Pesquisadores questionam exploração de madeira na Amazônia
2005-06-24
— As árvores com idade comercial para ser exploradas em Manaus variam de 200 a 1.400 anos. Então teremos que dar concessões de 200 a 1.400 anos para as empresas que irão explorar a Amazônia. Além disso, a floresta não é só madeira, existem outras riquezas - alertou o pesquisador Niro Higuchi, da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
Segundo Higuchi, o projeto de lei 4.776/2005 não substitui as leis de proteção das florestas e as justificativas usadas para a aprovação são tendenciosas. As observações foram feitas durante o seminário Gestão de Florestas Públicas, realizado segunda-feira (20/06), no Inpa, pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) e pelo CDH (Centro de Direitos Humanos).
O professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Frederico Arruda, disse que um dos pontos obscuros no projeto é a falta de uma única linha que fale sobre a recuperação de áreas degradadas. - O principal interessado, a sociedade, também não foi ouvido - afirmou, acrescentando que - a idéia não é explorar somente 13 milhões de hectares, mas é de se chegar a 60 milhões - observou.
De acordo com Arruda, os principais responsáveis pela atual situação do projeto de lei são as instituições que não esclareceram a população quanto a importância da questão. - A Ufam, enquanto instituição, ficou muda e surda sobre o projeto de lei, assim como outras universidades da Região Norte. O que há são posições isoladas de professores - disse.
Concessão de florestas polemiza
O projeto de lei define três formas de gestão das florestas públicas para produção sustentável. A primeira cria unidades de conservação que permitem a produção florestal sustentável.
Destina áreas para uso comunitário (assentamentos, reservas extrativistas, áreas quilombolas), e, por fim, permite a realização de projetos de desenvolvimento sustentável e dá concessões florestais pagas, baseadas em processo de licitação. Além disso, cria o Serviço Florestal Brasileiro, que terá como função de administrar o sistema de gestão de florestas públicas e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal.
Modelo adotado
O fundo terá como missão desenvolver tecnologicamente as atividades florestais sustentáveis e as atividades de monitoramento das florestas públicas. Durante o seminário, Higuchi explicou que a parte mais polêmica do projeto de lei é o texto da concessão de florestas públicas para a produção de madeira na Amazônia. - Já foi aprovado pelo Congresso, só falta passar pelo Plenário. Pode passar a vigorar hoje ou amanhã - disse, se mostrando preocupado, porque o modelo adotado em alguns países da América do Sul e na Ásia, não deu certo.
Caminho semelhante
O pesquisador disse acreditar que no Brasil, especificamente na Amazônia, por possuir a maior reserva florestal, também terá o mesmo rumo.
Floresta amazônica é única sobrevivente
- Na Malásia (Ásia) não existe mais florestas primárias. A concessão das florestas públicas não traz benefício para a grande massa, mas sim para as grandes madeireiras, porque é altamente concentrador de renda - afirmou Higuchi. Dados revelam que no Amazonas 75% das terras são públicas, sendo 30% protegidas, 45% não-protegidas e outros 25% são particulares, ou seja, o governo concentra a maior parte das florestas. Com esses dados, o pesquisador questiona se o problema é a grilagem ou a falta de matéria-prima para o mercado internacional? Segundo ele, as reservas florestais no mundo estão acabando e agora só resta a Amazônia. O projeto de lei disponibiliza 3% da região para o manejo florestal nos próximos dez anos. Higuchi argumentou que no lugar da Amazônia poderiam utilizar as florestas estaduais ou municipais para fazer essa experiência e não arriscar perder as riquezas existentes.
Madeireiras irregulares
Niro Higuchi disse que as duas únicas madeireiras certificadas no Amazonas com o selo do FSC (Conselho de Manejo Florestal), foram multadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). Uma foi a Gethal e a outra a Mil Madeireira Itacoatiara. A primeira foi multada em R$ 12 milhões, após inspeção do Ibama-Amazonas. A segunda, em R$ 35,1 milhões por práticas contrárias ao manejo sustentável, ou seja, transportar madeira sem ATPFs, autorização de transporte de produtos florestais, nos últimos anos.
Segundo Higuchi, o manejo florestal verdadeiro passa pela premissa de conservação dos recursos naturais, preservação da estrutura da floresta e manutenção da diversidade biológica. - O que infelizmente não acontece. Falta fiscalização adequada e consistente para poder inibir os grupos ilegais que atuam nessa área. E está relacionado diretamente com o baixo número de funcionários do Ibama e capacitação dos mesmos para executar o trabalho - destacou.
Espécies ameaçadas
Para o pesquisador Luiz Antônio de Oliveira, da CPCA/Inpa (Coordenação de Pesquisas em Ciências Agronômicas), uma das saídas para essa questão seria a capacitação de pessoas sérias para a produção de mudas das espécies ameaçadas. - Madeiras como o mogno, o cedro e a acariquara são muito exploradas. Então vem a pergunta: quem está fazendo a fiscalização? As empresas realmente têm interesse em investir parte dos recursos obtidos na região? - questionou. Oliveira disse que no ano passado, foram desmatados cerca de 37 mil metros cúbicos de madeira, um recorde. Isso aconteceu com uma legislação rigorosa e com os instrumentos tecnológicos disponíveis. - O sensoreamento remoto não tem condições de determinar a retirada de determinadas espécies da floresta e nem monitorar o acesso ao patrimônio genético em grandes extensões - afirmou.
Também participaram do seminário o chefe da Divisão Técnica do Ibama, Virgílio Ferraz; o superintendente do Incra, João Pedro Gonçalves; o sociólogo Luís Antônio Nascimento; Marcílio Freitas, do Departamento de Física da Ufam, além de representantes da CPT e CDH. (Amazônia.org, 23/06)