Morro do Osso: cacique quer encontro com prefeito
2005-06-13
Por Carlos Matsubara
O chefe dos índios caingangues, Jaime Kentham, que ocupam a entrada do Morro do Osso, na zona sul de Porto Alegre, reivindicou na sexta-feira (10/6) uma audiência com o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça.
Ele e parte da tribo estiveram na Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores para esclarecer a agressão ao secretário de Meio Ambiente, Beto Moesch, no sábado (4/6). Era prevista também a presença de Moesch, que não compareceu por estar gravando um programa de televisão no mesmo horário.
A reunião extraordinária foi marcada na terça-feira (7) quando os índios entregaram uma queixa-crime contra o secretário por agressão e calúnia. Segundo o cacique, Moesch teria agredido uma das filhas do vice-cacique Miro, de 17 anos e grávida de sete meses. Na confusão, mais duas mulheres entraram na briga. Moesch alegou ter sido agredido pelas costas por vinte pessoas, versão repudiada pelos caingangues.
Eles querem construir 15 casas
A tribo ocupa a entrada do morro vivendo na mais completa miséria. Kentham exigiu dos vereadores que o ajudem a acertar um encontro com o prefeito Fogaça. Eles querem construir quinze casas para instalar as 114 pessoas que ocupam a área. E já tem o dinheiro. Vendendo artesanatos, dizem ter arrecadado mais de 10 mil reais para tanto.
O cacique evocou a Lei Orgânica do Município para exigir, — pelo menos água e luz, é o mínimo que precisamos para viver com decência-, bradou.
Duas malocas levantadas pelos índios motivaram o conflito no sábado. Depois de receber uma denúncia de que os índios teriam derrubado algumas árvores para construí-las, Moesch aterrissou no local, segundo Miro, alterado e disposto a brigar. — Eles (índios) não entendem por que ele quer tanto expulsá-los e faz vistas grossas para os empreendimentos imobiliários que estão planejados ou já construídos no entorno do parque-, critica Sérgio Bittencourt, presidente do Movimento de Direitos Humanos.
Jair Krischke, vice-presidente, explicou aos vereadores que o caso era uma crônica da morte anunciada . Conforme ele, havia uma preocupação com a conduta do secretário. No dia anterior ao conflito, ele recebera um telefonema de um assessor do prefeito e reforçou o pedido para que Fogaça analisasse uma correspondência encaminhada pelo Movimento de Direitos Humanos, na qual era ressaltado um suposto comportamento agressivo de Moesch com os índios e que acabaria por resultar no que acabou acontecendo de fato.
Os vereadores ainda assistiram a um vídeo com o secretário retratando os caingangues como bandidos e traficantes veiculado na RBS TV no domingo (5).— Pô, eu fico chocado com isso-, resumiu Kentham.
A antropóloga Ana Freitas do Grupo de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul lembrou que a prefeitura, na gestão anterior, tentou instalar os caingangues do Morro do Osso junto com outros de sua etnia numa área na Lomba do Pinheiro, mas que isso foi um crime já que lá existem grupos rivais.
Ressaltou ainda que isso é uma prática suicida. — Pelo entendimento do Poder Público Municipal bastava dar terras e juntar todos, mas a partir de conflitos que chegaram a acontecer, eles passaram a procurar outros espaços-, lembra ela, que também é bióloga e defende uma tese de doutorado na UFRGS, na qual tenta comprovar que a permanência deles em nada prejudica o ecossistema no local. — Suas atividades são completamente compatíveis com o meio ambiente-, destacou.
O grupo da universidade elaborou uma nota técnica que levanta existência de cemitério indígena no Parque do Morro do Osso, porém também aponta a necessidade de um estudo mais aprofundado, cuja realização foi concluída pela Funai em fevereiro, mas até hoje jamais divulgada. A demora da Funai em divulgar o resultado do estudo pode ter duas explicações: A típica morosidade da burocracia do órgão ou o receio de mexer num vespeiro que é ceder uma área urbana a um bando de índios que não tem mais para onde correr.