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2005-06-16
O PT deu a senha para desmatar O que se lerá a seguir é o relato de um esquema de corrupção na área ambiental que mostra que, em alguns estados brasileiros, seções do Partido dos Trabalhadores perderam as feições de partido político para assumir os contornos de organizações criminosas. Na semana retrasada, a Polícia Federal já havia desbaratado uma quadrilha em Mato Grosso, formada por funcionários do Ibama e madeireiros, acusada de se associar para desmatar a Amazônia em troca de propinas. Entre os presos estavam três petistas. Um deles era Hugo Werle, gerente do Ibama em Cuiabá, professor de geografia e membro do conselho fiscal do PT no estado. Werle atuou como arrecadador de fundos para a campanha do partido nas últimas eleições municipais. Já configurava um escândalo sem tamanho a suspeita de que três funcionários públicos, membros do partido do governo e pagos para defender a floresta, vinham agindo como cupins na selva amazônica: contribuindo para dizimá-la em troca de suborno. Agora se sabe que eles estavam longe de ser os únicos. VEJA revela que esquemas semelhantes ao de Mato Grosso funcionavam também no Pará e no Rio Grande do Norte.

No Pará, um esquema envolvia três candidatos a prefeito nas eleições municipais do ano passado e dois deputados, todos petistas, além de funcionários do Ibama, Incra, madeireiros e sindicalistas. Os três candidatos a prefeito pelo PT, apurou a reportagem, teriam recebido pelo menos 300.000 reais de madeireiros, às vésperas das eleições, em troca de autorização do Ibama para derrubar madeira ilegal. São eles: Paulo Medeiros, de Uruará; Chiquinho do PT, de Anapu; e Lenir Trevisan, de Medicilândia. O esquema, segundo um representante do Sindicato dos Reflorestadores do Estado do Pará (Sindifloresta), era intermediado pelo deputado federal José Geraldo e pelo deputado estadual Airton Faleiro, ambos ligados ao Ibama. Os métodos usados pelo grupo eram de um descaramento nunca visto mesmo para os padrões de fronteira sem lei que costumam imperar nos rincões da Amazônia. Funcionavam da seguinte maneira: um grupo de agricultores ligados à Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) fazia o desmate ilegal de suas terras, com a conivência de funcionários do Incra e a assessoria da empresa de engenharia florestal HB Lima. Os agricultores vendiam madeiras nobres (como mogno, jatobá e cedro) a 22 empresas da região. Para que as árvores – ilegalmente derrubadas e, portanto, sem a respectiva autorização para o transporte de produtos florestais (ATPF) – passassem pelos postos de fiscalização, o grupo inventou um expediente inacreditável para membros de um partido que chegou ao poder com a missão de moralizar o trato da coisa pública. Mandou fazer um adesivo com os dizeres: oPTtante do Plano Safra Legal 2004 – assim mesmo, com as letras P e T em maiúsculo. Pregado no pára-brisa dos caminhões do esquema, o adesivo atestava o conluio dos donos da carga com os petistas e funcionava como salvo-conduto para a madeira proibida. Em contrapartida, os madeireiros faziam contribuições à campanha dos candidatos do PT. O presidente da Associação das Madeireiras dos Municípios de Anapu e Pacajá, Leivino Ribeiro, disse a VEJA que seu grupo gastou, na parceria com o PT, 2 milhões de reais, incluindo as doações às campanhas dos candidatos e o custo dos procedimentos para documentar a madeira.

A existência do esquema do adesivo foi confirmada a VEJA por uma das proprietárias da empresa HB Lima, Gracilene Lima, que ajudou o grupo de agricultores da Fetagri a cortar a madeira ilegal. Ela afirma que a autorização para a retirada da madeira sem documentação foi dada pelo gerente do Ibama em Santarém, Paulo Maier, e pelo chefe do Ibama de Altamira, Elielson Soares Farias. A substituição das ATPFs pelos adesivos do PT foi relatada também ao deputado federal João Batista Oliveira, o Babá (PSOL-PA), por um representante do Sindifloresta. O esquema previa que esse sindicato levaria sua fatia do bolo ao fazer o reflorestamento das áreas ilegalmente devastadas. Como o trato não foi cumprido, o sindicalista resolveu denunciá-lo. Ele concordou em falar ao deputado Babá com a condição de não ter seu nome revelado.

O esquema entre o PT e madeireiros do Pará teve início no segundo semestre de 2004, quarenta dias antes das eleições municipais. Foi interrompido em fevereiro deste ano, depois da morte, na cidade de Anapu, da irmã Dorothy Stang – a missionária americana assassinada a mando de grileiros. O crime levou à cidade o Exército, a Polícia Federal e funcionários do Ibama de Brasília. Com isso, a fiscalização na região aumentou e o esquema teve de ser suspenso. A freira americana tinha conhecimento do envolvimento de políticos do PT na derrubada de madeira ilegal, afirma o ex-funcionário do Ibama na região, Amarildo Formentini. - A irmã Dorothy dizia que, agora, quem estava desmatando a floresta eram os deputados do partido que ela ajudou a eleger.

Movida a cobiça e a interesses menores, a política ambiental do PT é terra fértil para escândalos. VEJA apurou que o gerente executivo do Ibama em Natal, Solon Fagundes, decidiu pedir demissão do órgão por não suportar mais pressões vindas do diretório municipal do PT. Ele disse a colegas que foi instado, e negou-se, a usar seu cargo para arrecadar fundos para o partido nas eleições de 2004 – a exemplo do que fez seu colega de Mato Grosso, o professor de geografia Hugo Werle, preso pela PF. Disse ainda que, ultimamente, vinha sendo pressionado por dirigentes petistas em Natal para receber em seu escritório empresários autuados com multas altas pelo Ibama. Na quarta-feira, Fagundes foi a Brasília para uma reunião sigilosa com auditores do instituto. À saída, não quis revelar a VEJA o teor da conversa. A revista apurou, no entanto, que ele contou aos auditores ter descoberto que a corrupção no órgão que dirige está tão generalizada que dela não escapa nenhum dos vinte fiscais encarregados de proteger o mais ameaçado ecossistema do estado, o mangue. Citou o que ocorre com as multas aplicadas pelo Ibama junto a empresários do setor de carcinicultura. Para montar viveiros de camarões, esses empresários freqüentemente invadem os limites do mangue, área de proteção permanente. As multas pela infração podem chegar a 1 milhão de reais. Ocorre que, depois de autuados, os empresários solicitam ao Ibama uma revisão do valor da multa. Por intermédio de funcionários corruptos, segundo relatou Fagundes aos auditores, esses valores têm caído com extraordinária freqüência – para 300 reais, por exemplo.

No que se refere à devastação causada pela corrupção na Amazônia, o governo Lula não pode dizer que não teve chance de, ao menos, contribuir para reduzi-la drasticamente. Poderia tê-lo feito por meio de uma assinatura. Quando assumiu o Ministério do Meio Ambiente, a ministra Marina Silva encontrou, em fase final de elaboração, um sistema de fiscalização muito mais eficiente do que as atuais ATPFs, o pedaço de papel que acabou viabilizando uma das mais disseminadas modalidades de fraude entre madeireiros e funcionários corruptos do Ibama: os primeiros compram dos segundos o documento em branco – e o preenchem com a quantidade e a qualidade da madeira que bem entenderem. O módulo do sistema que Marina rejeitou era o Selo de Origem Florestal, que o Ibama emitiria de forma informatizada, restringindo o espaço para fraudes.

Procurada para falar sobre os motivos da sua decisão e sobre as denúncias no Pará e no Rio Grande do Norte, a ministra, por meio de sua assessoria, transferiu a tarefa ao Ibama. O instituto, por sua vez, informou apenas que estão em curso procedimentos disciplinares e os eventuais servidores envolvidos em delitos serão punidos. Compreende-se por que a ministra se recusa a falar. Nas últimas semanas, ela assistiu a órgãos subordinados à sua pasta serem alvo de denúncias que causariam perplexidade e horror a qualquer brasileiro, ainda que ele não fosse, como é o caso de Marina, uma respeitada ambientalista, comprometida por seu trabalho e por sua biografia com a defesa do meio ambiente. Resta concluir que o que sufoca a indignação – ainda não suficientemente demonstrada – da ministra é o fato de que, cada vez mais, fica claro que a corrupção que devasta as florestas brasileiras não é obra de meia dúzia de cupins petistas. Pelo contrário: é orquestrada no seio do PT, para imensa tristeza de Marina – e dos que, ao votarem na sigla, confundiram inseto com inseticida. Tristeza também para Lula, que sonhou em mudar a geografia comercial do mundo e o que tem a apresentar é uma máquina partidária que transforma em suspeito de corrupção um pacato professor de geografia. (VEJA, 13/06)

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