Recesso deve atrasar encontro entre índios, ministro e Aracruz
2005-06-28
O recesso parlamentar previsto para julho deve atrasar a audiência pública entre os tupinikim e guarani do Estado, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e a Aracruz Celulose. Segundo a assessoria da deputada federal Iriny Lopes (PT) - que está a frente das negociações para a audiência -, neste caso, os índios só deverão ser ouvidos em agosto, em Brasília.
A assessoria informou que um requerimento para a audiência já foi protocolado em Brasília, mas as listas de presenças exigidas pelas partes foram entregues em cima da hora e que isso deverá atrasar o processo.
A audiência servirá para que os índios expliquem sua posição e sua atitude de retomar as terras através da autodemarcação, como fizeram. Os índios afirmam que nenhuma proposta de negociação dos 11.009 hectares comprovadamente indígenas será negociada com a empresa e que o momento servirá apenas para expor a posição indígena ao ministro e à sociedade. cacique de Caieras Velhas, Jaguareté, disse que em Brasília os índios deverão exigir uma posição do Ministério da Justiça e ainda expor que o ato do ex-ministro Íris Rezende (PMDB-GO) foi inconstitucional, já que deu à Aracruz Celulose poder sobre as terras indígenas, através de uma portaria.
Por falta de recursos devem ir ao encontro apenas a comissão de caciques e poucas lideranças. Os índios contam com o apoio da 6° Câmara do Ministério Público Federal, entidades não governamentais e deputados envolvidos com a causa.
O ato é esperado com ansiedade pelos índios, que afirmam não temer o arsenal de bobagens que a Aracruz irá apresentar para tentar convencer o Márcio Thomaz Bastos. — Nossa luta é legítima, temos documentos. Estamos convictos e não preocupados com as ladainhas que a Aracruz vai apresentar, ressaltou Jaguareté. Os índios sabem que a Aracruz Celulose estará presente com advogados, documentos - segundo eles ilegítimos -, para tentar de qualquer maneira ficar com as terras no norte do Espírito Santo.
Os índios ressaltaram ainda que o próximo passo na luta pela retomada de suas terras só será dado depois que for declarada a posição do ministro da Justiça. —Precisamos dessa definição para nos guiar, mas isso não significa que seremos influenciados. O apoio do ministro é importante, mas com ou sem ele, a luta irá continuar. Não deixaremos mais as terras, frisou. Os índios deverão apresentar a Márcio Thomaz Bastos todo o histórico da luta indígena no Estado. A luta, iniciada no dia 17 de maio deste ano, já é a 3° travada pelos índios para recuperar as terras indígenas que estão sob o poder da Aracruz Celulose.
Lá os tupinikins e guaranis irão apresentar mais uma vez os documentos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que comprovam serem as terras tradicionalmente indígenas, e declarar pessoalmente que a portaria ilegal, assinada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, deve ser revogada o mais rápido possível.
Tais documentos comprovam que 18.070 hectares de terras em Aracruz são tradicionalmente indígenas, no entanto, apenas 7.061 foram homologadas como indígenas. O restante tiveram suas matas destruídas, seu solo exaurido e seus rios poluídos pela multinacional, que deixou os índios ilhados entre seus eucaliptais. Com a certeza garantida pelos seus antepassados e pelos estudos do GT (Grupo de Trabalho) da Fundação Nacional do Índio (Funai), os índios irão exigir que o ministro da Justiça revogue tal portaria e finalmente determine a homologação das terras, em nome da história e do futuro dos povos indígenas Tupinikins e Guarani.
Aldeia
Os índios comemoram nesta terça-feira (28) a inauguração da nova aldeia de Olho Dágua, em Aracruz. A aldeia recentemente retomada pelos índios, estava antes em uma área tomada por eucaliptos. E hoje - apenas 27 dias depois do início da ocupação dos 11.009 hectares - já possui um Opu (lugar onde é realizado os cultos religiosos) e cinco casas que já começaram a ser habitadas por índios das comunidades tupinikim e guarani. Eles também iniciaram a recuperação das plantações de mudas de árvores nativas como o pau-brasil e árvores frutíferas.
Para os índios, a Olho Dágua, que ainda possui uma das únicas fontes de água cristalina que resistiram à degradação da empresa na região, é considerada um símbolo da resistência da natureza, considerada fonte de vida sagrada para os índios. A área havia sido tomada por eucaliptos da Aracruz Celulose durante a ditadura militar e o terreno foi bombardeado por agrotóxico, que contaminou a água e a terra. (Século Diário, 28/6)