Movimentos sociais espanhóis questionam quem deve a quem na área ambiental
2005-06-22
Substituir a dívida externa dos países do hemisfério sul pela dívida ecológica dos países do norte. Esta é a reivindicação de movimentos sociais espanhóis, que exigem a abolição de uma dívida econômica definida por eles como ilegítima, impagável e instrumento de dominação política e social.
–A realidade é que os países ricos do hemisfério norte é que são os grandes devedores do planeta. Primeiro, por terem, durante séculos, destruído, ocupado e se apropriado de grande parte dos recursos e riquezas naturais disponíveis. Segundo, por utilizarem o meio ambiente como depósito de resíduos nucleares, químicos, hospitalares, informáticos. E por último, por terem imposto o mesmo devastador modelo econômico a todos os países colonizados por eles, seja geográfica, política, cultural ou economicamente.
Baseados nesta premissa, na existência de uma dívida ecológica dos países do Norte em relação ao Hemisfério Sul, movimentos sociais da Espanha, especialmente da Catalunha, apresentaram a campanha Quem deve a quem?, em um seminário com o mesmo nome no I Fórum Social Mediterrâneo, na tarde do último sábado (18/6). Como objetivo central, o movimento reivindica a abolição da dívida externa dos países pobres, e tem apoio de organizações sociais e ecológicas européias da Bélgica, Itália, Escócia e Reino Unido, dentre outras.
Utilizando um conceito de justiça ambiental em que todos teriam direito a usufruir da mesma quantidade de recursos naturais, Daniela Russi, do Observatório da Dívida na Globalização, afirma que a campanha não se baseia somente em acontecimentos ocorridos no passado, mas também em um processo atual que está constantemente se agravando. –Prova disso é o gás carbônico emitido todos os dias em quantidade infinitamente superior pelos países ricos e industrializados, mas com efeitos muito mais drásticos nos países tropicais. A biopirataria é um outro exemplo de como a riqueza da biodiversidade tropical é explorada atualmente pelas multinacionais, que se apropriam de seus recursos genéticos e conhecimentos tradicionais e depois a vendem, defendeu a ativista.
Desde os tempos da colônia, segundo Russi, as regras do comércio internacional em vigor hoje continuam totalmente injustas com os países menos desenvolvidos e talvez sejam o mais eficiente recurso utilizado para a manutenção de um sistema que beneficia os países ricos em detrimento dos mais pobres. Baseados na exportação de recursos primários, minerais e combustíveis fósseis, estes não conseguem agregar valor aos produtos que exportam. Por outro lado, precisam importar produtos já manufaturados e, portanto, mais caros. Há que se considerar ainda o enorme passivo ambiental que a produção primária causa nestes países, como a contaminação de solo, águas e ar resultante da produção de alumínio e celulose.
–Desse modo, os países do chamado terceiro mundo não conseguem quebrar o ciclo em que estão inseridos há séculos. Já os países ricos têm a garantia do abastecimento de recursos vindos do sul, como minerais, gás, biomassa, petróleo, grãos, alimentos, etc, tudo importado a baixíssimo custo”, avaliou a ambientalista. Na avaliação dos representantes da campanha Quem Deve a Quem?, existe uma inversão da realidade sobre a questão das dívidas. Para eles, os países do norte são os verdadeiros devedores justamente porque, durante séculos, têm usado a energia e os mais diversos recursos naturais trazidos do sul - na época da colonização ou através das contemporâneas relações comerciais - para alimentar suas necessidades de produção e consumo.
Cartazes expostos no saguão do seminário apresentavam a questão El Sur saqueado. Deuda de quien? (O Sul foi roubado. De quem é a dívida?), que contribui para a compreensão da diretriz da campanha defendida por eles.
Tom Kucharz, membro do Ecologistas em Ação, afirma que a pressão para que os países devedores paguem os juros mensais de suas dívidas externas (adquiridas em empréstimos feitos a bancos e instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) é causadora da crescente miséria no planeta. Já que para cumprir os prazos e as demandas dos credores, os governos cortam investimentos em saúde, educação, moradia e assistência social e abrem as portas para a entrada de multinacionais e de modelos hegemônicos, sem avaliar se eles realmente trarão benefícios econômicos e sociais para a população e o país, assinalou Kucharz. Ele disse ainda que a situação social e econômica destes países se agravou muito quando, a partir das décadas de 70 e 80, os governos adotaram a política do superávit primário, em que é preciso produzir cada vez mais para exportar. O objetivo de obter uma balança comercial favorável através das exportações e da contenção de gastos internos, é o de tentar honrar os compromissos firmados com os credores internacionais. (Agência Carta Maior, 20/6)