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2005-06-29
O desmatamento recorde na Amazônia pode ter um lado positivo: mercados internacionais de carne e grãos estão começando a usar o fator ambiental como barreira não-tarifária aos produtos brasileiros, o que pode forçar o agronegócio a cumprir a lei se quiser continuar exportando para esses mercados.

A aposta é de um grupo de pesquisadores liderado pelo ecólogo americano Daniel Curtis Nepstad, do Ipam - Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e do Woods Hole Research Center, nos EUA. Nepstad, diz que os ambientalistas estarão perdendo uma grande oportunidade se não usarem forças de mercado para controlar a destruição da floresta.

Em um artigo submetido ao periódico Conservation Biology, resumido na página do Ipam na internet (www.ipam.org.br), o americano e seus colegas apontam que a dinâmica do desmatamento está cada vez mais dependente de teleconexões econômicas - como o aumento na demanda chinesa por carne e grãos, a erradicação da febre aftosa, a doença da vaca louca e uma possível queda de subsídios agrícolas nos EUA e na União Européia.

— Na década de 1980 e na de 1990, o desmatamento avançou muito em razão da política pública brasileira - disse Nepstad à Folha. — Hoje há uma novidade importante, que é o peso da economia mundial entrando na Amazônia por conta da commoditização da carne e da soja - afirmou.

Os pesquisadores dizem que a agricultura mundial passa por uma transição que deverá ter um impacto significativo sobre as florestas tropicais, em especial as brasileiras - maior reserva de terras agricultáveis do mundo. Além de um potencial aumento na devastação, essa transição para uma agropecuária industrial poderá, ainda, aumentar a dependência da região de alimentos produzidos fora da Amazônia ou do cerrado, já que a agricultura familiar (...) será substituída pela produção de carne e soja para a exportação - diz o artigo.

O lado bom dessa tragédia é que, diz o grupo, alguns mercados já estão justificando o boicote às commodities brasileiras devido a fatores ambientais e trabalhistas.

— Alguns dias depois do anúncio dos 26 mil quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia, saiu nos jornais da Europa que a Irlanda estava articulando um boicote à carne brasileira - lembra Nepstad. — O engraçado é que, meses antes, os produtores da Irlanda já estavam reclamando do baixo preço da carne brasileira entrando no mercado irlandês – afirma. A Suécia também sinalizou, em 2004, que limitaria importações de soja brasileira que não cumprisse critérios de preservação.

No Brasil, empresas como o Pão de Açúcar já começam a buscar fornecedores de carne que procurem cumprir critérios mínimos de qualidade ambiental - embora esta tenha descoberto, neste ano, que um de seus fornecedores usava trabalho escravo. E até o governo do Estado de Mato Grosso, tradicionalmente famoso por seu desprezo em relação a temas ambientais, deve iniciar até o final deste ano um processo de certificação de propriedades rurais.

Nepstad admite que a estratégia de usar os mercados como fator de controle ambiental ainda não está consolidada e que as evidências desse potencial são dispersas. Tampouco há garantia de que o setor produtivo venha a se alinhar com os defensores da floresta e tomar medidas simples - como por exemplo cumprir o Código Florestal brasileiro, que limita em 20% o desmatamento legal na Amazônia. Mas afirma:

— Quando grandes associações de produtores começam a enxergar o cumprimento do Código Florestal como cartão de entrada nos mercados europeus, que vão pagar preço maior, então poderemos em curto espaço de tempo reverter a tendência de descumprir a legislação. (Folha Online, 28/06)

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