Hidrelétricas deixam um milhão sem terras
2005-06-09
Há quatro anos, Manoel Rufino de Oliveira, de 76 anos, deixou sua roça. Desde então, o que resta de sua casa está embaixo da represa Cana Brava, no norte de Goiás. Ele conta que, para ser forçado a sair, queimaram
o casebre de palha onde ele e a família moravam. — A gente não queria sair. Lá estava tudo o que eu conheci e vivi - conta, emocionado. De acordo com Manoel, até hoje ele não foi indenizado. — Estou rolando pedra. Não tive como comprar outras terras. Vendi meus animais para comprar um barraco - conta. Ele hoje vive em Colina do Sul (GO).
Assim como Manoel, existem milhares de pessoas atingidas por barragens que não têm onde morar, emprego ou condições de recomeçar a vida. De acordo com
o Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB), um milhão de brasileiros já foram expulsos de suas terras por causa da construção de hidrelétricas e reservatórios de água. Setenta por cento das famílias expulsas não receberam qualquer tipo de reparação. Ainda de acordo com o MAB, mais de 32 mil quilômetros quadrados de terra fértil já foram inundados pela criação de reservatórios.
Por conta da construção de uma barragem em Minas Gerais, o Brasil está sendo citado na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A empresa canadense Alcan, uma das maiores produtoras de alumínio do mundo teria violado os direitos humanos da população atingida pela construção da barragem de Candonga, em Minas Gerais. O relatório que narra a retirada dos moradores, o reassentamento e o apoio financeiro a pequenos produtores rurais, garimpeiros e pescadores, feita por um grupo de 70 organizações não-governamentais, coloca no banco dos réus a Alcan. A denúncia servirá para um ambicioso projeto da ONU: criar parâmetros para a atuação das multinacionais em países do Terceiro Mundo e nações em desenvolvimento.
Invasão
Manoel e cerca de 500 pessoas ligadas ao MAB passaram a semana passada acampados na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Brasília. O grupo tem pessoas atingidas pela barragem de Cana Brava e também da barragem de Serra da Mesa, em Minas Gerais. — Tenho esperança. Por isso vim com a minha mulher para cá e vou para onde for necessário - disse Manoel. O BID foi responsável pelo financiamento de um terço da obra e, por isso, foi escolhido como alvo da manifestação.
Dona Cornélia Martins Pereira, de 72 anos, não precisou deixar a terra. Apenas uma parte de sua roça foi desapropriada para a construção de uma rodovia que liga a hidrelétrica ao estado de Goiás. O problema é que ela ficou longe do poço que fornecia água, as cercas construídas pelo consórcio não foram adequadas para manter seus bodes e vacas dentro da pequena propriedade e, para piorar, ela não recebeu a indenização.
A expectativa dela é a de que o BID pressione a empresa belga Tractebel Energia pelo pagamento da dívida social para com os atingidos pela barragem de Cana Brava, no norte de Goiás. Eles querem a indenização das famílias para reparar as perdas sociais, econômicas e culturais causadas pela construção da barragem. A Tractebel é a empresa responsável por Cana Brava, que há três anos já está em operação.
De acordo com o BID, a instituição não é responsável pelo projeto e muito menos pela indenização. — Pelo contrato, isso é responsabilidade da Tractebel, mas estamos negociando ajuda de organizações não-governamentais para ajudar a população dessa região que é historicamente pobre, sem oportunidades de crescimento - explica Roberto Velluntin. (Correio Braziliense, 09/06/2005)