Suruaca (ES): a experiência que virou um desastre
2005-06-21
Drenado pelas máquinas do então DNOS, o Vale do Suruaca é, hoje, a maior prova do que a falta de conhecimentos e de responsabilidade pode causar ao meio ambiente
O velho Aprígio dos Santos é só lembranças do Vale do Suruaca: — Era o lugar da fartura. A gente enchia de robalo uma canoa grande, num lance só de rede. Se queria comer carne, tinha capivara, porco do mato, jacaré; quem preferisse aves tinha irerê, pato do mato, mas tinha era ave... e tinha uma ave grandona, moço, que dava uns dois perus juntos. Quando voava, parecia até o aviãozinho do seu Eliaquim, que vinha por aqui trazer caçador e levar peixe. O povo daqui tratava de tabuiaiá. E quando a onça berrava lá no fundo...? Virgem! Dava um medão danado, moço!
Esse Suruaca do nostálgico Aprígio, onde ele viveu 78 dos seus 89 anos de vida e criou 22 filhos na fartura, como costuma lembrar, não existe mais. Hoje, é pura terra seca, com um pouquinho de capim por cima, que mal dá para alimentar um boi magro. Nem água tem mais. O boi bebe água em poço ou cacimba. E olha que eram 174 mil hectares de alagado. Era o pantanal capixaba, mundo de uma fauna e flora especiais.
Essa área hoje caminha para ser um deserto, segundo o arqueólogo e biólogo João Luiz da Cunha Teixeira, da Universidade de São Paulo. — Cometeram o absurdo de transformar um alagado num deserto. A drenagem que foi feita de suas lagoas e alagados é responsável pela salinização dos rios que abastecem São Mateus. Isto porque, quando o Suruaca estava intacto, suas águas serviam de barragem para evitar o ingresso do mar. O mar vinha, batia das suas águas e voltava. Agora ele entra direto e está salinizando tudo. Chega a Conceição da Barra, pelo Rio Cricaré (108 quilômetros de distância).
— Além da salinização há uma outra questão: a da turfa, que volta e meia se incendeia - revela João Luiz, que está na região fazendo pesquisas arqueológicas (já descobriu 12 sambaquis) e estudando (junto com o ecólogo Marcelo Teixeira, seu irmão) os fenômenos gerados pelo esgotamento de suas águas. — A turfa queima constantemente. Eles vão e apagam. Ou melhor, pensam que apagam, pois ela continua queimando por dentro. Não vai acabar enquanto perdurar esse estado de coisas. E a turfa entra em combustão por causa da seca. Dá na sua raiz uma praga chamada mofofô, A turfa é agora vegetal morto, matéria orgânica. O que vai transformar a região em deserto é a aridez do solo. Devido à acidez, o solo perdeu a ação da turfa, que é a sua parte mais rica. E aí vai perdendo o resto, fazendo com que o deserto venha logo em seguida - diz João Luiz.
O agrônomo José Antonio Laní, da Empresa Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Emcaper), garante que a solução para a região seria voltar com a água, fazer diques de ponta a ponta. — A saída da água mineralizou a matéria orgânica, explica. Onde se colocavam, antes, quatro ou cinco animais por hectare. Hoje se coloca apenas um. Há a hipótese de que o rebaixamento do lençol freático trouxe a dissidência da matéria orgânica oxida. E que embaixo da turfa agora é areia ou batinga, dificultando o crescimento do capim-. A situação do Suruaca está afetando também, segundo Laní, a cultura de cacau da vizinhança.
A fazenda do Sol, com os seus 950 alqueires, oferece uma imagem clara do que ocorreu com a região após a drenagem de suas lagoas e pântanos. A propriedade, que nos bons tempos já teve 6,5 mil animais, registra atualmente um plantel de 4,4 mil cabeças de boi. — Com o rebaixamento do lençol freático, parte do pasto virou areia-, informa o gerente, Cícero Moulin Lugon, que é técnico agrícola. Na propriedade é feito o controle pluviométrico, que já acusou, no ano passado, com relação aos demais anos, um déficit de 370 milímetros. (Século Diário, 20/6)