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2005-06-21
Na sexta-feira passada(17/06), no decorrer da VII Plenária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, em Minas Gerais, a promotora Luciana Khoury antecipou que o Ministério Público Estadual e Federal, entidades da sociedade civil e do meio ambiente que compõem o Fórum de Defesa do SF, entre elas a OAB, estarão entrando nos próximos dias com uma ação civil pública para pedir a nulidade da licença prévia emitida pela Ibama.

O principal argumento é que a licença precisa de uma avaliação anterior quanto aos diversos impactos ambientais caso o empreendimento aconteça, o que, segundo ela, não foi feito pelo Ibama. A ação vai argumentar que o EIA-RIMA aponta para a necessidade de novos estudos - impactos na flora e na fauna, por exemplo - que não foram realizados de maneira aprofundada.

Será pedida uma liminar para paralisar o processo. Ao mesmo tempo, os promotores da Bacia, reunidos, vão formalizar uma representação junto ao Ministério Público Federal do DF, para que apure as responsabilidades por improbidade administrativa e criminal do ato de concessão da licença prévia em razão da mesma estar em desconformidade com a lei. Na quarta-feira passada, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, mais de mil pessoas participaram do Ato de Defesa da Gestão Participativa e do Pacto das Águas, realizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). O resultado do encontro foi a elaboração de uma carta aberta que será encaminhada ao presidente Lula, assinada pelo Comitê, Governo de Minas Gerais e entidades ambientalistas (leia a carta na íntegra no final da matéria) PV também vai reagir judicialmente

Rompido oficialmente com o Governo Lula desde 19 de maio passado, o Partido Verde começa a criar obstáculos concretos a uma das principais - e mais polêmicas - propostas da atual administração federal. Provavelmente nesta terça-feira, toda a bancada do PV na Câmara dos Deputados estará impetrando, na Justiça Federal de Brasília, um mandado de segurança contra o licenciamento do Ibama ao projeto de transposição do rio São Francisco.

Segundo o vice-líder do partido, deputado Edson Duarte (BA), são várias as sustentações legais para o mandado de segurança. Primeiro, o parecer técnico do próprio Ibama admitiria que o projeto de transposição das águas do São Francisco interfere em áreas indígenas. Nessa circunstância, diz ele, a Constituição Federal preconiza que o empreendimento deve ter a aprovação do Congresso Nacional. No que se refere ao Projeto de Integração do Rio São Francisco às Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional - como foi batizado pelo Governo Federal -, isso não aconteceu. (leia comentários do diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz Júnior, no final desta matéria)

— O Ministério da Integração Nacional alega que a maior interferência é na área dos Pipitã, em Pernambuco, cujo processo de demarcação ainda não foi concluído. Como se um povo indígena só fosse reconhecido a partir disso - questiona o deputado Édson Duarte, para quem a presença dessa tribo remanescente em locais afetados pelo projeto também justificaria estudos de impacto social assinados por um antropólogo. — É uma exigência legal, por parte do Conama, que a equipe responsável pela análise do empreendimento seja multidisciplinar e que atenda a todas as suas necessidades - diz o parlamentar, lembrando a presença, também, de quilombolas na região a ser atingida pela transposição, outro dado a demandar conhecimentos antropológicos.

Mais um ponto que fornece subsídios ao mandado de segurança, segundo o deputado, é que o Ibama assumiria, em seu parecer, que a participação popular ficou seriamente comprometida pela não realização de seis das dez audiências públicas para discussão do projeto, previstas inicialmente. — O processo de licenciamento diz que ele deve ser em sequência à discussão do empreendimento com a sociedade.

Para Édson Duarte, o parecer do Ibama, longe de ser conclusivo, não traz um só parágrafo sem questionamentos relevantes ao projeto de transposição. Os estudos e o relatório de impacto ambiental, sobre os quais o Ibama norteou o licenciamento, tampouco convenceram o Partido Verde. — O EIA-RIMA é muito mais uma peça publicitária do que efetivamente uma garantia de que o projeto de transposição não causará danos ao meio ambiente e ao futuro do rio São Francisco - coloca o vice-líder do PV.

Para ele, a licença prévia concedida foi uma decisão política do presidente do Ibama, Marcus Barros. — Uma licença prévia tem oito ou dez condicionantes; essa tem 31. Se forem todas atendidas, é um novo projeto - pondera o parlamentar, para quem o documento expedido pelo órgão ambiental está cheio de atropelos legais e constitucionais.

O Ibama se defende e diz que está tranqüilo
O diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz Júnior, refutou uma a uma as colocações do deputado verde. Segundo ele, de fato o parecer aponta a presença indígena na área do projeto. Mas a aprovação do Congresso Nacional só seria necessária, pelos termos do Artigo 231 da Constituição Federal, para o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais. — Não serão aproveitados recursos hídricos das terras indígenas; elas vão receber água, se assim desejarem - argumenta Kunz.

Uma das condicionantes do licenciamento expõe a necessidade de gestão junto à Funai para a demarcação da terra indígena no município de Floresta, Pernambuco, onde vivem cerca de 500 remanescentes dos Pipitã.

Em relação à falta de participação popular nos processos decisórios, Kunz diz que apenas Minas Gerais solicitou a realização de audiências públicas. O próprio Ibama entendeu que o debate devia ser mais abrangente e propôs nove encontros. Em quatro estados - Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco -, as audiências aconteceram e cumpriram seus objetivos de colocar frente a frente os times contra e a favor, de modo a que as dúvidas fossem dirimidas. — As demais audiências não puderam ser realizadas em função dos manifestantes e dos próprios poderes públicos naqueles Estados optarem pela não realização - diz Luiz Felippe Kunz. — O Ibama não pode ser acusado de não ter tentado - coloca, destacando que os eventos ocorreram com sucesso justamente nos estados onde vão haver intervenções - construção de canais e desapropriação de terras, por exemplo.

Kunz nega enfaticamente que o processo de licenciamento tenha sido alvo de interferência política por parte do presidente do Ibama, Marcus Barros. — Foi tudo definido pela equipe, que realizou vistorias, pediu a reformulação do EIA-RIMA e interagiu com ele – afirma. Para o diretor de Licenciamento, suspeito seria o órgão ambiental não cobrar adequações, o que é feito com a grande maioria dos projetos. Ainda por essa razão, ele não vê nenhuma estranheza nas 31 condicionantes propostas pelo Ibama. — Esse não é um empreendimento médio. Talvez seja o maior projeto já licenciado no Brasil desde que esse instrumento está em vigor.

— Estamos muito tranqüilos em relação ao licenciamento - garante Kunz, negando qualquer precipitação por parte do Ibama. O primeiro EIA-RIMA, em cujo teor o órgão sugeriu modificações, foi devolvido ao Ministério da Integração em dezembro de 2003. Reformulado, voltou ao Ibama em julho de 2004. A licença prévia para o projeto de transposição do São Francisco foi emitida em 19 de abril de 2005. (no final da matéria, link para o parecer técnico do Ibama)

DO VELHO CHICO AO PRESIDENTE LULA
CARTA ABERTA DE DEFESA DO RIO SÃO FRANCISCO AO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Senhor Presidente:
As águas crescem porque se encontram. E é em nome desse encontro marcado, naturalmente, pela natureza que nos protege e integra, chamado Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que nos dirigimos, publicamente, à Vossa Excelência.

No entendimento do Comitê da Bacia, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, do Banco Mundial e de inúmeros cientistas, a transposição da Bacia do Rio São Francisco para as bacias receptoras do Nordeste Setentrional jamais poderia ser o ato inicial de uma solução integrada e sustentável para o semi-árido, mas a última etapa de um conjunto de ações que deveria começar pela democratização do acesso à água, através da adução e distribuição do estoque de água já existente, tanto na região receptora como doadora, a conclusão das obras de infra-estrutura hídrica paralisadas, a revitalização da bacia do Velho Chico e pelo investimento prioritário em soluções de convivência com a seca para a população dispersa do semi-árido, quase metade dela contida no Vale do São Francisco.

Diante desta avaliação e em virtude das dúvidas e incertezas técnicas, institucionais, ambientais e sócio-econômicas que cercam o atual projeto de transposição, conclamamos Vossa Excelência a ampliar o debate do tema com a sociedade brasileira e estimular a negociação, no âmbito do pacto federativo, entre os Estados doadores e receptores das águas sanfranciscanas determinando o adiamento das obras, até que uma solução sustentável e negociada possa ser encontrada.

Mesmo assim, visando não deixar dúvida quanto a nossa irrecusável solidariedade aos irmãos nordestinos, apoiamos integralmente a decisão do Comitê de permitir a transposição de água para abastecimento humano e dessedentação animal nos casos de comprovada escassez de recursos hídricos, quando não houver alternativa de suprimento local nas regiões receptoras, concomitantemente com a implantação do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica.

Como rio da unidade nacional, o São Francisco constitui-se no elo físico, orgânico, cultural e sócio-econômico da integração do País, representando o corredor natural de interligação do Nordeste com o Sudeste brasileiros, do litoral com o sertão e eixo de conectividade dos biomas da caatinga e do cerrado. As suas águas, mesmo que degradadas, ainda banham e levam vida à sete unidades da federação. Mas correm o risco de não fazê-lo mais num futuro ecologicamente previsível, porque o rio vem perdendo, progressivamente, em lenta agonia, sua vocação natural de ser fonte de vida e riqueza para os brasileiros, especialmente para os nossos compatriotas do Nordeste.

Na sua área de abrangência, temos 3 milhões de hectares de terras potenciais e oficialmente aptas para serem irrigadas. Mas as águas assim induzidas do Velho Chico só chegam hoje a apenas 340 mil hectares, dos quais em torno de 150 mil ha com as obras de infra-estrutura inacabadas e, consequentemente, sem nenhum aproveitamento sócio-econômico.

A plena utilização do potencial representado pelas atividades usuárias das águas já outorgadas legalmente, mais o crescimento da demanda para abastecimento público, incluindo geração de energia e navegação, levarão ao esgotamento da disponibilidade correspondente à vazão que pode ser alocada para os múltiplos usos no curto e médio prazos. Quantos mais eles serão em 2030?

Vem do rio, e não de nós, os dados da realidade que, desde D. Pedro II, a indústria da seca insiste em negar, embaçando a visão dos nossos governantes ao longo da história. Pertencem a esta realidade, a poluição das águas, a devastação das matas ciliares e das áreas de recarga dos lençóis freáticos, a prática das queimadas, o garimpo predatório, a erosão e o assoreamento, a cunha salina da foz, entre outros fatores que ameaçam a vida do Rio. Do pescado que, mesmo raro, por causa da poluição e do assoreamento, resistiu até início dos anos 90, hoje só se pesca 20%. E os nossos irmãos barranqueiros ainda dão graças a Deus.

Não é essa realidade que, acreditamos, um presidente do Brasil com a sua biografia e a sua ecologia social quer transpor para o Nordeste Setentrional. Mas um São Francisco revitalizado. Um rio ambientalmente recuperado, economicamente viável e socialmente mais justo, sobretudo para a população pobre que, mesmo vivendo à beira do rio, permanece atrelada ao ciclo histórico de pobreza que a disponibilidade de água, por si mesma, não é suficiente para romper e superar.

Torna-se necessário, ainda, Senhor Presidente, reconhecer o papel do Comitê da Bacia, como instância legítima para definir o pacto de alocação de águas porque não há outro motivo ou futuro maior para os nossos irmãos nordestinos, que pedirmos o seu apoio e reconhecimento federal na gestão colegiada e democrática das águas do Velho Chico. A sua participação e comprometimento, como estadista de um mundo novo a nossa frente, na implantação do Plano de Recursos Hídricos proposto pelo Grupo Técnico de Trabalho liderado pela Agência Nacional de Águas e aprovado pelo Comitê da Bacia deste que é o maior rio genuinamente brasileiro e um dos mais importantes no contexto geo-político do nosso País.

Junte-se a nós, Presidente, na tarefa inadiável de salvar o Velho Chico.

REVITALIZAÇÃO, JÁ! Acompanhada dos investimentos necessários para aumentar a oferta e democratizar o acesso à água, bem como concluir as obras de infraestrutura hídrica inacabadas em toda a região semi-árida brasileira, reorientando as políticas públicas para o desenvolvimento regional sustentável, como preconizam instituições isentas de inquestionável credibilidade nacional e internacional, como a SBPC e o Banco Mundial.

REVITALIZAÇÃO JÁ!! TRANSPOSIÇÃO EM DEBATE.
DESFRALDE ESTA BANDEIRA, PRESIDENTE!!!
Belo Horizonte, 15 de junho de 2005.

Confira o Parecer técnico do Ibama - Análise do EIA/RIMA do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional:
http://www.ibama.gov.br/licenciamento/parecer.php
(Adital /AmbienteBrasil, 20.06.05)

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