Por Mariano Senna
A audiência pública da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados ocorrida na última terça-feira (14/06) mostrou que a política nuclear do Brasil continua indefinida. Promovida pelo grupo de trabalho criado em dezembro de 2004 para analisar a segurança e a fiscalização do setor, a reunião foi mais uma vez marcada pela divisão entre ONGs e representantes da indústria atômica nacional. De um lado as críticas da falta de um depósito para os rejeitos radioativos, da ausência de informação acessível ao público e até do prejuízo dos investimentos. Do outro, a tática da mínima defesa. O presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen - www.cnen.gov.br), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia e um dos defensores das usinas atômicas brasileiras, Odair Dias Gonçalves, não compareceu. No seu lugar o diretor de pesquisa da Cnen, Alfredo Tranjan, defendeu a indústria nuclear dizendo que o país cumpre todas as normas e mandamentos da Agência Internacional de Energia Nuclear.
No meio da discussão, os parlamentares do grupo de trabalho ouviram os argumentos, mas não definiram posição. Só aumentaram a expectativa dos presentes ao anunciarem a entrega do seu relatório para o início do segundo semestre. Este relatório será usado na decisão do governo sobre o futuro do Programa Nuclear Brasileiro. Em outras palavras, depois de receberem o relatório, os políticos brasileiros decidirão se Angra III será ou não construída na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.
Interesses gigantes
Quem olha de fora pensa que as ONGs estão levando a parada. Mas não é bem assim. O projeto da terceira usina atômica em Angra dos Reis estava parado até o final de 2004, quando o governo criou o grupo de trabalho para analisar a questão. Desde então, visitaram instalações, ouviram especialistas e certamente vêm negociando com lobistas. É neste aspecto que o jogo vira.
O projeto de Angra III é o principal negócio do grupo francês Areva na América Latina. Ninguém sabe o valor preciso do investimento, especula-se R$ 10 bilhões, incluindo os contratos de manutenção. O fato é que não se trata de uma holding qualquer. Controlador da Framatome, empresa que negocia diretamente com a Eletronuclear, o Areva tem operações em cerca de 100 países, faturando 11 bilhões de Euros/ano.
Para demonstrar seu interesse no país o grupo decidiu patrocinar o Ano do Brasil na Franca (www.anobrasilfranca.com.br). Um evento milionário que se estende de março a dezembro deste ano com exposições e apresentações culturais brasileiras em toda a França. Além do Areva, o primeiro entre os patrocinadores franceses, ainda estão na mesma lista os grupos Saint-Gobain, Suez, Arcelor entre outros. No rol dos padrinhos verde-amarelo aparecem no topo algumas das maiores estatais federais, incluindo BNDES e Correios.
Roteiro da informação
No Brasil o Ministério da Ciência e Tecnologia chegou a ensaiar uma campanha publicitária pela televisão. O roteiro, elaborado no final do ano passado por roteiristas da Rede Globo, abordava a falta de informação da população, mas com um viés totalmente pró-energia nuclear (veja íntegra na seção Relatório Especial do Ambiente JÁ - www.ambienteja.info). De lá pra cá ele foi engavetado, embora possa ser aproveitado para abafar a grita dos ambientalistas. A situação destes últimos é bem menos destacada. Entre eles estão ONGs e entidades civis como a minúscula Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sape).
- Não há informações públicas relativas ao funcionamento das usinas, seus riscos, acidentes e destino dos resíduos - reclama o coordenador da Sape, Ivan Marcelo Neves.
O relatório de gestão das usinas em 2003 (http://www.eletronuclear.gov.br/novo/sys/interna.asp?IdSecao=489&secao_mae=6) tem um detalhamento minucioso de todas as operações do período. Até o número de partos e atendimentos da Fundação Eletronuclear de Assistência Médica (FEAM) estão lá. Porém, quando o assunto são acidentes os dados limitam-se a informar que as usinas juntas somaram 117 dias de parada no período, tendo ocorrido um acidente em Angra I. Nada sobre a natureza do ocorrido, as medidas tomadas e principalmente sobre os índices de radiação nas diferentes áreas da planta, no seu entorno e na água do mar onde os efluentes líquidos da usina são despejados. O documento ainda assume o prejuízo do ano, apontando um aumento no endividamento sobre o patrimônio (42%). Tudo auditado pela PriceWaterhouseCoopers (http://www.eletronuclear.gov.br/novo/pdf/6parecer_aud_inde2004.pdf), que encerra sua análise dizendo: - A Companhia tem apurado prejuízos repetitivos, os quais presentemente decorrem, principalmente, de sua estrutura de capital e têm sido financiados substancialmente por recursos provenientes de sua controladora. Nas circunstâncias atuais, não é praticável determinar o desfecho das situações descritas - diz a penúltima frase do parecer datado de 07 de marco de 2005.
Cronologia da industria nuclear brasileira
1958 - A Alemanha Ocidental envia três centrífugadores de urânio ao Brasil
1972 - A Westinghouse vende Angra I ao Brasil
1973 - Crise do petróleo
1974 - Os EUA param as exportções de urânio
1975 - No auge da ditadura militar brasileira acontece a assinatura do acordo nuclear com o governo social-liberal da R. F. da Alemanha, liderado pelo chanceler Helmut Schimidt. O Brasil aposta em megaprojetos, também em outros setores, para levar adiante a rápida industrialização e, também, o desenvolvimento agroindustrial no interior do país. Ao mesmo tempo abre-se uma perspectiva atrativa de exportações para o comércio nuclear alemão
1977 - Início da construção de Angra I (finalização esperada: 1983)
1979 - Início do programa nuclear paralelo militar (então secreto)
Anos 80 - Primeira crise brasileira da dívida externa
1985 - Ligação de Angra I
1987 - Brasil deve ser capaz de fechar o círculo de combustível nuclear e de construir a bomba atômica. Deputados do Partido Verde da Alemanha reivindicam o cancelamento do Acordo Nuclear
1988 - A nova constituição brasileira proíbe o uso militar da energia nuclear. Vários abalos terrestres atingem a região de Angra: a população está em pânico
1989 - O presidente Fernando Collor fecha a área de testes da região de Cachimbo na Amazônia
1993 - O presidente Itamar Franco posiciona-se contra a construção de Angra III
1993/94 - Por causa de problemas com o combustível da Siemens, Angra I fica desligada por 21 meses
1996 - Depois de uma parada de oito anos reinicia-se a construção de Angra II
1997 - Durante as privatizações no setor energético nasce a nova empresa estatal gestora, a Eletronuclear
Abril 2000 - O núcleo de Angra I está sendo carregado com urânio enriquecido; os testes de funcionamento devem durar 40 dias
Fontes: A Aventura Nuclear Brasileira (25 anos de AcordoNuclear Brasil - Alemanha).
SAPÊ - Sociedade Angrense de Proteção Ecológica, 2001.