Ciência começa a estabelecer com precisão em que medida a poluição causa danos à saúde
2005-06-28
Três estudos americanos acabam de relacionar a grande concentração do ozônio a mortes prematuras por doenças respiratórias e cardiovasculares. Em artigos publicados na última edição da revista científica americana Epidemiology, médicos das universidades Harvard, Yale e de Nova York mostram que a taxa de mortalidade aumenta quase 1% a cada incremento nos níveis de ozônio em dez partes por bilhão, o que equivale a 10 litros do gás em 1 bilhão de litros de ar puro – ou seja, uma quantidade ínfima.
Composto de partículas minúsculas, o ozônio é capaz de inflamar os pulmões em quantidades muito pequenas, bem menores do que as de outros gases. Além disso, ao ser inalado, ele dificulta o transporte de oxigênio pelo sangue. Com isso, o aporte de nutrientes para todos os tecidos do organismo fica comprometido. Os principais problemas associados à alta concentração de ozônio são, especificamente, alergias, rinite, asma, bronquite, enfisema pulmonar e complicações de quadros associados a infartos e derrames. Não é incomum, ainda, que leve à piora em quadros de câncer de pulmão. O ozônio do qual se fala aqui é o mesmo gás daquela camada atmosférica que, entre 10 e 50 quilômetros de altitude, funciona como uma barreira contra a radiação solar. Longe da superfície, o ozônio é benéfico; próximo, é danoso.
O primeiro levantamento científico sobre os malefícios causados por esse gás são da década de 50. Oito anos atrás, quando a Organização Mundial de Saúde publicou as primeiras recomendações contra os efeitos nocivos da substância, não havia provas de que em excesso ela poderia matar. - Sabia-se que ele era danoso, mas não que estava diretamente relacionado a mortes, disse o médico Kazuhiko Ito, especialista em medicina ambiental e pesquisador da Universidade de Nova York. A comprovação tardia da relação entre altos níveis de ozônio e o aumento da mortalidade explica-se pelo fato de que o gás é um poluente de difícil medição e controle. Ele não é emitido por motores, mas é subproduto de várias reações químicas entre diversos poluentes – e o principal acelerador desse processo é o calor.
O aumento da concentração de ozônio no ar é fruto de um paradoxo. Nos últimos dez anos, várias cidades do mundo passaram a controlar a emissão de poluentes. Ao mesmo tempo, muitas dessas medidas favoreceram o aparecimento de outros gases tóxicos. Um bom exemplo é o que aconteceu recentemente com o lançamento dos automóveis com motores que funcionam indistintamente com gasolina, álcool ou com uma mistura em qualquer proporção de ambos os combustíveis. Os carros bicombustíveis, que hoje respondem por metade das vendas no Brasil, de fato diminuíram a emissão de gases tóxicos, sobretudo o monóxido de carbono. Por outro lado, porém, passaram a jogar no ar mais resíduos de álcool, os aldeídos – e os aldeídos são a matéria-prima do ozônio. O paradoxo não pára por aí. O monóxido de nitrogênio, expelido sobretudo pelos motores a gasolina, inibe a formação de ozônio. Conseqüentemente, desde que os níveis de monóxido de nitrogênio baixaram, aumentou a concentração desse outro gás.
O ozônio é apenas um entre a centena de poluentes que infestam o ar das grandes cidades. Há os dióxidos de enxofre e de nitrogênio, o monóxido de carbono e o material particulado, entre os principais (veja quadro). A concentração dessas substâncias tóxicas é alta o suficiente para causar um aumento no número de internações hospitalares e na taxa de mortalidade. Um estudo recente publicado no British Medical Journal revelou que os poluentes atmosféricos aumentam em 5% o processo de envelhecimento cardiovascular e respiratório.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro acaba de concluir um levantamento sobre o impacto da poluição na saúde dos moradores da cidade. O aumento de 1 milésimo de grama na quantidade de poluentes no ar resulta num acréscimo de 3% na morte de idosos e de 4% no número de crianças hospitalizadas. Os prejuízos gerados pela poluição são também de ordem financeira. Segundo dados da Fundação Hewlett, organização americana que investe em projetos de redução de poluentes em grandes cidades do mundo, na região metropolitana de São Paulo gasta-se de 1 bilhão a 4 bilhões de dólares todos os anos com internações hospitalares, mortes, perdas de dias de trabalho e atendimento de emergência.
Nos anos 70, as projeções sobre o impacto da poluição eram catastróficas. Até o fim do século, dizia-se, seria preciso usar máscaras de oxigênio nas cidades para sobreviver a substâncias tóxicas. Ao contrário da previsão dos mais pessimistas, de lá para cá, houve uma redução da poluição atmosférica por causa das medidas de controle de emissão de poluentes – principalmente dos automóveis, a grande fonte da sujeira lançada no ar. Apesar disso, uma outra previsão pessimista acabou se confirmando: mais e mais pessoas sofrem de asma, bronquite, rinite alérgica e doenças do sistema respiratório. E morrem em virtude disso.
A razão é o crescimento exponencial do número de automóveis em circulação. Em menos de trinta anos, a frota de carros brasileira mais do que duplicou. Por causa de tal expansão, o ganho em saúde obtido com veículos menos poluidores não é tão grande quanto poderia ser. Calcula-se que oito paulistanos ainda morram a cada dia em razão dos males causados pela poluição. - Os prejuízos com a fumaça continuam a ser pesados. Hoje, é como se cada paulistano fumasse quatro cigarros por dia, desde que nasceu - diz o patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e um dos maiores especialistas em poluição.
Uma das principais formas de combater a poluição é investir no transporte coletivo, reza a cartilha que todo mundo recita de cor. Diminuindo-se o número de carros particulares, diminui-se também a poluição. Em São Paulo, por exemplo, a frota de 6 milhões de carros particulares é responsável por 77% da contaminação atmosférica. A questão é que, mesmo em cidades com redes de ônibus e metrô eficientes, as pessoas relutam em deixar o automóvel em casa. Os motivos são vários: andar no próprio carro é uma delícia, pode sair mais barato e boa parte dos motoristas se sente realmente mais elevada socialmente quando está ao volante (um dos aspectos mais ressaltados pela propaganda das montadores). Ou seja, não adianta nada ter transporte coletivo em abundância se não se proíbe a circulação de veículos particulares. Esse é o caminho que começa a ser seguido na Europa. Londres, Paris e Roma, entre outras capitais, estão restringindo cada vez mais o acesso dos carros às suas regiões centrais. E a maioria dos cidadãos reclama, sem importar-se com a dose nossa de cada dia de dióxidos, monóxidos e por aí vai.(Veja, 27/06)