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2005-06-16
Leia abaixo a íntegra da decisão do Juiz Jurandi Borges Pinheiro sobre o empreendimento Costão Golfe, que estava sendo em construção e poderia contaminar aquifero que abastece 130 mil pessoas no norte da Ilha de Santa Catarina:

Requerente: Ministério Público Federal - MPF
Requeridos: Santinho Empreendimentos Turísticos S.A., Costão Vale Empreendimentos Imobiliários S.A., Fundação do Meio Ambiente - FATMA e Município de Florianópolis (SC)
Juiz: Jurandi Borges Pinheiro

D E C I S Ã O
1. Requer o Ministério Público Federal o cancelamento das licenças ambientais e alvarás de construção do Condomínio Residencial Costão Golf, complexo turístico constituído por um condomínio residencial fechado de 181 casas e 15 vilas com 120 unidades de 2 a 3 dormitórios cada, integrado a um campo de golfe de nove buracos e respectiva sede social, numa área total de 571 mil metros quadrados, localizada logo atrás do cordão de dunas da Praia do Santinho, no norte da Ilha de Santa Catarina, na localidade denominada Sítio do Capivari, Distrito de Ingleses, nesta Capital.

2. O processo foi originariamente distribuído à 2ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, onde recebeu o despacho de fl. 880, abrindo-se prazo à manifestação da FATMA e do Município de Florianópolis sobre o pedido de liminar, nos termos do art. 2º da Lei 8.437/92. Ambos manifestaram-se (fls. 891-941).

3. Após essa providência, proferiu-se nos autos o despacho de fl. 1008, onde determinada a citação dos requeridos e a realização, no dia 18/08/2005, de inspeção judicial no local do empreendimento. Às fls. 1012-1015, reiterou o MPF o pedido de liminar, não apreciado pelo despacho de fl. 1008. Antes, contudo, da apreciação do pedido, o processo foi redistribuído a este Juízo em razão da especialização desta Vara em matéria ambiental. Passo, portanto, ao exame do pedido de liminar, com um breve relato sobre as questões objeto desta Ação Civil Pública.

4. O empreendimento conta com Licença Ambiental de Instalação - LAI (fls. 950-959) e alvarás pertinentes. O licenciamento foi precedido de Estudo de Impacto Ambiental - EIA, cujo Relatório (RIMA), em 06 volumes, encontra-se anexo a estes autos. Aponta o MPF, contudo, diversas irregularidades no licenciamento ambiental, a seguir sintetizadas.

5. Primeiro, o risco de contaminação do aqüífero existente sob a área do empreendimento. Trata-se de depósito natural de água potável utilizado para o abastecimento de 130 mil pessoas no Norte da Ilha e que poderá, segundo o MPF, ser contaminado pelo uso intensivo de cerca de 30 toneladas/ano de fungicidas, pesticidas e fertilizantes na implantação e manutenção do gramado do campo de golfe.

6. Segundo, a inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal 133/2003. Segundo o MPF, essa lei, ao alterar o zoneamento da área com o fim específico de viabilizar a instalação do empreendimento, além de não observar os requisitos de impessoalidade e generalidade das leis, violou o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias da Constituição do Estado de Santa Catarina, o qual vedou, até o advento do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, a expedição, pelos municípios localizados na orla marítima, de normas e diretrizes menos restritivas que as existentes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas (fls. 25-26).

7. Terceiro, a escassez de água potável no Norte da Ilha, região da capital mais afetada por esse problema. Segundo a inicial, como o empreendimento não pode utilizar a água do aqüífero, que se encontra em seu limite de uso, será a CASAN obrigada a encontrar novas fontes com dinheiro público, já que o reaproveitamento da água da chuva, solução apresentada pelo empreendedor para suprir a grande demanda de água na manutenção do gramado, não se mostra a mais adequada, porque prejudicará a revitalização do aqüífero.

8. Quarto, o sistema de coleta e tratamento de esgoto. Sublinha a petição inicial que o Norte da Ilha, como a maior parte da Capital Catarinense, não possui rede coletora de esgoto. Por essa razão, apresentou o empreendedor projeto de tratamento próprio. Afirma o MPF, todavia, que o sistema apresentado não resolve o problema da destinação final dos efluentes tratados, já que o reaproveitamento desses efluentes na manutenção do gramado resultará em sua infiltração no solo, configurando, portanto mais um risco para o aqüífero.

9. Quinto, a ausência de Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV, imprescindível à verificação da repercussão que o empreendimento trará à vida e às atividades das pessoas que vivem em sua área de influência, bem assim para a avaliação de seus efeitos sobre a infra-estrutura pública daquela localidade.

10. Questiona também o MPF a integração do empreendimento ao Costão do Santinho Resort, do mesmo grupo empresarial, por meio de um teleférico cruzando as dunas que ligam as praias do Moçambique e Ingleses. Essa parte do projeto, todavia, restou descartada no decorrer do processo de licenciamento (fl. 902).

11. À luz dos pontos aqui sintetizados, e considerando a urgência em impedir a continuidade das alterações já em curso no local do empreendimento, que podem se tornar irreversíveis caso haja intervenção no subsolo, requer o MPF o deferimento de liminar determinando a imediata paralisação das obras, sob pena de multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), bem assim a suspensão do licenciamento ambiental e alvarás de construção.

12. O Município de Florianópolis, em sua manifestação sobre o pedido de liminar (fls. 891-898), sustentou a legalidade das licenças concedidas, por atender o empreendimento todos os requisitos exigidos pela legislação ambiental e urbanística. Já a FATMA, em detalhado relatório juntado com a sua manifestação (fls. 899-941), abordou praticamente todos os pontos articulados pelo MPF, concluindo pela suficiência das condicionantes estabelecidas no licenciamento ambiental.

É o relatório.
DECIDO.

13. Compartilha este Juízo das considerações lançadas no Relatório do Estudo de Impacto Ambiental sobre a importância do empreendimento para a região de Florianópolis, seja pela geração de empregos, seja pelo desenvolvimento do turismo, em especial pelo volume de renda gerado por esse esporte. De fato, é lastimável ter em Santa Catarina, com todo o seu potencial turístico, apenas dois campos de golfe - um em Itapema e outro em Joinville - dos 62 existentes no Brasil, números bem tímidos se comparados, por exemplo, aos 17.000 campos de golfe existentes nos Estados Unidos.

14. Também não duvida este Juízo da preocupação do empreendedor com os impactos ambientais do complexo turístico que pretende construir. Conforme sublinhado no EIA/RIMA, o golfe é um exemplo de atividade cujo capital mais valioso é o capital natural e, por conseguinte, a conservação e gestão desse ativo devem constituir a base de sua exploração e crescimento, inspirando-se no conceito da sustentabilidade que, atualmente, é reivindicada pelas mais importantes associações nacionais e internacionais da modalidade (Anexo I, vol. 1, cap. 3, p. 6).

15. De todos os pontos articulados pelo MPF na petição inicial, o risco de contaminação do aqüífero existente sob a área do campo de golfe é, seguramente, o aspecto em relação ao qual não pode pairar qualquer dúvida, por se cuidar, conforme bem observado no EIA/RIMA, de águas subterrâneas de importância crucial para o abastecimento de água de toda a região norte da Ilha (Anexo I, vol. 1, cap. 7, p. 16). O abastecimento é feito através de um grande número de poços perfurados pela Companhia Catarinense de Água e Saneamento - CASAN, dos quais a maioria está localizada na região central da planície litorânea, nas localidades de Rio Vermelho e Sítio Capivari, este último onde localizada a área do empreendimento (Anexo I, vol. 1, cap. 7, p. 16).

16. As águas subterrâneas apresentam algumas propriedades que tornam o seu uso mais vantajoso em relação ao das águas dos rios: são filtradas e purificadas naturalmente, determinando excelente qualidade e dispensando tratamentos prévios; não ocupam espaço em superfície; sofrem menor influência nas variações climáticas; são passíveis de extração perto do local de uso; possuem temperatura constante; têm maior quantidade de reservas; necessitam de custos menores como fonte de água; as suas reservas e captações não ocupam área superficial; apresentam grande proteção contra agentes poluidores; o uso do recurso aumenta a reserva e melhora a qualidade; possibilitam a implantação de projetos de abastecimento à medida da necessidade (WREGE, 1997, apud Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, www.abas.com.br).

17. O Sistema Aqüífero Ingleses-Rio Vermelho abrange, segundo o EIA/RIMA, desde a praia dos Ingleses, incluindo a praia do Santinho, indo até as porções interiores do sistema deposicional costeiro, nos distritos de Ingleses do Rio Vermelho e São José do Rio Vermelho. Esse sistema aqüífero, ainda segundo o EIA/RIMA, é predominantemente livre, composto por areias finas a médias, com intercalação descontínua de níveis arenoso-argilosos. Por sua natureza costeira, o aqüífero estudado está sujeito à intrusão salina, ou seja, à penetração de água do oceano [cunha salina] (Anexo I, vol. 1, cap. 7, p. 17).

18. A importância de um aqüífero se avulta quando se considera a quantidade de água dele extraída (explotação). No caso dos autos, observa o EIA/RIMA que embora ocorra, nos meses de verão, um aumento considerável de explotação em relação aos demais meses do ano, o que poderia ocasionar o ingresso de cunha salina, inviabilizando definitivamente aqueles poços, há que se considerar que os meses mais críticos, durante o verão, são também aqueles em que se registram as maiores taxas de precipitação, o que acaba fazendo com que se verifique uma sobra maior de água favorável ao equilíbrio do sistema subterrâneo.

19. Todavia, destaca-se no Relatório que se a quantidade de água não atingiu níveis críticos até este momento, o mesmo não se pode concluir quanto à qualidade dessas águas. Anota o EIA/RIMA que a carga poluidora nas zonas residenciais, as quais são desprovidas de sistema de esgotamento sanitário apropriado, é uma grande ameaça ao aqüífero. E conclui: — A fragilidade do aqüífero livre, naturalmente desprotegido contra qualquer carga contaminante, impõe limitações às diretrizes de uso e ocupação racional do solo, fundamentais à preservação daquele recurso na região. (Anexo I, vol. 1, cap. 7, p. 16).

20. Diante da vulnerabilidade do aqüífero sobre o qual se pretende construir o campo de golfe, e do risco de sua contaminação por fertilizantes e pesticidas, estabeleceu a FATMA, na Licença Ambiental de Implantação - LAI, a seguinte condicionante: — Na implantação e manutenção do gramado do campo de golfe, e em toda a área do empreendimento, fica proibida a utilização de Agroquímicos (pesticidas, herbicidas, fungicidas, fertilizantes e outros), que possam contaminar o lençol freático da região através de seus produtos e subprodutos. (fl. 955).

21. E logo a seguir, a ressalva: — Caso seja necessária a utilização de algum produto químico, que não contamine o lençol freático, deverá ser apresentado na FATMA um relatório devidamente assinado por técnico com ART, comunicando a composição química do produto, a forma de aplicação, a quantidade que será aplicada, a data prevista para aplicação, a dinâmica química com os seus subprodutos, a dinâmica de movimentação do produto (solo/subsolo) no ponto de aplicação, e demais informações que subsidiem o órgão estatal a avaliar a garantia que o produto não irá contaminar o lençol (fl. 955).

22. Não mereceria a LAI, nesse ponto, nenhum reparo, não fosse um detalhe de extrema relevância: a garantia de que os produtos a serem utilizados não irão contaminar o lençol freático deve ser demonstrada no EIA/RIMA, e não posteriormente. Cuida-se de garantia que, pelas conseqüências de sua inobservância, não deve ser remetida para depois que o campo já estiver pronto. E não se trata aqui de garantia apenas para as mais de cem mil pessoas que dependem da água daquele importante aqüífero, mas para o próprio empreendedor, que certamente não irá se aventurar na construção de um complexo turístico desse porte sem a necessária segurança sobre a viabilidade de sua utilização.

23. Nessa linha, os dados indicados na ressalva feita na LAI, acima transcritos, devem constar do EIA/RIMA, da forma mais clara possível, de modo a subsidiar os órgãos ambientais - e agora também este Juízo - com informações seguras de que os produtos a serem utilizados não apresentam qualquer risco de contaminação das águas que abastecem aquela extensa região. E pelo que se lê do EIA/RIMA sobre o programa de gestão do gramado (Anexo I, vol. 6, p. 28-42), não há nenhuma informação objetiva de que os fertilizantes e pesticidas ali indicados (Glifoato, 2,4 D, Dicamba, Clorotalonil e Triadimefon) não irão contaminar o lençol freático.

24. Por fim, cabe observar que a prévia aferição do risco de contaminação é hoje plenamente possível. Há notícia de avançados programas de computador capazes de simular, a partir de modernas técnicas de mapeamento de aqüíferos, o grau de contaminação das águas subterrâneas por fertilizantes e pesticidas. Cito, como exemplo, recente pesquisa nos Estados Unidos, conduzida pelo National Centers for Coastal Ocean Science, com o objetivo específico de avaliar o grau de contaminação das águas subterrâneas, ao longo da costa da Carolina do Sul, por produtos utilizados na manutenção dos diversos campos de golfe ali existentes (http://www.nccos.noaa.gov/news/june03.html). Pesquisas como esta, ao lado de concorridos eventos como as International Turfgrass Research Conferences (a 10ª Conferencia será realizada no Reino Unido, de 10 a 15 de Julho de 2005, com programação científica direcionada à manutenção de gramados sem produtos químicos), demonstram a preocupação da comunidade internacional em relação a esse tema de vital importância.

25. Diante dessas considerações, a evidenciarem a inexistência de informações seguras sobre o risco de contaminação do aqüífero, DEFIRO o pedido de liminar para determinar aos empreendedores a imediata paralisação das obras no local do empreendimento, sob pena de multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), bem assim para suspender os efeitos do licenciamento ambiental e dos alvarás de construção.

26. Entendo desnecessária a ciência da liminar ao Cartório de Imóveis, requerida pelo MPF na petição inicial, dada o caráter precário desta decisão e o nível cultural dos possíveis adquirentes das unidades do empreendimento.

27. Torno sem efeito, por ora, a designação de inspeção judicial no local do empreendimento. Para um diálogo prévio sobre as questões levantadas pelo MPF, designo audiência para o dia 04/07/2005, às 16h, na sede deste Juízo.

28. Intimem-se.

Florianópolis (SC), 13 de junho de 2005
Jurandi Borges Pinheiro
Juiz Federal Substituto

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