Falta consenso sobre mudanças climáticas no G-8
2005-06-24
Três semanas antes de sua cúpula, o Grupo dos Oito
países mais poderosos está muito longe de um consenso sobre mudanças
climáticas, segundo um documento oficial reservado sobre o atual estado das
negociações a respeito desse assunto. Esta é a segunda vez que um rascunho
de acordo nessa área entre representantes do G-8 vaza nas últimas semanas.
O texto conhecido no final de maio mostrava coincidências muito frágeis e de
caráter muito geral. O novo rascunho evidencia um conflito desde suas
primeiras quatro palavras: –Nosso planeta está esquentando. Esta frase
figura entre colchetes que indica que não há consenso sobre sua formulação.
O documento foi elaborado pelo governo britânico, e observadores garantem
que a objeção parte dos Estados Unidos. Londres confirmou sua autenticidade,
embora ressaltando que se trata de uma versão preliminar do acordo final. O
primeiro parágrafo também inclui as seguintes frases entre colchetes: –As
academias de ciência afirmaram em junho de 2005 que existe forte evidência
de que está ocorrendo um significativo aquecimento global e que esse
aquecimento já causa mudanças no clima da Terra. Sabemos que o aumento se
deve, em parte, à atividade humana. Portanto, não consenso entre os governo
do G-8 nem mesmo sobre a origem humana da mudança climática.
A maioria dos cientistas concorda que o atual ciclo de aquecimento do
planeta é causado pelos gases que provocam o efeito estufa, derivados,
sobretudo da queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás.–“O
novo texto também não menciona nada sobre quanto dinheiro deve ser gasto
para minimizar o aquecimento do planeta, disse à IPS Catherine Pearce, da
organização ambientalista Amigos da Terra. Esta instituição, uma das mais
importantes do mundo na matéria, vê o documento como uma confirmação da
falta de compromisso de Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França,
Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia na luta contra o aquecimento global. –O
texto anterior reconhecia que se deveria gastar determinada quantia em
dinheiro, marcada como um X, mas agora nem mesmo há referência sobre o
dinheiro, afirmou Pearce.
Para a ativista, é particularmente preocupante a referência à energia
nuclear como zero carvão e a ausência de objetivos, prazos e novos
compromissos. O documento, intitulado Plano de Ação de Gleneagles, tem a
data de terça-feira. Faltando apenas três semanas para a cúpula nessa
localidade escocesa, os ambientalistas vêem pouca esperança de um acordo
significativo. A cúpula acontecerá entre 6 e 8 de julho.
A mudança climática será um dos principais temas do encontro, bem como o desenvolvimento da África. –Qualquer previsão de que a visita do G-8 à Escócia produziria algo relevante contra a mudança climática se evapora rapidamente, disse o
diretor-executivo da Amigos da Terra nesse país, Duncan McLaren.
–O primeiro rascunho deste documento era ruim. O segundo é ainda pior. Os
países do G-8 concentram apenas 13% da população mundial, mas respondem por
45% das emissões de gases causadores do efeito estufa, advertiu McLaren. De
acordo com a formulação do documento, nada consta quanto a agir com
resolução e urgência agora para cumprir com nossos múltiplos objetivos
compartilhados de reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa,
melhorar o meio ambiente global, fortalecer a segurança energética e reduzir
a poluição do ar em conjunto com nossos vigorosos esforços para reduzir a
pobreza. Mas a seguir os colchetes marcam uma discrepância: –Os países
desenvolvidos têm a responsabilidade de mostrar liderança.
Tampouco o parágrafo seguinte apresenta consenso: –Embora sempre haverá
certa incerteza, não podemos nos dar ao luxo de adiar ações se queremos
manejar o risco de uma grande mudança irreversível.
A Amigos da Terra reclama ao G-8 que inclua em seu plano de ação um acordo sobre a evidência científica que atribui a mudança climática em andamento à ação humana, e sobre a necessidade de reduzir as emissões desses gases. Além disso, exige metas específicas, substanciais e com prazos estabelecidos para que os oito
países reduzam suas emissões. A declaração indica que os países do G-8 que
são parte do Protocolo de Kyoto sobre mudança climática devem cumprir seus
compromissos em matéria de redução de emissões de gases causadores do efeito
estufa. Os Estados Unidos não são parte desse tratado.
O Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em fevereiro, obriga as nações
industriais a reduzirem suas emissões desses gases. Mas o governo de George
W. Bush repudiou o documento em 2001 e retirou a assinatura colocada por seu
antecessor, Bill Clinton (1993-2001), alegando que afetaria gravemente a
economia nacional. Os Estados Unidos, com 4% da população mundial, emitem um
quarto dos gases que provocam o efeito estufa no planeta. Somente o Estado
do Texas, que foi governado por Bush (que pertence a uma família com
interesses na indústria do petróleo) supera as emissões anuais da França.
(IPS/Envolverde, 22/6)