Marina Silva se esforça para mostrar que o governo teve avanços na política ambiental
2005-06-21
Na Amazônia vive um terço das espécies do planeta. Um dos bichos que despertam mais a afeição dos povos da floresta é o gato maracajá, ameaçado de extinção pelo mercado de casacos de pele. - É menor do que uma onça, mas é tão ágil que a onça nunca consegue pegá-lo no pulo. É o meu preferido, diz a ministra Marina Silva, que desperta na cidadania amazônica admiração semelhante à que nutre pelo gato-do-mato. Escalada para o Ministério do Meio Ambiente como ícone dos ecologistas, a miúda Marina, 47 anos, amarga dias difíceis na selva de Brasília. O corpo frágil, danificado por cinco malárias, duas hepatites e uma leishmaniose, parece incapaz de suportar um dos cargos mais espinhosos da República. A escassez de verbas, a visão de desenvolvimento como sinônimo de chaminés e uma sucessão de derrotas emblemáticas fustigam a herdeira política de Chico Mendes. Um de seus desafios é convencer o País de que coleciona conquistas, imperceptíveis aos que esperavam ações espetaculares da Senadora da Floresta. Outro é ter fôlego para saltar, como o gato maracajá, na jugular dos predadores da selva à qual dedica a vida.
Depois de perder a batalha da Lei de Biossegurança, que liberou os
transgênicos, engolir a importação de pneus usados do Mercosul e anunciar
o segundo recorde de desmatamento da Amazônia, Marina se viu forçada a
mostrar as garras, alterando o semblante sereno. Partiu para o ataque quando a Polícia Federal anunciou a prisão de 127 acusados de integrar uma quadrilha que falsificava licenças para desmatamento, 47 deles de dentro do órgão federal de fiscalização, o Ibama. Apoiada sobre uma elegante bengala que ganhou de seu médico, Aloysio Campos da Paz, Marina tem subido em palanques para trocar o sorriso tímido por gritos de guerra.
- Cortamos a cabeça de um sistema criminoso de 14 anos, e quando você corta a cabeça de uma serpente ela balança o rabo violentamente - , esbraveja. O discurso em defesa da mata não livra nem os ouvintes que a reverenciam sob o sol, a poeira e a secura do cerrado: - Às vezes a gente nem imagina que pode estar comendo em uma mesa de madeira manchada pelo sangue de alguém. - A respiração parece difícil, a voz é fina e as artérias inflam para que as palavras saiam fortes. Tira até o xale – tem mais de 30 deles – que lhe protege o colo das viroses e do frio que sente longe das temperaturas acreanas. Antes de voltar para o apartamento do Senado no qual mora com o marido e os quatro filhos, ela enfrenta o batalhão de repórteres. E repete que, pela primeira vez na história deste país, seu Ministério ganhou o poder de interferir nos projetos de desenvolvimento, das rodovias aos leilões de petróleo. É a tal transversalidade. .
- A transversalidade não emplacou porque não depende só dela. Ninguém viu o Ministério da Agricultura esboçar recuo - relativiza Adriana Ramos, coordenadora da ONG Instituto Socioambiental. Para ela, a projeção de Marina serve de pára-choques para as críticas ao governo – ou um enfeite, como os casacos de pele que ameaçam o gato maracajá. Outra ONG que sempre reverenciou a Senadora da Floresta, mas discorda de seu discurso de realizações, é o Greenpeace. Para seu diretor executivo, Frank Guggenheim, - a transversalidade não acontece. Ele cita a derrota para a ideologia do crescimento acima de tudo, como definiu o jornal New York Times ao elogiar Marina e criticar o governo pelos desastres ambientais. Guggenheim aponta uma decepção generalizada com a política ambiental, a mesma que serviu de pretexto para o rompimento dos sete deputados do PV com o governo, em maio, após o balanço do desmatamento da Amazônia.
A lealdade a Lula está em todos os discursos de Marina Silva. - Lula ia para o Acre há 25 anos, quando a gente não juntava nem 30 pessoas para ouvi-lo. Quando o Chico Mendes foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, ele estava junto. E deu espaço para eu lutar por minha causa. - A profusão de números e argumentos para provar que o governo avança na proteção ao meio ambiente cede vez à emoção quando ela aponta para uma foto de Chico Mendes. - Se o Chico fosse vivo, não ia acreditar que estamos fazendo empate com o Exército, a polícia e tantas estruturas do Estado. Empatávamos com os madeireiros levando velhos e crianças para proteger as árvores - compara, voz embargada e olhos marejados. - Choro, sim. Não sou uma dama de ferro, sou de carne e osso muito frágeis. Só choro quando vale a pena, diz.
Seguidora da Assembléia de Deus há oito anos, Marina não sai de casa nem do gabinete sem a Bíblia. A conversão religiosa de quem na juventude sonhou ser freira se deu em um momento de grave problema de saúde. Sobre qual o momento mais difícil de uma vida recheada de infortúnios, ela diz que nada é mais difícil do que suportar o desmatamento da Amazônia. — A dor na alma é muito mais forte do que no físico. Toda vez que o índice do desmatamento não cai, é minha alma que dói – afirma. A do Brasil também. (Isto É, 20/06)