6 grau Celsius ao ano. Uma geleira nasce com o acúmulo de neve em altitudes elevadas. A lei da gravidade vai empurrando para baixo a massa de água congelada até ela perder força nas suas áreas mais baixas, por conta das temperaturas menos frias.
A falta de neve compromete o ciclo natural do avanço do recolhimento das geleiras. Ela cancela o primeiro e promove o segundo em toda a extensão da cadeia alpina ao longo de oito países - Eslovênia, Liechtenstein, França, Áustria, Alemanha, Itália, Suiça e Mônaco.
De acordo com os pesquisadores do Instituto Internacional para Estudos da Neve e Avalanches (Iiena), com sede na cidade suíça de Davos, o futuro dos Alpes será marcado por um aumento da precipitação de chuva, maior umidade e, conseqüentemente, uma drástica diminuição das nevascas. Segundo dados do Programa Europeu dos Alpes do WWF, a maior organização ambiental do mundo, as geleiras alpinas foram reduzidas a um terço do que eram há 150 anos.
O problema não respeita passaportes ou nacionalidades. A geleira Tschieva, em Engadina (Suiça), recuou 1.100 metros nos últimos cem anos. As geleiras de Hintereisferner (Áustria), Sarennes (França) , e Gries (Suiça), perderam cerca de 14 metros de espessura desde 1960, o equivalente a um prédio de cinco andares. A criação de lagos efêmeros e o surgimento de cascatas antes da hora são algumas das consequências mais visíveis do processo. Na Itália, há três anos uma enorme poça com quatro milhões de metros cúbicos de água se formou em Macugnaga, exatamente sobre as cabeças de milhares de habitantes das cidades aos pés do Monte Rosa. Para evitar uma tragédia ela foi esvaziada com bombas elétricas.
Segundo dados da Universidade de Zurique, as geleiras suiças perderam 18% da sua superfície somente nos últimos 15 anos, contra apenas 1% entre 1973 e 1985. Pelo andar da carruagem, até o ano de 2050, vão desaparecer por completo, deixando no seu lugar um caminho de rochas soltas, sem equilíbrio, além de cidades-fantasmas que antes viviam do turismo.
As informações acendem o sinal de alerta, já que as geleiras alpinas são as principais fontes hídricas da Europa. A água doce alimenta rios como o Reno e o Danúbio. Além disso, elas representam um importante instrumento da natureza para impedir o desmonoramento das montanhas. De acordo com a Comissão Internacional para a Proteção dos Alpes (Cipa), a temperatura na região dobrou em relação à média global. Em setembro do ano passado uma grande pedra se desprendeu da parede da geleira Gurschen, colocando em risco a infra-estrutura da estação de esqui de Gemsstock e a vida dos seus frequentadores. Antes de se soltar ela estava imóvel sob uma língua de gelo coberta de neve. Com o encolhimento da geleira a capa protetora também sumiu, deixando, a rocha descoberta e instável. Outro fenômeno provocado pela instabilidade do terreno é o risco de avalanche. De acordo com as análises do Instituto Internacional para Estudos da Neve e Avalanche, que uma frente de pode descer a montanha a uma velocidade máxima de 300 Km/h, exercendo uma pressão de 120 toneladas por metro quadrado (o equivalente a 30 elefantes num metro quadrado), engolindo tudo o que houver pela frente.
A tentativa de evitar o desaparecimento da geleira Gurschen com uma capa de PVC está sendo acompanhada por membros do Instituto Federal Tecnologia da Suíça e por cientistas de outros países da Europa, Estados Unidos e da Nova Zelândia. Com o Protocolo de Kyoto ainda engatinhando, cada país está buscando uma solução caseira para resolver os problemas do seu quintal.
Um pesquisador do Zimbábue está projetando cobrir as poucas geleiras remanescentes do Monte Kilimanjaro com plástico de bolhas de ar, igual às embalagens usadas para proteger materiais frágeis. Os ambientalistas não acreditam na eficiência dessas medidas paleativas. No caso da geleira de Gueschen, o WWF emitiu uma nota oficial contrária à colocação de um esparadrapo tóxico na geleira para realização de uma ineficaz estratégia como aquela de esvaziar o mar com uma colher de chá. Além disso, segundo os integrantes da ONG, o PVC é nocivo para o meio ambiente. As autoridades de Andermatt se defendem ao afirmar que se polui muito mais a natureza com litros de óleo utilizados para criar a neve artificial e colocar em movimento a máquina de terraplanagem nas pistas, numa tentativa de recompor a montanha todos os anos.
O inverno de 2005 foi marcado pela baixa precipitação de neve e o baixo movimento na estação. As pistas de baixa altitude seriam inutilizáveis se não fosse a neve artificial. Mas esquiar assim é o mesmo que jogar futebol num campo de grama sintética. Na Itália metade das estações podem estar com os dias contados porque estão a cerca de 1.300m, entre elas, as famosas Cortina da Ampezzo e Coumayer. Por isso muitos investidores estão pensando em criar estações de esqui em áreas cada vez mais elevadas. Um francês está montando uma no teto do mundo: o Himalaia, a 4.400 metros acima do nível do mar, na região indiana de Kashmir. Na Europa a tendência é a mesma, mas enfrenta uma grande resistência dos ambientalistas. Incrustados nos Alpes, os suiços não têm para onde correr. O cenário não é dos melhores, ainda que a paisagem seja uma das mais belas do velho continente. (Galileu, julho/2005)