Deputada européia diz que ninguém fala seriamente em internacionalizar a Amazônia
2005-06-09
Uma rotina repete-se nos últimos anos. A cada nova notícia sobre a destruição de pedaços preciosos da Floresta Amazônica, surgem vozes defendendo a internacionalização da região como forma de evitar sua deterioração. A proposta tem hoje seus adeptos, inclusive entre setores do movimento ambientalista. Em recente viagem ao Brasil, a deputada européia Mônica Frassoni, co-presidenta da bancada dos Verdes no Parlamento Europeu, foi surpreendida com notícias que a colocavam entre os defensores desta proposta. Na verdade, a parlamentar é uma crítica da idéia. Em entrevista concedida por correio eletrônico para a Carta Maior, Monica Frassoni diz que ninguém fala disso seriamente na Europa. - A Amazônia é brasileira e são os brasileiros quem têm que proteger seu patrimônio - defende a deputada do Partido Verde. A luta na Europa, acrescenta, deve ser contra a importação de madeira retirada de áreas protegidas e explorada por empresas que praticam o trabalho escravo.
Aos 42 anos, Frassoni é deputada no Parlamento Europeu desde 1999, quando foi eleita na Itália. Atualmente, ela vive entre Brescia e Bruxelas, onde chegou em 1987 como secretária geral da Juventude Federalista Européia. Segundo ela, as prioridades da bancada verde no Parlamento Europeu são a proteção do meio ambiente, da democracia e dos direitos sociais, a defesa da paz e a prevenção de conflitos. Na entrevista à Carta Maior, ela fala sobre os temas da defesa da Amazônia, da responsabilidade brasileira e internacional na área e sobre a relação entre modelos econômicos e sustentabilidade ambiental. Frassoni explica que o Partido Verde europeu está lutando contra o modelo agroindustrial baseado na soja e na carne, pois ele provoca desmatamento, deslocamento populacional e a destruição da agricultura familiar. E também faz um rápido balanço sobre a situação ambiental no planeta. - Basta dar uma olhada nas estatísticas das catástrofes chamadas naturais dos últimos anos e fica claro: o mundo vai muito mal - resume.
Agência Carta Maior: Mais uma vez, volta-se a discutir a possibilidade de algum tipo de internacionalização da Amazônia, como forma de proteger a floresta da destruição. Como você vê essa questão e quais são as alternativas para defender a região da destruição ambiental?
Monica Frassoni: Eu tive a oportunidade de viajar ao Brasil há três semanas, como membro de uma delegação do Parlamento Europeu. Pouco antes de sair para o Brasil, ouvimos pela primeira vez sobre o temor do Brasil de sofrer pressões pela internacionalização da Amazônia. Na Europa, ninguém fala disso seriamente. A Amazônia é brasileira, e são os brasileiros quem têm que proteger o seu patrimônio. A responsabilidade da comunidade internacional é de não apoiar políticas que levem à destruição da floresta, mas sim de apoiar aquelas políticas do governo brasileiro que garantam um modelo de desenvolvimento sustentável para a região e para o país. Ou seja, o Brasil tem demarcado áreas protegidas e vai marcar mais áreas protegidas do desmatamento. Então, nós, na Europa, temos que assegurar a proibição da importação de madeira que vem de zonas protegidas através de nossos portos. Caso contrário, os europeus estarão participando de atos criminosos. Também não podemos aceitar a chegada de madeira desmatada com trabalho escravo ou semi-escravo.
Outro assunto importante é o modelo econômico. Pensamos que uma economia sustentável tem que criar trabalho adequadamente remunerado às pessoas que moram no país, para a sua alimentação, casa, escola e saúde, além de proteger o meio ambiente para os nossos filhos (e para nós mesmos, é claro). A agricultura familiar cria muito mais trabalho do que a agroindústria, distribui riqueza em vez de concentrá-la em poucas mãos. Por isso, nós do Partido Verde europeu lutamos contra o modelo agroindustrial baseado em soja e carne que leva ao desmatamento, desloca pessoas, enriquece uns poucos e, afinal, destrói também a agricultura familiar na Europa. Nem as exportadoras agroindustriais européias são boas para Brasil, nem as exportadoras agroindustriais de lá são boas para os pequenos camponeses na Europa. Neste sentido estamos a favor da interrupção das negociações para um acordo entre União Européia e Mercosul no ponto deixado em outubro passado, e da revisão dos critérios do acordo para que ele sirva, em primeiro lugar, para manter e aumentar a qualidade de vida da maioria das pessoas e proteger o meio ambiente.
Carta Maior: De um modo geral, como você avalia a evolução da questão ambiental no planeta. Estamos avançando ou andando para trás? Quais são os problemas mais urgentes?
Frassoni: Basta dar uma olhada nas estatísticas das catástrofes chamadas naturais dos últimos anos e fica claro: o mundo vai muito mal. Sem quere ser catastrofista, é preciso lembrar que a mudança climática e a destruição da camada de ozônio estão ocorrendo em um ritmo terrivelmente acelerado. Os prognósticos indicam que daqui a alguns poucos anos vamos ter novas zonas desérticas, e peixes morrendo nas temperaturas elevadas no mar. A qualidade do ar é cada dia pior. Vamos ter problemas de acesso à água também. Além disso, a intervenção do homem está criando outros grandes problemas: nas últimas décadas, na Europa, presenciamos grandes obras de barragens e retificação de cursos de rios.
As conseqüências disso são enormes inundações, na Alemanha por exemplo, porque os rios correm mais rapidamente. São as comunidades que moram nestas áreas que pagam a conta destas obras de infra-estrutura, vendo suas casas inundadas e destruídas. E, finalmente, temos o problema dos transgênicos. Está desaparecendo a biodiversidade do planeta em favor do desenvolvimento de sementes artificiais, com riscos para a saúde humana, destruição de espécies e concentração da propriedade das sementes nas mãos de umas poucas multinacionais.
Carta Maior: Neste momento qual é a agenda prioritária dos Verdes na Comunidade Européia? O processo de construção da União Européia está trazendo algum avanço para a luta ambiental?
Frassoni: Os temas prioritários dos verdes na Europa neste momento são a mudança climática e a água como bem comum ao qual tudo homem tem direito. Com respeito ao primeiro tema, lutamos para conseguir a implementação do protocolo de Kyoto. Em relação à água, há várias iniciativas em nível local (para manter as empresas públicas), em nível europeu (legislação), e também em nível internacional (Convenção da Água, declaração do acesso à água como um direito fundamental do homem). Uma Europa unificada e forte, baseada nos princípios de respeito aos direitos do homem e do meio ambiente, de paz e de justiça social, pode ser um fator importante no mundo.
Além disso, pode ter uma voz importante nos fóruns de negociações internacionais, por exemplo na Organização Mundial do Comércio (OMC), que precisa de uma reforma profunda para servir não só aos interesses das grandes empresas, majoritariamente assentadas nos blocos maiores, mas também à maioria dos países membros, que são os países em vias de desenvolvimento. Com certeza, a União Européia também é responsável pelas atividades de suas empresas pelo mundo. Nós lutamos por códigos vinculantes e por uma legislação mais forte, de modo que elas não possam produzir, em outros países, o dano ambiental proibido na União Européia, sem pagar por isso.
Carta Maior: Como o Partido Verde enxerga a luta pela construção de um outro modelo de globalização, diferente do atual? Há alternativas possíveis ao atual modelo político-econômico que vem sendo adotado na maioria dos países?
Frassoni: Desde o início do Fórum Social Mundial, em 2001, vários membros do grupo verde no Parlamento Europeu têm participado deste processo. Achamos que os movimentos sociais, as organizações não-governamentais e os sindicatos reunidos nesse espaço têm muitas idéias alternativas para um outro mundo possível. A nossa tarefa, como deputados, é ouvir, discutir e ver se é possível transformar as idéias em propostas legislativas. Idéias como uma taxa Tobin (sobre as transações financeiras), a responsabilidade social e ambiental das empresas, a luta contra a privatização da distribuição da água, entre outras, foram muito discutidos no FSM, e hoje já estão sendo debatidas em nível parlamentar e governamental. As alternativas não vão se impor de hoje para amanhã, mas vão ganhar as maiorias nos países e, logo, a maioria dos países.
Entrevista de Marco Aurélio Weissheimer, Agência Carta Maior (Eco Agência, 08/06)