Mitos e verdades do Aqüífero Guarani
2005-06-28
Nos últimos anos, popularizou-se a versão de que existe um imenso mar subterrâneo de água doce no Brasil, chamado Sistema Aqüífero Guarani (SAG), que começa no Mato Grosso do Sul, estendendo-se por Goiás, Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, até o Paraguai, Argentina e Uruguai. Seria tanta água nesse reservatório natural, dizem, que teria a capacidade de abastecer o mundo inteiro por 2.500 anos! A última estiagem avivou as especulações sobre o aproveitamento deste manancial no Estado.
Um estudo recente do geólogo gaúcho José Luiz Flores Machado, porém, traz revelações surpreendentes, pois mostra que o verdadeiro Aqüífero Guarani é muito diferente do que foi dito até agora, com menos água e mais problemas. Ele descobriu, em resumo, que o famoso aqüífero não é contínuo, é constituído de vários aqüíferos, com quantidades e qualidades diferentes de água em cada um.
Em pelo menos 50% da área do aqüífero no RS, acrescenta, especialmente onde ele se encontra a grandes profundidades, a água in natura não serve para o abastecimento público, nem para irrigação ou indústria, devido ao grande volume de sais e outros elementos nocivos. Tudo isso, a profundidade e a qualidade nem sempre boa, tornam muito cara a utilização do AG para abastecimento. Contudo, a temperatura das águas mais profundas é bastante elevada, podendo servir ao turismo em estações termais, sugere.
Apresentada em março como tese de doutorado na Unisinos a uma banca de especialistas no assunto, a pesquisa foi aprovada com louvor, recebendo nota 10 dos três examinadores. Formado pela Ufrgs, Machado fez especialização em hidrogeologia na Espanha e é funcionário da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) do Ministério das Minas e Energia. Ele levou quatro anos e meio para realizar este trabalho sobre o Sistema Aqüífero Guarani (SAG) no Rio Grande do Sul.
O geólogo avaliou e mapeou as águas de 181 poços tubulares da Corsan, CPRM, Petrobras, Paulipetro e de empresas particulares. Secundariamente, utilizou também imagens de radar, imagens de satélite, fotografias aéreas do Serviço Geográfico do Exército e perfilagens geofísicas de outros poços, que complementaram as informações. Machado começou a pesquisa dividindo o Estado em quatro blocos, de acordo com a influência de falhas geológicas de grande extensão: Compartimento Oeste, Compartimento Central - Missões, Compartimento Leste e Compartimento Norte - Alto Uruguai. - A primeira conclusão da pesquisa foi que o Sistema Aqüífero Guarani é compartimentado em blocos, sendo que o maior é o do Norte. Em cada um há um sistema aqüífero diferente, porque, na verdade, são vários lençóis de água e não um único, como a maioria das pessoas pensa - explica o geólogo.
O aqüífero, acrescenta, não é como se fosse um lago subterrâneo, é uma rocha arenosa que acumula a água da chuva em seus poros, a grandes profundidades, como uma esponja. Esta água vem se infiltrando há cerca de 30 mil anos e se move no solo muito lentamente, variando de poucos metros a cerca de um metro por ano. Como a infiltração é lenta, a renovação do manancial também é vagarosa, ou seja, tudo que é retirado do aqüífero leva milhares de anos para ser reposto.
Formação Botucatu
O geólogo diz que o SAG é constituído por diferentes formações geológicas, dispostas em camadas, que têm como característica comum serem rochas porosas, formadas por sedimentos de areia ou argila. Cada camada dessas é um aqüífero, sendo que a Botucatu é a principal, porque é mais porosa, contém mais água e fica no topo. Ela é resultante das dunas de um grande deserto que cobriu a Região Sul há aproximadamente 130 milhões de anos (Período Cretáceo).
Boa parte do Botucatu (70% a 80%) está coberto por uma camada basáltica, conhecida como Serra Geral, formada por lavas de vulcões, que não é porosa e só tem água nas suas fendas. Porém, em certas regiões o Botucatu está na superfície, onde se diz que é aflorante e não tem água. As outras formações, abaixo do Botucatu, foram originadas de ambientes fluviais e lacustres, que são mais argilosas e têm menor capacidade de armazenamento da água. - No geral, as águas são bem melhores para consumo nas regiões Fronteira Oeste, Central e Leste, sendo que no compartimento Norte-Alto Uruguai apresentam a pior qualidade - revela. A área com menos água é a Região Metropolitana. Já no Norte (Alto Uruguai) a água do SAG só é encontrada a grandes profundidades, entre 400 e 1.200 metros, e é salobra.
O curioso é que onde há muita água no aqüífero existem poucas cidades, como na Fronteira-Oeste, e onde há muitas cidades, Região Metropolitana e Serra, tem pouca água no aqüífero. Machado descobriu, ainda, que o Aqüífero não é transfronteiriço como costumam dizer. No caso do Rio Grande, os dados demonstram que suas águas se infiltram e descarregam dentro do próprio Estado, nas suas falhas geológicas ou então em grandes mananciais como o rio Uruguai. - As águas do Sistema Aqüífero Guarani não passam de um país para outro - assegura. Pelo que foi constatado no Rio Grande do sul, continua, pode-se deduzir que no restante do país o Aqüífero Guarani também seja compartimentado e com diferenças de quantidade e qualidade da água. O SAG tem um grande potencial e é muito importante, diz Machado, mas por não ser contínuo nem homogêneo. As suas reservas são menores do que se calculava, por volta de 60% do estimado, no caso do RS: - Não temos tanta abundância, por isso temos que continuar economizando água, o uso racional ainda é a atitude mais sensata - conclui.
Corsan vai abastecer Erechim com água do AG
A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) pretende resolver os problemas de abastecimento de água de Erechim com um poço de 830 metros de profundidade, que vai retirar água do Aqüífero Guarani, com vazão esperada de 200m3/h. A cidade foi duramente castigada pela última estiagem, teve declarada situação de emergência e passou por racionamento. A idéia inicial era fazer a transposição de águas do rio do Cravo para o arroio Ligeirinho, que abastece a barragem da Corsan, mas, com a estiagem, o volume do primeiro caiu a um terço, apenas. - Por isso se optou pelo Aqüífero Guarani, porque a água subterrânea não sofre com a seca, há uma garantia de abastecimento - diz o superintendente de Recursos Hidrográficos e Meio Ambiente da companhia, Carlos Alvim Heine.
O investimento da Corsan é de R$ 1,5 milhão, e a obra, executada pela empresa Hidroingá Poços Artesianos Ltda, de Maringá/PR, deve estar concluída no início de julho. - Já estamos em 480 metros e esperamos atingir o arenito a 700 metros - disse, no início deste mês, o responsável técnico pela obra, geólogo Otto C. Hartleben Jr. Para evitar a contaminação da água, o poço será cimentado – selo sanitário - até 100 metros e serão utilizados tubos especiais que suportam a pressão da profundidade.
Na verdade, mais de 100 municípios gaúchos já são abastecidos pelo Aqüífero Guarani, por meio de poços públicos ou particulares, afirma o geólogo José Luiz Flores Machado. Livramento, Itaqui, Alegrete, Uruguaiana, São Luiz Gonzaga, Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Estrela, Ivoti e Santo Antônio da Patrulha são alguns exemplos. (Eco Agência, 27/06)