Debate na Fundação Gaia expõe problemas dos índios
2005-06-20
Por Lara Ely
De 11 a 14 de junho, lideranças indígenas estiveram presentes na Fundação Gaia para tratar, junto a representante da PUCRS e ambientalistas, de assuntos pertinentes à inclusão indígena. Durante estes dias, além de fazer um intercâmbio de conhecimentos acerca do tema, as entidades propuseram-se a unir esforços através de suas influências e continuar participando de um grupo de discussão para planejar ações.
Os índios presentes no debate deixaram claro que a situação está totalmente de seu desagrado. Queixas, denúncias, pedidos de apoio, tentativas de parcerias revelaram a situação de indivíduos para o qual governo e sociedade estão fazendo vistas grossas.
O representante da PUCRS, Ir. Irmão Edson Hütter, deixou claro que sua meta é colaborar com a questão. - A parceria deve ser feita através de um grupo de discussão, de modo a colocar o conhecimento acadêmico a serviço da comunidade - disse. Ele completou ainda - A PUCRS não está pronta para agir, mas irá captar recursos pra investir em projetos desta área. Oferecemos os cursos no EAD – Meio Ambiente, que podem ser úteis para as tribos de cidades onde não há universidade.
Edson está organizando para o mês de julho o Fórum Internacional de Cultura Indígena, que acontecerá durante os dias 11 a 14 de agosto, no prédio 41 da PUCRS. Com o tema - Terra, um lugar para viver – o evento reunirá de cainguangues a mapuches – índios originários da costa sul do Chile.
Ainda em relação às ações da PUCRS nesta área: todos os sábados de manhã, acontece o círculo de estudos em cultura indígena. Ali, estudantes de diversas áreas ouvem palestrantes do cacife de Jarmas Lima , Marcelo Veiga Beckhausen (Procurador Geral da República /RS), Frank Coe (cineasta carioca), Airton Krenak (jornalista da etnia Krenak), Miguel Franco (historiador uruguaio) e mais inúmeras personalidades.
Veja abaixo o ponto de vista de algumas lideranças indígenas presentes no evento que debateu a inclusão indígena.
Educação
Rosane Cainguangue (representante da Funai) — O papel da comunicação bilíngüe é o de passar conhecimento através da oralidade, sobre a pagelância, mitos, lendas e tradições. O aprendizado é dado através do contato com seus próximos, pois a criança dentro da tribo tem autonomia, pode participar de todos os rituais, conversas junto aos adultos. Na cultura dos Tucanos, os mais velhos eliminam logo após o nascimento as crianças gêmeas, porque para eles, duas pessoas iguais não é possível dar certo a relação. Cada qual deve manter sua individualidade, deve ser único.
A escola indígena do Brasil ainda segue o padrão da Europa de 1500. Não houve avanços nunca. Criou-se a escola indígena, mas os professores e diretores são brancos. Todas as instituições são responsáveis pela inserção do índio: Escola, igreja, polícia, políticos, militares, Funai. São todas as instituições, mas falta uma análise de conjuntura, com formação de liderança.
A educação precisa ser de acordo com seus reais costumes, não os dos brancos. Por exemplo, a escola entra em férias durante três meses do verão, por que a professora branca tem que ir à praia. Então todos param de estudar. Isto não é costume do índio.
Ireni Miguel (cainguangue, vereador de São Valério do Sul, professor do magistério) - O problema está na formação dos formadores. E a universidade nem se dá conta disso.
Maria Erni de Freitas (cainguangue, professora de Português e padagoga) — A partir deste grupo, acredito em uma mudança, iniciativa. Os recursos vêm para a saúde. Na educação, não há controle social nem investimento na formação. Mas sou otimista, acredito que os olhares deste público atento demonstram os interesses de aprender e agir em torno de alguma mudança.
Rosane Cainguangue — Quem é responsável pela Educação Indígena é o MEC, e pela Saúde é a Funasa. Quando o índio não tem capacidade de reivindicar seu próprio direito, contratam ONGs para fazê-lo. As ONGS só se interessam por índios de vitrine. Acham que a gente vive em zoológico. Índios que reivindicam, que dão trabalho, as ONGs não querem nem saber. Em relação ao arrendamento de terras, o índio ganha suas terras mas não tem condições de mantê-las nem sequer manuseá-las.
Aculturação
Ireni MIguel — Hoje, as mulheres estão denunciando as concorrentes, amantes de seus maridos. Antes elas achavam isso normal, o marido era coletivo - protesta o índio denunciando a aculturação sofrida.
Rosane Cainguangue — Imagino a cultura como um saco bem pesado que estamos arrastando e que quando pesa demais, temos que colocar fora alguns elementos. A sabedoria indígena prega que o homem não deve depender de ninguém para sobreviver – afirma. Rosane denunciou que, na aldeia do Xingó, as mães solteiras matam as crianças, porque não tem como sustentá-las.
— Militarização, repressão e opressão são as raízes do processo de exclusão indígena. Jovens estão fora deste processo, mas sofrem processo de ausência de identidade cultural. Há caingangues em SC, RS, e PR querendo preservar seu território. Há falta de consenso e necessidade de assembléia. Ainda existe uma postura de repressão da parte das autoridades governamentais. Existe uma necessidade de recuperação de tradição.
Políticas Públicas
Rosane Cainguangue - As demandas não são discutidas na base para depois virarem políticas públicas. Esse é o grande erro do governo federal.
Ireni MIguel — Os índios que estão no governo entram no sistema e sofrem a educação do branco muito rapidamente, deixando de fazer leis em benefícios dos seus semelhantes.
Maria Erni — Há problemas com a Bolsa-família, pois as prefeituras não querem cadastrar os cainguangues. Eles evitam vínculo por que os acampamentos são itinerantes. O FOME ZERO, em seu programa de doação de alimentos, durou somente seis meses. O RS RURAL, que garante os principais investimentos do governo do Estado (assistência em agricultura, infra-estrutura, equipamentos) é uma política que não tem continuidade. Ele vem, beneficia alguém de repente, e se acaba.
Outra urgência é criar eleição para cacique. O representante ainda é eleito conforme a antiga tradição familiar, mas o contato com o homem branco está incitando no índio, a vontade de se organizar politicamente. Porém, a vontade se esbarra na autoridade Funai, que a partir desta iniciativa sairia de jogo e perderia poder de influência e intervenção.
Alcoolismo
José Cirilo Guarani — A bebida alcoólica é uma problema grave do índio inventado pelo branco. Para tratar isso, temos que usar palavras de incentivo, não de repressão. Nosso sistema (guarani) é espiritual, pacífico.
Rosane Cainguangue — Os machacali bebem todo o salário da aposentadoria. Os kanoah trocavam cesta básica por cachaça. Os índios que estão subnutridos não sobrevivem tomando cachaça, por que seu organismo não está costumado.